A vocação natural do ser humano de buscar entender sua própria estrutura e o mundo a sua volta, bem como a necessidade que sente de compreender sua relação com os demais seres, visando alcançar a paz e o bem-estar, trazem à luz, com admirável frequência, uma indagação que tem provocado reiteradas análises e estudos: como administrar a instabilidade dos próprios pensamentos, sentimentos e emoções sem perturbar os relacionamentos pessoais, sociais, profissionais ou de qualquer outra natureza?
Temos consciência de que as transformações de grande amplitude que caracterizam a sociedade atual vêm causando um impacto de proporções inéditas nas diversas formas de convívio e relacionamento. Dessa forma, as vinculações que se estabelecem entre os conteúdos internos ou pessoais e a qualidade das relações intersubjetivas remontam às origens do pensamento clássico. A sociabilidade não se estabelece em moldes padronizados; antes, reflete as múltiplas expressões do comportamento humano, em todas as épocas e em todas as culturas. Por outro lado, nos convívios mais próximos, mais íntimos, essa realidade também se verifica, surgindo daí a necessidade de aprimoramento pessoal para o estabelecimento de relações mais sólidas e dignas, quer na esfera particular, quer no âmbito coletivo.
Mais necessário que realçar a importância dessa questão é recuperar e ampliar o sentido de conceitos como conflito interno, paz interior e convívio, para que se possa compreendê-los em sua essência.
Dentre os equívocos, desvios e falhas que o ser humano comete invariavelmente ao longo de sua trajetória, aquele que traz as repercussões mais graves no tocante a sua estabilidade emocional é, sem dúvida, o distanciamento dele consigo próprio. Trata-se, em outras palavras, da inadequação da pessoa à realidade de sua situação, da desidentificação de seus pensamentos e sentimentos com sua atividade concreta, sua conduta.
O desalinho entre o que a pessoa idealiza em seu íntimo e o que ela efetivamente realiza dão causa ao surgimento de um mecanismo pernicioso e doentio, denominado, no campo da espiritualidade, de conflito interno. Vivendo em erro permanente quanto a si próprio, desprezando sua essência, seus atributos e potencialidades, a pessoa que vivencia o conflito interno porta-se como uma personagem de uma obra de ficção, criando um sistema de aparências que não tem, na realidade, a significação que se lhe atribui. Isto implica nos maiores desgastes em termos de convívio, dificultando sobremaneira a consolidação de laços de amizade e consideração.
Certamente, é de absoluta improdutividade pensar no desenvolvimento de uma personalidade positiva, coerente e livre de complexos sem o respectivo desenvolvimento da capacidade de introspecção, autoanálise e sobretudo reconhecimento da realidade espiritual que tudo interpenetra e sustenta. Há que reconhecer, contudo, que não é apenas legítimo, mas também necessário fortalecer e orientar, sempre que houver abertura, as pessoas que se autossabotam por ostentar personalidades conflituosas.
Qualquer menção ao papel da paz interior no estabelecimento de relacionamentos sadios e fecundos que corroborem a edificação de uma sociedade mais pacífica e fraterna é incompleta quando não se evidencia o fato de que essa paz interior é uma conquista pessoal, uma consequência da dedicação, da vontade de acertar, do esmero, do compromisso e do respeito próprio e para com os demais de forma ampla e abrangente.
A expressão enfática que orbita a paz interior traduz-se de forma inevitável em sentimentos que são subjetivamente autênticos e objetivamente elevados, que atestam maturidade por parte de quem já compreendeu que o fundamento da paz é a ausência de conflito. Efetivamente, isso significa que uma experiência rica em afetividade e respeito é possível toda vez que se compreende o próximo como uma extensão de si mesmo.
Sustentamos que a paz interior produz felicidade e esta, por sua própria natureza, tende a expandir-se, a comunicar-se. É impossível ser feliz sozinho, diz o poeta com expressiva sabedoria. O ser humano deve esforçar-se sempre e cada vez mais, no sentido de vivenciar momentos de plenitude e felicidade, consciente, porém, de que para isso é necessário superar suas contradições e dificuldades internas.
Em virtude de uma série de fatores e circunstâncias, o convívio representa um poderosíssimo recurso para a concentração e a ressonância de movimentos que permitem, por seu turno, o desenvolvimento dos atributos e faculdades espirituais. Como pode, por exemplo, se desenvolver a tolerância sem se conviver com as mais diferentes formas de pensamento e expressão que existem, inclusive, em nas famílias? Como refinar o amor dirigido ao próximo sem penetrar na fragilidade humana, tão perceptível em todas as camadas do extrato social?
O isolamento, embora sutil e imperceptível em um primeiro momento, produz um vazio afetivo que se preenche, na esmagadora maioria das vezes, com pensamentos e sentimentos inadequados. É precisamente contra essa possibilidade que todos devem se unir, e com essa união reafirmar uma vez mais o apreço pelas relações humanas.
A capacidade humana se manifesta na aptidão para promover transformações que se dão, sabemos nós, por meio da força de vontade. É esse recurso, ou melhor, esse atributo espiritual que permite ao ser humano superar suas aflições e dramas para conviver condignamente no seio da coletividade, construindo relações sinceras e duradouras. Os duros golpes desferidos pela materialidade contra a espiritualidade presente na essência do ser humano gera consequências imprevisíveis. A pessoa, inclinada naturalmente à transcendência, sente-se tolhida de discernir com lucidez e bom senso. A mentalidade materialista enseja uma personalidade tirânica, embora muitas vezes dissimulada, mas que reúne em si todos os inconvenientes para o estabelecimento da paz interior.
Todos os esforços devem convergir para a proposição de princípios e valores, conhecimentos e convicções que sirvam de sustentáculo a uma sociedade que eleve e dignifique cada vez mais o ser humano, proporcionando meios e recursos para seu aprimoramento em todos os níveis. Assim procedendo, as pessoas estarão trabalhando concretamente no sentido de neutralizar o individualismo, sem negar, contudo, a individualidade – uma conquista espiritual que se deve resguardar e valorizar.
Muito Obrigado!