Foi-nos solicitado escrever algo sobre o mestre Luiz de Mattos para a edição de janeiro do jornal A Razão, tendo em vista que, toda primeira edição do ano o codificador do Racionalismo Cristão e fundador deste periódico é homenageado, pois nasceu e faleceu no mês de janeiro – dia 3, em 1860, e 15, em 1926, respectivamente.
Pensamos em destacar num artigo, dentre todas as suas excelsas qualidades, a humildade, uma vez que entendemos ser fundamental a prática desta virtude para que o ser humano possa exprimir com mestria na Terra todos os demais atributos e talentos espirituais, como fez Luiz de Mattos.
Assim, ao pesquisarmos sobre o tema, encontramos no livro Luiz de Mattos, sua vida, sua obra, de Galdino de Andrade, autor da biografia do querido mestre, em seu sexto capítulo, com o título de Luiz de Mattos e sua simplicidade, uma magnífica história, verdadeiro exemplo de humildade.
Conclusão: ninguém melhor do que o grande biógrafo poderia expressar nossa intenção. Apreciem!
“A despeito de sua frágil compleição física, pouco conformada com a raça trasmontana, a que tinha orgulho de pertencer, Luiz de Mattos era um jovem de extraordinária inteligência, de raciocínio lúcido e larga visão.
Espírito altamente disciplinado, tudo que lhe dizia respeito não fugia a um regramento rigoroso. Na prática da mercancia, a lisura pautava-lhe os negócios, com tudo se desenvolvendo sob o império da ordem, pois ele tinha consciência de que sem esta não pode haver progresso.
Pontualíssimo na prestação de contas – insista-se nisso –, Luiz de Mattos adquiriu um nome comercial da maior credibilidade, tal a confiança que o seu proceder infundia. O seu patrimônio não era constituído apenas de haveres materiais, pois a ele se agregaram valores maiores como o escrúpulo que tinha na lida com o bem alheio e a fé que a sua palavra merecia, daí o vulto que os seus negócios alcançaram e a fortuna que granjeou honestamente.
Luiz de Mattos era de uma simplicidade encantadora, singeleza diferente daquele tipo industrioso, de artificialismo manhoso e interesse subjacente, habituado a satrapear, dando-se ares de grande senhor.
A propósito, conta-se que certa feita um grande fazendeiro e comitente entrou na firma L.J. de Mattos & Cia. e lá encontrou Luiz de Mattos a costurar sacas de café, juntamente com seus auxiliares, trabalhadores que embalavam e empilhavam o produto.
Esse rico fazendeiro, que não o conhecia, se dirigiu exatamente a Luiz de Mattos, perguntando-lhe se o seu patrão estava. E ele então lhe respondeu:
– Não está, porém não há de demorar-se. Por favor, espere-o no escritório. Entre e sente-se.
Depois de conduzir o comitente ao escritório, Luiz de Mattos saiu por uma porta que dava para o sobrado, aonde foi se lavar e trocar de roupa para apresentar-se, de maneira adequada, ao seu cliente.
Vestira-se com elegância, pois sempre fora afidalgado no porte e no trajar, embora ainda não usasse aquelas suíças que depois veio a manter, sempre bem cuidadas, enquanto viveu. E apresentou-se ao seu comitente, que, com grande espanto, perguntou:
– É você, meu jovem, o dono desta casa?
Ao que Luiz de Mattos respondeu:
– Sim, senhor. É este seu criado.
Então, o fazendeiro interrogou-o, apreensivo.
– Quer dizer que eu tenho a maior parte de minha fortuna nas mãos de um rapazola, quando supunha que o proprietário desta casa fosse um homem já de idade avançada?
– Sim – respondeu Luiz de Mattos – a idade é pouca, mas a experiência é grande! Por isso, o meu comitente esteja, provavelmente, lucrando mais com o rapazola do que se tivesse confiado o seu café a um idoso!
O certo é que os armazéns estavam entulhados de ouro verde, sacas sobre sacas, empilhadas todas com alinho.
O fazendeiro, vendo Luiz de Mattos assim tão novo, ficou com medo de que a sua fortuna sofresse abalo, já que algumas centenas de contos em café haviam sido confiadas a um comissário tão jovem.
Preocupado, o fazendeiro pôs-se a conjeturar como um jovem poderia ter tanta fama comercial, parecendo até que o bom nome fosse propriedade exclusiva de alguém entrado nos anos quando o nome comercial do jovem Luiz de Mattos foi feito tão cedo, mas com o trabalho honrado, com a fé de sua palavra e a experiência que adquiriu na lida com o comércio de café.
Psicólogo nato, Luiz de Mattos notou logo que o fazendeiro se sentia angustiado pela dúvida, em razão do que lhe disse com refinada ironia:
– Quer dizer que se o senhor me imaginasse um jovem não me teria enviado o café?
E como o rico cliente ficou desconcertado, sem jeito de responder-lhe, Luiz de Mattos pegou o Livro de Vendas e mostrou-lhe que todo o seu café já havia sido vendido. Ao mesmo tempo, apresentou-lhe o comprovante da venda, cujo valor já havia sido remetido a ele, acompanhado de saque para desconto à vista.
O fazendeiro, que já estava ficando bem impressionado com a organização do jovem comissário, sentiu-se aliviado, sobretudo depois que Luiz de Mattos o deixou mais surpreso ainda, mostrando-lhe que a venda de seu café fora realizada em condições especialíssimas, uma vez que o produto havia baixado de preço, mas ele o vendera, todo, antes da baixa.
A venda, efetuada no momento certo, não foi só do café desse comitente, mas também dos demais, evitando-lhes com isso um prejuízo enorme. O jovem comissário informou, ainda, que o café de todos os comitentes ainda estava em seus armazéns, aguardando os navios em que seria embarcado, com destino a países como Bélgica, Alemanha, França e outras praças estrangeiras, onde se situavam as firmas importadoras para as quais a mercadoria havia sido vendida, com prazo de 90 dias para a entrega, tendo já o valor da venda sido recebido e posto – mediante aviso – à disposição de cada um dos comitentes do interior.
O fazendeiro e comitente ficou muito satisfeito com Luiz de Mattos por ele ter-lhe poupado ao prejuízo que decorreria da baixa do ouro silencioso, no dizer de Oswald de Andrade, e, também, por lhe ter ensinado, com a sua lição de simplicidade, que na vida há os que parecem
ser, mas não são, enquanto outros não parecem ser e, no entanto, são.
Daí, pois, o pensamento de Gilberto Amado: “Querer ser o que se é, é o essencial. Querer ser mais do que se é, é ser menos.”