Vêm aí os governantes eleitos. O que se pode esperar deles?

Que não nos abandone a esperança, companheira que até aqui nos norteou; que nosso país se mantenha em paz e siga rumo a um futuro de felicidade para todos que aqui vivem, sem contratempos, sem mentiras; que não se assanhem os aproveitadores, sob pena de serem execrados e punidos em conformidade com as leis vigentes; que o dinheiro público seja tratado com respeito e aplicado com critérios sadios; que o povo receba o que lhe cabe por direito em educação, saúde, segurança, emprego com salário justo que lhe garanta uma vida digna; que não haja contemplação com corruptos que se insurjam contra a decência e a moralidade; que o governo federal possa atender a cada um de nós conforme nossas necessidades e exigir de nós apenas o que cada um lhe possa dar conforme sua capacidade; que os governantes federais e estaduais tenham vergonha na cara, que era em última análise o que os eleitores esperavam quando se mobilizaram para cumprir a severa obrigação de votar, porque poucos votam por prazer e quase a totalidade o faz para livrar-se dos problemas decorrentes de haverem ficado de fora dessa massacrante e quase covarde imposição. Eis, resumidamente, quase em formato de oração, o que os brasileiros esperam para os próximos quatro anos do presidente da República e govenadores.

O que mais desejar quando pensamos nos velhos novos governantes, nos velhos novos tempos, nas velhas novas figurinhas carimbadas que assumirão os postos-chaves da administração pública? Ao menos que tenham aprendido com os erros cometidos em mandatos passados, deles ou de outrem, e aproveitem o próximo para corrigi-los; que falem menos, para não dizerem besteiras, como as que temos ouvido, e ajam mais (afinal, há muito que agir na imensidão do Brasil com sua imensidão de problemas a serem atacados); que saibam relacionar-se com a comunidade mundial, entendendo e respeitando os interesses internos de cada país, limítrofe ou distante, tratando com urbanidade seus dirigentes, como pré-requisito para alcançar a simpatia e o interesse de empresas e corporações para aportarem seus investimentos no Brasil. Será profundamente desagradável, frustrante mesmo, numa análise do novo governo, chegar-se à conclusão “tudo como dantes no quartel…”

O brasileiro não precisa nem está interessado em saber, por exemplo, qual o time de futebol de preferência do presidente da República, de um ou outro ministro, ou de um governador de Estado, qual sua iguaria preferida, que culto religioso cada um professa, se preferem samba ou tango, qual a cor do vestido da primeira-dama; quer saber, isto sim, que providências estão tomando ou vão tomar para reduzir o preço do feijão, do arroz, da carne, dos medicamentos, a mensalidade escolar, a tarifa do ônibus, do metrô…, para reduzir os impostos sobre automóveis, motocicletas, bicicletas, triciclos, carrinhos de bebê, skate…, para elevar o de cigarros, charutos, vinhos, wiskeis, cachaças e assemelhados, inclusive importados…

E sobre os governadores que vão tomar posse o que dizer, além de “parabéns, vocês se desempenharam muito bem nas promessas de pré-eleição”? Só: “Agora tratem de cumprir as promessas que fizeram, mesmo sabendo que não seria fácil, ou até impossível, cumpri-las”.

Passado o primeiro turno vieram os acordos para apoio a este ou aquele candidato. Durante um mês, enquanto alguns derrotados para a Presidência da República mostravam simpatia por um dos finalistas, outros aguardavam negociações para tomar posição e liberavam correligionários para que fizessem suas escolhas. Na verdade era o velho toma-lá-dá-cá: “Eu lhe dou meus votos e, em caso de sua vitória, quantos ministérios, secretarias, departamentos, estatais etc. meu partido levará?” Ah, nada se cria, nada se perde; tudo se repete com a mudança dos personagens.

Restam do primeiro turno dois fatos de que será difícil esquecer. O primeiro foi a insistência de graduados da Justiça, eleitoral ou não, em afirmar que as eleições estavam transcorrendo com muito calma, sem tumulto, apesar de a televisão mostrar cenas deploráveis de confrontos. Quanto à calma, esta foi tanta que houve seção eleitoral onde a votação passou da meia-noite. Outro foi o amontoado de lixo nas proximidades dos locais de votação, santinhos em profusão distribuídos à vista de policiais, que pouco fizeram para coibir a prática criminosa.

Mais próximo do Dia D, veio o “você mente”; “não, o mentiroso é você”. Na verdade a grande mentira foi o que deveria ter sido um debate sério. Este é o resumo do primeiro confronto dos candidatos à Presidência da República que se apresentaram nos estúdios da Band antes do segundo turno das eleições. Pouco mais do que isso se pode extrair da cansativa conversa entre eles. Inegavelmente, mantiveram tratamento educado e amistoso, embora não cordial, as ofensas eram lançadas entre sorrisos, assimiladas e devolvidas igualmente em tom até carinhoso. Tratavam-se como velhos amigos e até mão no ombro do oponente, de modo afetuoso e bem planejado, valeu. As falas se referiam mais ao que fizeram, ou não fizeram; pouco ou nada do que pretendiam fazer, além dos fantasiosos anúncios de metas inalcançáveis sequer a médio prazo anunciadas para enganar o povo. Esquetes se repetiam ou se superavam. Foi um espetáculo de fazer inveja aos Trapalhões e à Escolinha do Professor Raimundo em seus melhores momento. Carequinha teria se fartado de rir. Mas cada “piada” tinha conteúdo muito pesado de maldade, e em meio ao palavreado ameno e comportamento sereno os olhos chispavam e do canto das bocas notava-se escorrer discretamente a seiva do ódio.

Será que essa pantomima ajudou os eleitores indecisos?