Viva a democracia, a gelada e o churrasquinho depois do voto

Todos às urnas, como impõe o dever cívico. A data aproxima-se, célere. Ainda ontem era carnaval; pouco antes Natal. Avançamos aos saltos: festas juninas, Dia dos Pais, o Sete de Setembro, e está às portas outubro, a nos convocar.

O cidadão comum pensa nas obrigações e compromissos do dia seguinte, prepara-se para a virada do mês – se o salário cobrirá as despesas até o dia 30; espera a virada do ano – festa de luzes e fartura, na medida do possível; preparou-se até para a virada do século, que já vai longe: afinal, 24 anos já se passaram. E não para de pensar na mega da virada.

E os parlamentares e governantes em que pensam e para que se preparam? Difícil saber no que pensam ou se pensam, mas é fácil saber para que se preparam: para a virada da legislatura. Não importa saber onde estão, dia, mês ou ano; o que importa é a data das próximas eleições, que promessas preparar para enganar os eleitores, que mentiras contar. E a próxima provável posse.

 Não há como contestar, o sofrido eleitor sabe que é assim, que a lei o obriga a votar (Que absurdo!) e a conduzir ou a reconduzir às estofadas cadeiras das câmara de vereadores e deputados, das assembleias legislativas e do Senado pessoas cujas verdadeiras intenções não conhece e certamente jamais conhecerá. Serão mais quatro anos (e até oito) de blábláblá, um votinho aqui, uma conversa fiada, ali, e o tempo vai passando, os altos pontos pingando na conta bancária. O falado decoro parlamentar, nem sempre. Na votação de projetos, algumas de cartas marcadas, o velho dito popular: farinha pouca, meu pirão primeiro. E vai seguindo a procissão.

É imprescindível homenagear amigos, os próprios parentes e os parentes dos amigos, homenagens que vão de simples menção honrosa, até quando não haja honra em que se apoiar, mas haverá sempre uma dividazinha monetária ou não, pequenos favores eleitorais a compensar. Algumas dessas sugestões chegam do Executivo através de seus líderes e suas bancadas. São casos em que o nome do defunto, vivo ou morto, já estará aprovado pelo plenário, em geral altamente comprometido com interesses excusos. Assim como cargos bem remunerados em gabinetes de parlamentares ou em outra qualquer repartição governamental são formalizadas também de modo cruzado homenagens, justas ou não, com votos simbólicos, de bancada, individuais, ou o que seja.

Desta forma por aí vão perpetuados em placas esmaltadas nas esquinas de ruas e praças nomes de ilustres desconhecidos, mas que passaram à história do bairro, vila, cidade… Mereceram? Discutível, conforme o critéro de avaliaçao de cada contribuinte. Certamente, não. Entraram na cota do quem dá mais.

O 3 de outubro desapareceu, não vale mais para a maior data cívica do país. As eleições que então se celebravam mantinham viva na memória do brasileiro a data em que o ex-ditador Getúio Vargas tomou posse como presidente eleito do país. Era justo resguardar a data? No mínimo discutível. Até que caiu. Era uma folga do trabalho, da escola… Só quem não tinha folga era a dona de casa, que votava bem cedinho e passava o restante do dia na cozinha preparando o acompanhamento do churrasco para o almoço da família e dos parentes que se reuniam. E verificando a temperatura da cerva. Hoje não há mais essa folga. Ao contrário, Suas Excelências decidiram fixar num domingo a data das eleições. Folga das obrigações por folga das obrigações parece uma simples compensação, mas não é. O eleitor perdeu o 3 de outubro, que foi para o espaço, e o domingo ficou dividido, considerando-se que a metade do dia seguiu o 3 de outubro e quase toda a outra metade ele perdeu na fila de votação, quer por problemas nas maquininhas, quer por falta de pessoal que o oriente.

Ministros e desembargadores entenderam que é melhor fatiar as eleições, quando a lógica indica um dia nacional de eleições gerais. É antieconômico promover vários pleitos. Não esquecer que mesários, presidentes de seções e servidores nesse nível trabalham de graça para a Justiça Eleitoral, da manhã ao fechamento das urnas, muitas vezes recebendo um sanduiche de mortadela pelo meio da tarde. Almoço? Que nada!

Temos aí a proposta de um pleito bairrista: em 6 de outubro serão eleitos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Nem presidente da República, nem senadores, nem deputados, federais, estaduais e/ou distritais. Isso fica para mais tarde. Seis de outubro será a data do primeiro turno em municípios com mais de 200 mil habitantes. Estará eleito prefeito o candidato que alcançar 50% dos votos válidos mais um. Se houver necessidade de segundo turno, somente os dois candidatos mais votados dele participarão. O provável segundo turno já está marcado para 27 de outubro. A propaganda eleitoral começará em 16 de agosto. Manifestações nesse sentido fora do prazo implicarão multa a candidatos e partidos políticos. O horário eleitoral na TV, que pouco nos esclarece sobre os candidatos e muito nos martiriza, será de 30 de agosto a 3 de outubro . Como sempre, haverá sorrisos congelados na telinha, impugnações de candidaturas e recursos.

Ainda assim, é preciso estar atento e feliz, não lastimar o desconforto nem manifestar desagrado, porque as eleições marcam toda a simbologia da democracia, a renovação do poder e de seus representantes. Pensando bem, é melhor um mau conjunto de deputados, senadores e vereadores, até de um mau governante, desde que tenham sido eleitos de forma democrática, do que a ameaça de um fuzil. Ah, Brasil, de rimas mil.