Em uma intrigante abordagem da atualidade, o filósofo tcheco Slojav Zizek conceitua, concisamente: “O mundo está lidando com crises múltiplas, simultâneas, que evocam os Quatro Cavaleiros do Apocalipse: praga, guerra, fome e morte. Esses cavaleiros não podem, simplesmente, ser descartados como imagens do mal”. Raciocínio comum a outros pensadores ou estrategistas, que julgam melhor prevenir que remediar a superpopulação/poluição. Assim, a maior ameaça ao ser humano, o quinto cavaleiro, seríamos nós.
A praga do Apocalipse incandesce um viver assombrado pela pandemia. Buscando as origens – imperativo para chegar à verdade –, esbarramos em inquéritos fechados ou inconclusivos, dados sonegados a cientistas, povo mal informado. Especulações levam aos laboratórios de biotecnologia da Ucrânia. Fatos ressaltam o papel, contestado, do Congresso norte-americano nas investigações. Estas acoplam, em cadeia, órgãos subvencionados pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, dirigido pelo dr. Anthony Fauci (quem não o viu na televisão?). Implicam, principalmente, os Institutos Nacionais de Saúde, a Aliança EcoHealth e o Instituto de Virologia em Wuhan, em programa de pesquisas financiado pelos Estados Unidos. Dois congressistas republicanos, James Cormer e Jim Jordan, cobram deles esclarecimentos sobre a política de experiências de risco com os novos coronavírus, bem como sobre a suspeita de manipulação genética, intencional, do vírus. A comunidade científica e órgãos civis cobram investigação independente e aberta, em nível internacional.
Entramos na guerra atual do Apocalipse, cozinhando desde finais dos anos 1990. Em Après l’Empire (Gallimard, 2002), Emmanuel Todd – que desde 1976 anunciava a decomposição da esfera soviética – evoca Zgbniew Brzezinski e seu modelo imperial exposto em 1977 (The Grand Chessboard), “obra estratégica das mais coerentes sobre a necessidade e os meios de estabelecer um domínio assimétrico dos Estados Unidos na Eurásia”, ou seja, pela anexação da Ucrânia ao Ocidente. “Não revela que o cerco à Rússia deveria levar à desagregação do coração do país… Ainda mais inconfessável: Brzezinski não evoca a insuficiência da economia americana e a necessidade, para os Estados Unidos, de assegurar política e militarmente seu controle sobre as riquezas do mundo”.
Encapam essa guerra os novos formatos de persuasão. “Pelo amor de Deus, esse homem não pode permanecer no poder”. Ao brado indignado do presidente Biden, logo a Casa Branca suavizou: é uma explosão de ordem moral, não um apelo a mudanças em Moscou. Semanas antes, o senador Lindsey Graham se aventurara pela história greco-romana, augurando um Brutus para sacar o Julius Cesar. A campanha, via mídia sonora, manipuladora e bem barulhenta, espalha-se em boatos de defecções, descontentamento interno, e mesmo golpe, implausível para os analistas. Mas a semente vai germinando. A russofobia ocidental é uma natural sucedânea da ruptura do comunismo soviético. Atingiu seu apogeu no século XIX e inícios do século XX. Mas vinha lá do século XV, segundo Guy Laron em sua Pequena História da Russofobia (Diplo, maio 2020), então a Rússia exposta como um país asiático e bárbaro, uma ameaça à civilização ocidental. E indaga: por que, em tempos de instabilidade, inclusive pela ameaça nuclear, nenhum político teve a coragem de propor um engajamento construtivo com a Rússia de Putin?
A questão da energia. À fome do Apocalipse há por bem somar a questão energia (petróleo e gás). Projeções do Foro Econômico Mundial, maio 2022, brindam os Estados Unidos com 96% de inflação, seguidos da Europa (92%), América Latina (86% e 35% no índice de insegurança alimentar), Oriente Médio e África (75% nos dois itens), Sub-sahara (67% e 87%), Sul da Ásia (61% e 52%) e China (25% para ambos os itens). “À trajetória atual, o mundo está em vias de sua pior crise de alimentos na história recente, complementada pela pressão adicional dos preços altos da energia”, conclui o relatório. Crise de todos os tempos. São 768 milhões de pessoas na mira da fome, com lucros para a agroindústria, petrolíferas e meio ambiente. Os sistemas alimentares respondem por um terço das emissões de gás do efeito estufa.
Por isso, o rush de presidentes – que mal começa. Visitas convenientes a seus pares estrangeiros (há outras, também de interesse nacional), temos Joseph Biden na Arábia Saudita, o chanceler alemão Olaf Scholz e seu vice Robert Habeck em Qatar, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador na América Central. “Help!”. Um brado uníssono, tal qual o do presidente ucraniano Zelensky. No vai e volta ao mercado petrolífero, o príncipe coroado saudita tem voz para baixar preços – meta de Biden para reduzir a carga orçamentária do americano – e manter a produção em alta. Convém a ambos, a lembrar o envio de armas americanas para a guerra civil decenária e esquecida no Iêmen, apoiada pelos sauditas. De Qatar, o jornal Der Spiegel traz a imagem de Habeck sentado na ponta de um sofá, tendo à esquerda, em suas cadeiras altas de ouro, o ministro da Indústria e Comércio e seu séquito. “Uma imagem que deixa bem claro quem é o suplicante e quem é o amo benevolente”. López Obrador acorre à América Central, ante a ameaça de pesadas ondas de migrantes em busca de pão e água no Norte. Sinistro prognóstico para cinco países, há seis anos amargando desemprego, colheitas perdidas com furacões, violência endêmica, preços subindo.
Davos 2022. Encontro, fins de maio, de uma elite sombria e ansiosa do Foro Econômico Mundial, explora temática “a história em ponto crítico”, com foco na colaboração. Muita empresa privada, muitos negócios em vista. Mil histórias sem fim. Como o plano de segurança energética da Ucrânia, em cooperação com uma agência da Otan, apresentado pela parlamentar Nataliya Katser-Buchkovska. Trata-se de produzir o gás em casa, desenvolver – com a União Europeia – infraestrutura para gerar eletricidade. Empresa em destaque: a internacional Dtek. Voo alto, conforme seu executivo Maxim Timchenko, com a criação de uma rede integrada de “descarbonizados”.
Galho final da mesma árvore tão ramificada, a morte comanda o espetáculo como o quarto cavaleiro do Apocalipse. O momento remete à suposta hostilidade milenar entre Oriente e Ocidente: “o mito epicentro da fratura imaginária que separa a psicologia humana em duas mentalidades superpostas radicalmente opostas…”, como descreveu o autor e ex-ministro das Finanças do Líbano, Georges Corm, há duas décadas. Uma fratura imaginária, que oculta interesses na busca inacabada por um mundo melhor.