“Eu não encontro meu lugar”: como o senso de propósito nos permite ver nosso lugar no mundo?

Se analisarmos detidamente os valores que dão suporte a uma experiência humana autêntica e enriquecedora, perceberemos que, nas mais diversas épocas e tradições culturais, há a imperiosa necessidade de que os seres humanos sejam pautados por algo que os oriente. Essa realidade, constatada pela simples observação dos fatos a que todos têm acesso, conduz a uma reflexão sobre a importância do senso de propósito. Este surge, por um lado, como uma necessidade natural de orientação, como instrumento garantidor da integração entre os agrupamentos humanos, com vistas à organização social. Por outro lado, há também a necessidade de um referencial, sem o qual o ser, no torvelinho da vida, sente-se desamparado e, por conseguinte, deslocado.

A retidão de caráter, o amor ao próximo, o respeito à espiritualidade, a valorização da família, o compromisso com a natureza e com os demais seres que a integram são sólidos referenciais que nos devem inspirar a todo instante. Representam um porto seguro, onde o ser humano pode encontrar-se consigo mesmo, com sua própria consciência, reconhecendo sua essência para, a partir daí, projetar-se condignamente na sociedade de que é parte. A esses conteúdos elencados, associam-se outros por afinidade de sentido; assim, desse conjunto harmonioso de valores, emerge a chave de interpretação de que o ser humano há de se utilizar para resolver os mais intricados problemas e desafios que a vida lhe apresente.

A verdadeira busca por soluções requer um amplo olhar sobre a realidade dos fatos, que não seja limitado pelos sentidos físicos, mas que alcance o intelecto, valorizando-se, acima de tudo, o espírito. Está implícito em toda vivência humana que, além do constante desafio de se equilibrar razão e emoção, há uma intensa necessidade de autoafirmação. O esclarecimento espiritual permite ajustar nosso senso de propósito às nossas necessidades de aprimoramento e, por consequência, orientar nossos objetivos e vocações de maneira elevada e digna, sem, contudo, renunciarmos a nossa identidade.

A fecundidade da vida humana, que é possível pela adoção de critérios espiritualistas, reflete o bom uso do livre-arbítrio, o qual, por sua vez, é condição para o estabelecimento de um roteiro existencial seguro, que permite que a pessoa avance na direção de sua felicidade sem desgastar-se desnecessariamente.

É falsa a ideia de que a liberdade se opõe à disciplina, à ordem, à hierarquia, à abertura aos valores ético-morais que constituem características da espiritualidade, precisamente porque a absorção voluntária desses conteúdos surge como consequência da liberdade. Em outras palavras, liberdade e autocontrole não se contradizem, mas se reforçam mutuamente. Com razão age quem repele o equívoco de pensar que uma vida livre e feliz seja aquela sem preocupações, sem compromisso, sem reflexões profundas, sem uma orientação, sem um propósito definido. Na maior parte das vezes, esconde-se nesse pensamento inadequado uma deplorável escravidão ao invés da liberdade, porque a escolha pela indolência, seja ela física ou mental, não liberta, mas aprisiona a pessoa na impotência, na mesquinhez e na tristeza.

A experiência humana, ainda que apresente, em alguns momentos, sofrimento e contrariedade, dor e abatimento, torna possível que não falte a rota ser humano que se encontra apoiado na nobreza de suas próprias qualidades e atributos, pois essa deverá lhe indicar um caminho seguro, informando os passos a seguir. Há que ressaltar que o livre-arbítrio significa uma possibilidade contínua de construção de uma considerável parte da realidade que nos envolve, caindo por terra a tese esdrúxula de um determinismo estático, de origem divinal, que impede o ser humano de assumir o protagonismo de sua própria existência.

O estabelecimento de um senso de propósito e o esclarecimento espiritual não são, necessariamente, fases de um mesmo processo, mas constituem aspectos correlatos, desde que os propósitos e metas redundem na prática constante do bem, no auxílio efetivo a nossos semelhantes. Toda ação da pessoa consciente de sua essência espiritual deve tender não à vaidade de buscar um lugar em que sua personalidade se destaque, mas à ciência de que, independentemente do lugar em que a vida a coloque, é ali que ela deve exteriorizar o que de melhor traz em seu âmago.

