Damos prosseguimento ao artigo Sobre o sentido da vida, cuja primeira parte foi publicada na edição de janeiro.
Informa a OMS que quase um bilhão de pessoas no mundo – tanto nos países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), quanto nos países com baixo IDH – vivem com algum tipo de transtorno mental, sendo que desse número 14% são adolescentes. De acordo com os estudos, o Brasil tem o maior índice de depressão entre os países da América Latina, cerca de 5,8% da população, o que significa algo em torno de 11,5 milhões de casos. Esse número é o segundo maior das Américas, atrás apenas dos Estados Unidos onde há o total aproximado de 17,4 milhões de casos.
O levantamento da OMS demonstra que uma em cada cem mortes no mundo (1% do total das mortes) foi ocasionada por suicídio provocado pela depressão e que, contido nesse percentual, 58% ocorreram antes dos 50 anos. A OMS inclui países como Ucrânia, Austrália, Estônia, Ilhas Salomão e Guatemala, todos com números alarmantes. Observa-se com isso que transtornos mentais não têm preferência por idade, posição geográfica ou condição socioeconômica. São fenômenos afetos à humanidade.
Quando analisada pela perspectiva exclusivamente materialista, a depressão é definida pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), compêndio elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), como Transtorno Depressivo Maior, cujas características principais são o humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de mudanças somáticas e cognitivas que afetam significativamente a capacidade da pessoa de funcionar.
A Classificação Internacional de Doenças (CID), que oferece diretrizes diagnósticas utilizadas pela OMS como orientadores do trabalho médico, define-a como uma doença psiquiátrica crônica e recorrente que produz alteração do humor caracterizada por tristeza profunda, sem fim, associada a sentimentos de dor, amargura, desencanto, desesperança, baixa autoestima e culpa, assim como a distúrbios do sono e do apetite.
Como nosso foco é a espiritualidade, não obstante falte definição exata por parte da OMS sobre o que ela seja, podemos inicialmente afirmar, com base no que aprendemos pelo estudo da filosofia racionalista cristã, o que espiritualidade, na sua essência e profundidade, não é: espiritualidade não é repetição de rituais vazios de significado e realizados mecanicamente em datas específicas dedicadas à “prática espiritual”. Espiritualidade não é ter crenças em conceitos impostos, sem preceitos lógicos, que sustentam atos ou práticas sem o aceite baseado no estudo, no raciocínio, na reflexão, nos questionamentos e, por que não dizer, na dúvida que força a busca da verdade. Espiritualidade não está baseada em suposições ou especulações sobre o que se passa no plano transcendente. Espiritualidade não é viver isolado em instituições criadas para afastar homens e mulheres das “coisas do mundo”. Espiritualidade não é pedir proteção a uma ou mais “entidades divinas” com base em barganhas ou promessas.
Podemos, isso sim, afirmar que a espiritualidade verdadeira se expressa todos os dias, em todas as relações humanas, em todo esforço que se emprega no fortalecimento da vontade para a prática do bem, no raciocínio que potencializa o melhor uso do livre-arbítrio, na decisão pessoal baseada em valores éticos universais – aplicáveis a todas as pessoas, em todos os lugares em todas as situações –, na determinação sobre o que pode ter nossa tolerância quando reconhecemos diferentes modos de pensar e de agir nas relações interpessoais e o que não pode ser tolerado. Enfim, a espiritualidade se expressa na busca do significado e propósito de tudo o que nos cerca – seres, pessoas, coisas, natureza – em termos objetivos e aplicáveis na concretude da condição humana em constante relacionamento interpessoal.
Com base no que é espiritualidade, podemos dizer, refinando mais nosso entendimento, sob a perspectiva da Logoterapia, que a espiritualidade deve estar ancorada na substituição do modelo mental baseado no “Por que?” – escorado na perplexidade sobre fatos que nos afetam e sobre os quais não alcançamos entendimento – para o modelo baseado no “Para que?”, que tem como alvo a autonomia que nos direciona para o que é possível fazer frente às circunstâncias que o mundo nos apresenta. O “Por que?” nos prende a um passado inacessível e obscuro ligado a eventuais traumas psicológicos desconhecidos, ou mal elaborados, ou ligados a suposições e especulações sobre vivências anteriores, que nos mantêm no estado mental de vítima, de perplexidade e imobilidade, através do que buscamos respostas a angustiosas questões: “Por que isso está acontecendo comigo?”, “O que fiz para merecer isso?”, “Que dívidas espirituais estou pagando para sofrer tanto?”, “Que ‘karma’ é esse?”, Que erros eu cometi?”, “Por que tanto sofrimento?”, “Por que?”, “Por que?”, “Por que…?” Notem que o padrão mental baseado no “Por quê?” nos prende, literalmente, a eventos passados que não podem ser mudados.
Veja na edição de março a conclusão do artigo.