Sombras e sinais

Gilberto Silva, presidente do Racionalismo Cristão.

Na manhã de segunda-feira, o dia nasceu como sempre — ou assim parecia. Mas havia, no ar da casa, um murmúrio sutil, como se algo tivesse sido deslocado em silêncio, sem que ninguém soubesse ao certo o quê.

João, de pé diante do espelho, fitava a própria imagem como quem contempla um enigma. A noite fora curta, embora o corpo estivesse em repouso. Dormira com as palavras de Clara ecoando-lhe nos ouvidos: “Quando quiser, leia.” E lera. Ou melhor, fora lido. Cada frase escrita por ela parecia ter um endereço certo, uma hora exata e um destinatário irrecusável.

No entanto, o que mais o intrigava não estava no que Clara escrevera, mas no que ela deixara em silêncio. Quem era a fonte? De onde vinha aquela nova lucidez? Não era apenas Clara que mudava: era o olhar dela sobre o mundo — e sobre o marido. E isso — ah! —, isso tocava seu orgulho com a precisão de uma agulha fina: discreta na aparência, mas profunda no efeito.

João saiu sem nada perguntar. Mas saiu com a certeza de que algo lhe escapava à compreensão.

Na cozinha, Clara recolheu o caderno com cuidado e o guardou. O livreto — aquele que lhe fora dado por Teresa e de onde extraíra tantas reflexões — permanecia sobre a mesa, sereno e fechado. E assim seguiria: presente, mas reservado. Havia, naquela escolha silenciosa, um acordo tácito — o que a transformava não precisava ser revelado diretamente; bastava ser vivido. Afinal, como refletiu Saint-Exupéry, há verdades essenciais que os olhos não alcançam; que só a sensibilidade silenciosa é capaz de compreender.

Nesse mesmo dia, Mariana pediu para não ir à escola. Não com rebeldia, mas com um cansaço que vinha de dentro, como quem sente que o mundo se tornou grande demais para suas forças.

— Hoje não dá, mãe. Só hoje.

Clara, olhando-a com ternura, respondeu:

— Então hoje, não. Mas amanhã conversaremos.

João, ouvindo do corredor, sentiu um sobressalto. Era como se ouvisse a própria alma pedir descanso pela boca da filha.

Mais tarde, já sozinho no carro, murmurou, sem pensar:

— Seria possível que… nossas dores conversassem entre si?

E então, pela primeira vez em muito tempo, não ligou o motor de imediato. Permaneceu ali, entre a dúvida e o despertar. Algo nele começava a ceder — não como quem cai, mas como quem se inclina para olhar melhor uma nova paisagem.

Mas as perguntas que lhe tomavam a mente, enquanto fitava o céu encoberto pela janela do para-brisa, eram outras: “Quem era Teresa? E o que havia naquele livreto que parecia operar transformações tão discretas quanto profundas?”