Rezadeiras, benzedeiros, boticários e facultativos

Antes de a filosofia racionalista cristã haver sido trazida à humanidade e os laboratórios farmacêuticos haverem açambarcado o mercado de medicamentos e conquistado a fé do povo em seus conhecimentos científicos e técnicas, as famílias, independentemente de suas posses e padrão de vida, cuidavam da saúde com remédios caseiros e o concurso de rezadeiras e benzedeiros. Entravam aí extratos, caldos, xaropes, pomadas, banhos, às vezes acompanhados de rezas, não necessariamente de apelo a entidades que não se viam, mas numa conversa com as plantas, que eram passadas no corpo do doente, com pedidos de piedade para aquele necessitado.

Em caso de melhora do doente em função das propriedades curativas dos vegetais manipulados crescia a confiança na rezadeira, como se tivesse sido ela quem influiu no resultado que o uso das plantas proporcionou. E havia também o benzedeiro, com seus conhecimentos, que não revelava, e que atuava tanto com função curativa como preventiva, resguardando seu paciente de ser atingido por algum mal extrafísico que hoje se sabe não existirem.

Era também o tempo dos boticários. Estes, com conhecimentos farmacêuticos, sem truques envolventes e mistérios, mas com aplicação de instrumentos e aparelhos exclusivos, mais o acondicionamento padronizado e etiquetado de seus unguentos, drágeas e loções, atendiam uma camada mais elevada da população que ia a suas lojas, boticas.

As plantas utilizadas eram as mesmas, apenas o processamento e o preço eram diferentes. Rezadeiras não cobravam por seus serviços, apenas aceitavam um modesto lanche oferecido pela dona da casa ou algumas velas para “iluminar seus caminhos”. Mas seu trabalho fazia efeito, não as rezas, óbvio, mas o esfregaço das ervas e o perfume exalado que o paciente era obrigado a inalar. Estava já o povo capaz de livrar-se das doenças mais corriqueiras. No caso das mais graves ou menos conhecidas, o doente morria. Claro! Mas estava pronto o atestado de óbito com a causa mortis: nó na tripa.

Não falamos de praticantes dos estranhos tratamentos, mas os trazemos para mostrar que existiram, foram respeitados, o povo acreditava neles. Por certo influíram em alguma cura os remédios caseiros acompanhados pela força de vontade do paciente.

Com seus unguentos e misturas de ervas medicinais, rezadeiras e boticários eram respeitados como autoridades portadoras do conhecimento universal de domínio sobre doenças, graves ou não, na verdade, o poder sobre a morte física. Quando era inevitável, o paciente perecia e o agente que se havia proposto a curá-lo continuava a procura das erva precisas para aplicar contra o mal que detectara.

Essa capacidade de identificar, processar e utilizar certas plantas foi herdada de índios e negros, que sabiam o que aproveitar da natureza e o que de bom retirar dela em proveito da saúde, com capacidade de ajudar no tratamento de doenças. Assim, mereceram atenção especial guaco, hortelã, camomila, babosa, romã, abacate, graviola, arruda, aroeira, capim-limão, pata-de-vaca, e mais uma variedade enorme de plantas capazes de influir na melhoria do estado físico de pessoas, mesmo quando não se sabia qual era a doença. De modo geral todos os quintais reservavam essas plantas, assim como quase todas as casas tinham quintais. Hoje é mais difícil. Com as favelas verticais e apartamentos que se resumem a corredor e janela, onde plantar?

Chegaram os médicos, primeiros os formados na Europa, depois os que frequentaram as faculdades de Medicina de Salvador e do Rio e Janeiro, e que eram conhecidos como facultativos.

Tornaram-se muito procurados e fizeram valer o tempo que passaram debruçados em livros de Medicina quando não estavam gastando os envios monetários de seus pais, que queriam vê-los doutores. Poucos tinham vocação e interesse. Mas eram os bambambans, quebraram o esquema que tendia a perpetuar-se, desbancaram boticários, benzedeiros desapareceram. Eram a elite em se tratando de saúde, ainda que o povo continuasse morrendo. A diferença, então, era que no atestado de óbito já não aparecia nó na tripa como causa da morte.

O tempo foi passando e agregando-se às plantas curativas elementos sintéticos que o progresso proporcionou por meio da ciência e da tecnologia. Hoje, as farmácias do Brasil dispõem de medicamentos de dezenas de laboratórios com matriz no exterior, oferecendo tratamento para espirro e dor de cabeça, todos com o mesmo princípio ativo, acondicionados em embalagens bonitas, coloridas e plastificadas, com nomes difíceis de pronunciar. Alguns desses medicamentos estão sob reserva: somente podem ser comercializados com receita médica: os controlados ou tarja preta.

O Governo central, que adoece o contribuinte com sua paranóia arrecadatória, despertou para o fato de que o país estava transformado numa enorme enfermaria e apiedou-se de seus alimentadores, muitos em prejuízo da aquisição de seu próprio alimento para não cair cair na dívida ativa ou na bocarra do leão, o que pode gerar multa e até prisão. Em resumo, não andam certinhos por satisfação, mas por medo das ameaças legais. E então nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS), que nem comporta toda a demanda, até por falta de profissionais de Saúde habilitados disponíveis, e nem atende a toda e qualquer necessidade. Se o tratamento da doença exige medicamento muito caro, o SUS se encolhe deixando à família do paciente o encargo.

Cabe menção às boticas modernas, farmácias especializadas em manipulação de componentes para formar o remédio que o médico recomenda. Comparando-as com as farmácias tradicionais, podemos considerá-las como válvulas de escape de uma medicina alternativa. A farmácia de manipulação pode alinhar-se com outras variedades de tratamento que utilizam técnicas naturais e holísticas em parceria com a medicina convencional. São os tratamentos alternativos, neste Brasil de rimas mil.