Nesta reflexão, para o desenvolvimento do tema do discernimento de forma ampliada e abrangente, procuraremos lançar mão dos princípios filosófico-espiritualistas divulgados e defendidos pelo Racionalismo Cristão e que se encontram expressados ao longo de sua obra essencial e as demais que a desdobram, cuja centralidade do aspecto transcendente, em vista da construção de um humanismo autêntico, é repetidamente destacada.
O intuito genérico de nossa pesquisa será demonstrar, a partir de uma visão transcendente, que o discernimento é fundamental para a experiência cotidiana, pois não há quem não tenha de tomar decisões de forma constante e reiterada. É a partir das decisões acertadas, fruto do bom discernimento, que se busca uma referência sólida, um sentido para vida; as escolhas bem feitas permitem que o equilíbrio se propague para todos os âmbitos da vida, promovendo opções cada vez mais felizes e menos traumáticas.
Os seres humanos são sempre chamados a fazer escolhas, a tomar decisões, enfim, a discernir. A ação de escolher, de decidir, de distinguir é própria do ser humano, faz parte de sua constituição. Se pararmos e refletirmos, será fácil perceber que, de modo geral, somos aquilo que queremos ser, aquilo que escolhemos para nós. É certo também que, quanto maior a dificuldade em que o ser humano está, tanto maior é a necessidade de tomar decisões para retomar o equilíbrio.
Dessa forma, se compreendermos realmente que o ser humano se configura de acordo com o que escolhe para si, que ele é, de certo ponto de vista, produto de suas decisões, é prudente e racional que não desprezemos tal poder de decisão, que não subestimemos ou desconsideremos a faculdade que nos distingue dos demais seres: o livre-arbítrio.
Sem penetrar no campo da espiritualidade, o conceito de discernimento, influenciado pela cultura atual, permanece confinado em um âmbito muito reduzido e limitado. Sem dúvida, a vida se desenrola entre decisões e deliberações, mas isso nem sempre acontece em clima de discernimento; este é deveras mais profundo e elaborado do que a mera tomada de decisão, requerendo, antes de tudo, responsabilidade e visão de futuro.
Infelizmente, embora todos almejem a verdade, nem todos se consagram a ela. Muitos deixam-se reter pelas ilusões e devaneios, pelo ócio, pelo imediatismo interesseiro, pela praticidade e monotonia do cotidiano; são dominados pela preguiça, pelo desleixo; fogem aos incômodos do estudar, do aprender e do pensar; trocam, no mais das vezes, a certeza pela conjectura e insistem em permanecer na cômoda rede escravizadora do desconhecimento da realidade da vida, ou seja, o seu aspecto transcendente.
O ser humano que pretende amadurecer espiritual e moralmente não pode pôr de lado o senso crítico, renunciar a sua característica para seguir as inclinações e apelos da matéria. Embora muitas vezes se veja impelido pela força de determinados instintos e influenciado pelas solicitações de homens perversos a enveredar por um caminho de indignidades, deve esforçar-se ao máximo na busca das virtudes e na aquisição da sensatez, sem a qual pode sucumbir no oceano de informações e ruídos dissonantes no qual se encontra imerso.
Assim, a pessoa que busca o discernimento necessário para, em meio à torrente de noções que recebe, filtrar e absorver com mais intensidade somente aquilo que é útil ao desenvolvimento humano é a que se propõe como objetivos fundamentais a aquisição de conhecimentos legítimos e a prática efetiva e desinteressada do bem.
Para alcançar tal objetivo, contudo, é imprescindível que o ser humano amplie seu olhar e se deixe penetrar pelos valores da espiritualidade. Não se deve preocupar exclusivamente em criar instrumentos de filtragem e seleção de informações, mas preparar-se internamente para trilhar o caminho que o leva à plenitude. Ao notar que sua percepção está embaçada e não conseguir distinguir com clareza a luz que procede de seu próprio interior, eis o momento de afastar os obstáculos. É ocasião de fazer, com especial atenção, um exame de consciência, melhorando a qualidade de seus pensamentos e sentimentos para que as intuições e inspirações surjam puras e espontâneas, de modo a auxiliá-lo em sua trajetória. O exame de consciência a que nos referimos, além de sincero, deve ser profundo, indo até as raízes das atitudes, até os mecanismos que estimulam as ações.
Quando o ser humano renuncia a sua liberdade no sentido de poder fazer algo de útil em prol de si mesmo e do próximo, desconecta-se de sua própria essência; todos podem ter atitudes mais significativas e profundas na medida em que assumem um posicionamento mais integrador perante a vida, discernindo adequadamente por meio do bom uso do livre-arbítrio. Certamente, em uma sociedade em que as pessoas se empenhem em fazer boas escolhas, reflexões equilibradas e éticas e se abram ao diálogo, serão mais saudáveis o meio-ambiente, a comunidade e as famílias.
Se a absorção e a vivência dos valores transcendentes da fraternidade e da solidariedade possibilitam uma vida feliz e produtiva, esta só poderá o ser humano assegurar na condição de viver harmônica e flexivelmente, isto é, adaptando-se às circunstâncias e fazendo opções sem se afastar de seus ideais.
É vencendo o egoísmo, a vaidade e a preguiça espiritual que o ser humano expande suas atitudes e aprende a discernir em benefício próprio e da coletividade. Certamente, nulo será o fruto colhido por aqueles que, no momento de fazer escolhas, consideram unicamente os aspectos materiais da existência, lançando-se afoitamente às questões que lhe são apresentadas, não tanto atraídos pelo valor da atitude diligente e eficaz, quanto pela mesquinhez e pela ilusão de se ver livre do problema.
Apontamos, enfim, que nenhuma escolha saudável deve ser considerada como tal se não contemplar a expansão do bem e a aquisição das virtudes, o que se alcança com honestidade de propósitos, retidão de caráter, elevação, prudência, tolerância, amor à verdade e ao próximo, como nos ensina o Racionalismo Cristão.
Muito Obrigado!