Para a superação dos desafios que a vida lhe apresenta, o ser humano precisa de uma visão ampla, compreensiva e ordenada da realidade que o cerca, que é muito mais vasta do que as imposições sociais, as notícias da mídia, os convencionalismos transitórios. Requer-se da pessoa um certo senso prático no viver, sem inventar teorias ou métodos revolucionários, metas fantasiosas e sonhos que nunca se materializam. Quando desenvolvemos a firme convicção de nosso valor, abolimos de nossa existência o intelectualismo vulgar, as discussões estéreis, as ilusões falaciosas, a ação titubeante e a infantilidade psíquica.

A pessoa convicta impõe-se pela firmeza de seus atos e pela dignidade de suas deliberações, adquirindo paulatinamente maior perspicácia, libertando-se da ingenuidade de querer buscar seu espaço na sociedade sem antes encontrar-se consigo mesma, no íntimo de seu ser. O ser humano convicto de sua força interior aprendeu, graças a seu esforço e dedicação, o imenso valor da autoanálise, e deu-se conta da explosão de saberes que brota espontânea do processo do esclarecimento espiritual.

As maiores tensões fazem parte da rotina das pessoas que projetam sua autoafirmação no reconhecimento social, fazendo que sua felicidade dependa de aspectos externos e não da paz interior, a qual não pleiteia a aprovação de terceiros, mas a consciência de dever cumprido. Quanto ao cumprimento do dever, ele não se deve limitar à quitação de dívidas, à boa-fé objetiva ou à lisura dos contratos, mas deve encontrar, antes de mais nada, sua dimensão subjetiva. O cumprimento dos deveres deve iniciar-se na esfera pessoal. A pessoa tem o dever de respeitar-se, tolerar-se e amar-se. Sem aceitar a si mesma, terá enormes dificuldades de adaptação nos meios em que vive. Como exigir dos outros aquilo a que não nos permitimos?

A dimensão subjetiva do cumprimento das obrigações deve ter ascendência sobre a dimensão objetiva, pois é deveras mais relevante. A consciência da transitoriedade dos aspectos exteriores da vida isenta a pessoa espiritualmente esclarecida de viver em um estado de constante preocupação e angústia. Os ideais expressos em sua conduta reforçam o empenho de autoaceitação e, por conseguinte, de tolerância e respeito para com o próximo, que é, em primeiro lugar, a família biológica, mas que inclui também aquela a que estamos ligados por vínculos que ultrapassam os convencionalismos, que é a família humana.

A questão de nosso posicionamento no que tange ao espaço que ocupamos no contexto social é das mais complexas e alia as intenções que nutrimos em nosso psiquismo à importância de sua repercussão concreta. Há aí um ponto fundamental que necessita de reflexão e amadurecimento, impondo-se diante da responsabilidade de nossa consciência. Claro é que a cada um está reservado o papel intransferível de autodeterminar-se, que consiste no arbítrio de fixar a vontade na ação desejada, o que significa que ninguém pode escolher por nós.

O cenário histórico em que transita a humanidade está marcado pela crise. Nessa perspectiva, onde a ausência de referenciais é constantemente experimentada, entendemos por que muitas pessoas se angustiam por não encontrar seu lugar neste mundo. Por isso destacamos a necessidade de referência, de senso de propósito. Não discutimos que a tese que coloca os valores existenciais em permanente dinamismo seja, em parte, verdadeira. Sem dúvida, é inegável que o relativismo tem muitas aplicações, devido à pluralidade de entendimentos e conhecimentos existentes na humanidade. Porém, quando o relativismo alcança os domínios da espiritualidade, o resultado é desastroso. A pessoa que, influenciada pelo materialismo absorvente, imagina ser viável adaptar a espiritualidade a sua vontade egoística acaba por descambar, invariavelmente, no terreno da ilusão e do reducionismo.

Da mesma forma que a pessoa deve compreender suas limitações, deve também despertar a consciência de que não há separação entre os autênticos conteúdos da espiritualidade e as mais diversas atividades humanas. Com isso, queremos afirmar que onde quer que o ser humano tenha de desempenhar suas funções (seja na família, no mundo corporativo, na política, na arte, na economia etc.), deve sempre ter como roteiro e meta a defesa de sua própria liberdade, que repousa na atitude digna e honrada.

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