Propomo-nos hoje a falar sobre a sociedade, pensando-a não somente como um agrupamento de pessoas, mas também como a articulação de um conjunto de fatores e situações que harmonizam inúmeros vetores por meio de uma lógica que ultrapassa a compreensão materialista, existente para o aprimoramento do gênero humano. Utilizar-nos-emos de uma linha de análise transcendente e integradora. Nesse passo, não nos interessa discutir a sociedade a partir de perspectivas fragmentadas – sociedade agrária, sociedade industrial, sociedade tecnológica, sociedade do conhecimento etc.
Não há dúvida de que a história da sociedade é patrimônio imaterial dos povos, razão pela qual reafirmamos a validade da observação espiritualista. Os seres humanos não vivem isolados uns dos outros; formam antes vínculos intrapessoais em diversas escalas, como nas famílias, nas organizações e nas nações. É significativo ouvir na atualidade a expressão “aldeia global” para referir-se a toda a humanidade como uma comunidade. Procuraremos Demonstrar nesta reflexão que os sensos de fraternidade e complementariedade são fundamentais para a construção de uma sociedade mais colaborativa e autenticamente conectada.
Algumas pessoas argumentam que toda a sociedade produz uma espécie de conformismo, obrigando os seres humanos a moldar seus comportamentos ao que é ditado pelas normas, leis e costumes. Isso lhes limitaria de maneira acentuada a originalidade, a espontaneidade e a criatividade. Tal concepção, embora não seja totalmente equivocada, é reducionista e superficial, posto que a sociedade não se estrutura de maneira uniforme, tendo como referência máxima a normatividade. Suas regras tampouco têm como único fundamento o argumento da tradição; outros fatores há que devem ser considerados.
O que nos parece ser o maior empecilho para que a sociedade se desenvolva de forma mais acentuada e célere, tornando-se mais equânime e pacífica, é a intensa difusão de ideologias e conceitos que negam a dimensão transcendente do ser humano, fomentando, por conseguinte, o consumismo e o pragmatismo.
A sociedade, quando analisada pelo prisma ampliador da espiritualidade difundida pelo Racionalismo Cristão, se nos apresenta como um organismo vivo e dinâmico, que se nutre de inovações e se fortalece pelo aperfeiçoamento ético de seus membros. Há que compreender que as leis e normas que organizam o convívio social são resultado da ação humana proveniente da racionalidade, e não uma imposição mecânica e cega. Dizia o filósofo Espinosa: “Os homens, enquanto vivem sob a conduta da Razão, são o que há de mais útil ao [próprio] homem” (Ética, 1677).
O convívio entre pessoas que espontaneamente se amam e os movimentos que promovem a paz e a fraternidade são a melhor refutação das ideias mesquinhas e distorcidas acerca da sociedade. Demonstram que ela existe para suprir uma necessidade humana, pois somos interdependentes.
O progresso tecnológico tem superado, na atualidade, fronteiras surpreendentes, influenciando diversos aspectos do convívio humano. Uma análise ideológica ou particularizada dessa realidade poderá supor que o enorme desenvolvimento tecnológico fomenta o consumismo e, por conseguinte, o cerceamento da liberdade humana, criando uma sociedade de massa. Demonstraremos em seguida que não é bem assim.
Por um lado, todo ser humano é único, pois possui características próprias – é nisso que consiste seu valor e dignidade. Por outro lado, a tecnologia, entre inúmeros outros benefícios, tem ampliado as possibilidades de interação social. Vejamos um exemplo. Em meio ao isolamento social vivido durante a recente pandemia de covid-19, tecnologias que muitos desconheciam ou até mesmo nunca haviam imaginado têm sido de grande valia. O louvável esforço de adaptação à nova realidade reafirma, de certa forma, a certeza de que a sociedade está em constante processo de adaptação e renovação, rejeitando todo sistema de regras impositivas que pretendem uma unidade de comportamento.
Desfeitos os argumentos materialistas acerca da sociedade e contemplando o pluralismo cultural que nos cerca, é fácil chegar à conclusão de que, como membros do tecido social, devemos ter sobre ele uma influência sempre positiva. E como o fazemos? Abrindo-nos para a espiritualidade, colhendo suas lições, vivenciando seus princípios e rejeitando tudo aquilo que dificulta o crescimento moral, quer da pessoa, quer da coletividade. Tudo o que é contrário ao bem-estar individual é logicamente contrário ao bem-estar social. O que não queremos para nós não devemos desejar para os outros – eis um lema profundo e simples, como tudo o que é belo e sublime.
Muito Obrigado!