Há tempos vovós ameaçavam botar ovo quente na boca de criança que falasse palavrão ou gíria. Que maldade! As ameaças não causaram o resultado esperado, porque a prática de falar palavrão se robusteceu. A desobediência superou o medo. Não se trata aí de educação, de exemplos, de comprovação de princípios, mas do enfrentamento, da tentativa da adolescência confrontar os adultos, a começar por aquelas vovozinhas que queriam fazer dos meninos e meninas bons moços e moças, entendendo que essa qualidade se sustentaria num vocabulário “limpo”.
Naqueles tempos remotos, criança que falasse palavrão ganhava o apodo de fulaninho boca suja, ainda que praticasse a higiene bucal conforme as recomendações médicas e da família: escovação dos dentes ao acordar de manhã e ao deitar-se, à noite, e após cada refeição. Era temerário que o infante, por levar a pecha de boca suja, resolvesse abandonar o hábito de higiene. Não se sabe de uma pesquisa que comprove, mas é possível admitir que metade das crianças, adolescentes, jovens e adultos fala palavrão, sem se dar conta ou sem preocupar-se com o ambiente em que se encontram. É lamentável, mas o palavrão, que uns poucos preferem chamar de palavra de baixo calão, está incorporado aos costumes e ocupando cada vez mais espaço.
O palavrão está presente na programação de TV, nos ensinos Fundamental e Médio, na faculdade (numa reciprocidade entre alunos e professores), no transporte coletivo, nas casas comerciais, nos estádios durante prática de esportes, em toda parte, verdadeira epidemia. Como extingui-lo? Parece impossível. O que fazer? Tentar evitá-lo, distanciar-se com o vocabulário disponível.
Essa preferência de tanta gente prenuncia uma época em que ninguém mais se lembrará do termo palavrão com o sentido que ainda hoje é empregado, porque o palavrão já estará incorporado até à linguagem castiça e praticado por pessoas educadas, e será entendido apenas como uma palavra grande, de muitas sílabas. Quem o utiliza acha que tem direito de praticá-lo. Tem? Há muito a ameaça do ovo quente caiu em desuso e, se o ato fosse efetivado hoje, seria necessário multiplicar infinitamente as granjas.
Há porém que se atentar para a diferença entre um simples palavrão que, sem pedir licença, vaza da boca do deseducado quando contrariado por algum motivo, por exemplo, quando dá uma topada e o dedão fica doendo, e a pornofonia, esta, sim, desagradável e inútil, que somente aparece em conversas ou pronunciamentos estéreis, grosseiros, que nada acrescentam e apenas enquadram o falante na sua turma, no seu meio, fora do convívio das pessoas de bem. A linguagem pornofônica é calcada basicamente em órgãos sexuais e na relação entre casais, degenerando em obscenidades, quando na verdade estas e aqueles devem ser citações normais, quando necessário, e isentos de conotação maldosa, sem tempero sadomasoquista que leva o interlocutor às gargalhadas, mesmo quando a piada ou anedota é repetida.
Mais presente na linguagem coloquial que o palavrão está a gíria. Se ao primeiro há quem torça o nariz e o classifique de abominável, a segunda é aceita com menos restrições. De fato, ambos são inteligíveis por todas pessoas, de todas as classes, etnias e credos. Algumas gírias suprem carências dos dicionários, outras dão ideias que só podem ser expressas com o uso de três, quatro palavras. Nem por isso se deve enaltecer a inegável utilidade da gíria, seu fácil entendimento.
Gíria era coisa de vagabundos, marginais, diziam nossos avós, assim como tatuagem era identificação do povo de Marinha ou de ex-presidiários. Da mesma forma que a tatuagem passou a ser um enfeite para a pele ou uma marca de identidade pessoal, falada e escrita a gíria avançou e é divulgada na música popular e galantemente pelos atores e apresentadores da programação de TV e rádio, canais de comunicação de mais fácil acesso. No teatro, gíria e os chamados palavrões já são usados há muito tempo. Ambiente fechado, quem entra sabe qual vai ser o espetáculo e quais são os atores desbocados.
Bem pior que o palavrão e a gíria é o conjunto chinfrim de abreviaturas aplicado nos e-mails, verdadeira linguagem cifrada. Há quem as use porque não sabe escrever corretamente, há quem as use por pressa em concluir e enviar a mensagem, e há os que, não encontrando coisa melhor com que se ocupar, embarca nesse torvelinho de baboseiras, obrigando os não iniciados a pedir ajuda aos cascudos de internet. Não é fato isolado com incidência pontual: é uma degringolada idiomática mundial. Se nos ativermos à verdade de que a língua é viva e caminha, evolui, resta-nos superar etapas, ganhar tempo, esquecer o vernáculo e passar a usar somente palavrões, gírias e quedês, pequês e beelezês.
Gente, por favor não tome essa divagação como indulto para aplicação de uns e, ainda que comedidamente, outras nas conversas, não leve a sério esse conselho animalesco e boçal. É só uma brincadeira, mas que pode ser vista como advertência para prevenção do que está em avançada gestação. Melhor é abster-se de usar palavrões e moderar nas gírias; obscenidades, nem pensar.
Vá em frente, Brasil de rimas mil.