Cariocas e paulistanos terão que esperar, neste ano, mais dois meses para desfrutar das delícias mundanas do carnaval, e por igual tempo ficarão privados do deslumbramento que os desfiles de escolas de samba proporcionam. Comerciantes, grandes, pequenos e camelôs, terão que renegociar as datas para cumprimento de seus compromissos financeiros com fornecedores, que contunuarão recebendo cobranças de aluguel, água, luz, internet, telefone e papagaios bancários com as respectivas datas de vencimento.
Há, porém, para além desses transtornos, o corolário de uma das mais conhecidas piadas semipornográficas: tiraram o sofá da sala. Na piada, tudo que acontecia continuará acontecendo em outra dependência da casa; no nosso caso, tudo que se previa acontecer com a realização dos desfiles dentro do calendário oficial provavelmente acontecerá, em outra data.
Desde o início das discussões em torno da proibição ou liberação dos desfiles das escolas de samba era clara a tendência de que a população não poderia expor-se, com aval dos governos locais, à contaminação de doenças fatais cujos vírus se propagam à velocidade da luz.
Primeiro foi um chove-não-molha, foram discursos, entrevistas, mensagens em sites, tudo embromação. Não era possível que os prefeitos do Rio e de São Paulo não percebessem os absurdos que estavam defendendo, e levaram quase até o limite o pronunciamento da verdade: a inviabilidade de realização de desfiles das escolas de samba em fevereiro, por causa do recrudescimento ainda mais avassalador da variante ômicron e da gripe influenza. Prefeitos de muitos municípios se viram forçados a proibir o carnaval de rua.
Vetar o desfile de blocos carnavalescos e estabelecer rígidas regras e protocolos sanitários para a folia em recintos fechados são ordens de difícil cumprimento: como conter a euforia do povo acostumado a libertar-se por três dias das tristezas e sofrimentos de um ano inteiro? Quem ou o que impedirá as turmas do funil de ir para as ruas dançar, pular, abraçar-se, cantar as máscaras negras, os trens das onze, os mamãe eu quero e sambas-enredo, reviver o Bafo da Onça e o Cacique de Ramos? Quem, não se sabe. Mas o quê, é fácil deduzir: cuidado, prudência, temor, obediência… tudo que indique preservação da saúde e, consequentemente, da vida. Será, porém, que, aos acordes dos alalaôs e à preferência do índio pelo apito, alguém se lembrará disso?
Prefeitos do Rio de Janeiro e de São Paulo permitiram o desfile das escolas de samba em abril, aproveitando o feriado do dia 21. Serão milhares de pessoas mostrando os enredos de suas agremiações, e outros tantos nas arquibancadas, camarotes, concentração e área do fim de festa, além dos que estarão na Avenida a trabalho, todos ainda que com o salvo-conduto da imunização. Nessas condições, como respeitar a distância recomendada entre essas pessoas? Nas arquibancadas será possível usar máscara (será que alguém usará?), mas entre os desfilantes? Imaginemos a dificuldade dos carnavalescos para adaptar máscaras a todos os figurinos. Ainda pior será a passagem das passistas e rainha de bateria, com minúsculos tapa-sexos, mas com máscaras a lhes esconder o rosto, sempre bonito e que mantém a maquiagem apesar do suor. Surreal!
Em verdade, assim como proibir desfile de blocos libera governos de pagar subvenções, expor pessoas em desfiles de escolas de samba objetiva elevar a arrecadação dos municípios e estados. As anunciadas medidas parecem “conversa mole para boi dormir”. Já que falamos de carnaval, lembremo-nos que essa expressão, de elevado significado ainda nos dias de hoje, enfeitou uma música carnavalesca de grande aceitação, embora noutro contexto. (Touradas em Madri, 1938).