Um dos assuntos com que deparamos nas obras dos quatro grandes filósofos muçulmanos (a saber, Al-Kindi (801-872), Al-Farábi (870-950), Avicena (980-1037) e Averróis (1126-1198) diz respeito à natureza, tema em que este último se colocaria em contraposição ao penúltimo.
Com efeito, para Avicena, uma inteligência superior e externa à natureza cria as coisas. Averróis, ao contrário, defende a tese da geração unívoca. Ou seja, a matéria recebe sua forma por meio de outra preexistente. O ser humano, exemplifica Averróis, dá existência ao ser humano.
Assim, pretendeu ele negar a necessidade de recorrer, como fizera Avicena, a algo exterior à natureza para explicar a existência desse “mundo natural” ou, noutras palavras, para explicar a existência das inúmeras coisas desse infinito mundo.
Dissensão. A questão de como o intelecto humano apreende a realidade seria outra causa de dissensão entre Averróis e seus antecessores, pois ele não concordaria com a tese de um intelecto ativo – segundo a qual a inteligência seria idêntica às coisas inteligíveis que ela pensa – e conceberia então a figura do intelecto passivo.
O intelecto do homem (ou da mulher), “que é passivo”, recebe, de acordo com o filósofo, a emanação de um intelecto eterno. Mas isso se dá apenas enquanto o ser humano vive. Quando ele morre, seu intelecto passivo também deixa de existir. “O eterno, evidentemente, continua existindo.”
Verdade única. Segundo Averróis, para alcançar a “verdade única” o ser humano cumpre um percurso evolutivo de três níveis. Esses três níveis, sucessivos e hierarquizados, são a religião, a teologia e a filosofia.
“A religião é o nível inferior, acessível ao vulgo”. Por isso, utiliza, em assuntos relativos à “divindade”, ao mundo e às obrigações humanas para com “Deus”, uma linguagem de caráter mítico e poético. Têm acesso ao nível intermediário – a teologia – “as pessoas cuja inteligência é superior à do vulgo, mas inferior à dos indivíduos do nível da filosofia”. Servem-se, os da teologia, do “raciocínio provável ou dialético”. No que concerne ao mito religioso, conseguem dar ao tema “uma estrutura argumentativa, mas não científica”.
O nível supremo é a filosofia, proclama o filósofo Averróis. É acessível a uma minoria de inteligências cientificamente capacitadas a conhecer o “ser divino, Deus”, e sua relação com o mundo e o homem, sob a forma do “silogismo demonstrativo e científico”.
Motor Imóvel. Para Averróis e para seu mestre, Aristóteles, o Universo “compõe-se de um Motor Imóvel e Eterno” ( “Deus”); o outro componente, movido por ele, é a Matéria Universal, que também é eterna, pois, como “Deus”, não foi criada nem terá fim.
A propósito do parágrafo acima, veja-se o que afirma o Racionalismo Cristão, nossa querida e esclarecedora filosofia espiritualista, codificada por Luiz de Mattos, no Brasil, nos alvores do século XX, cerca de sete séculos depois de Averróis:
“Força e Matéria são os dois únicos princípios fundamentais de que se compõe o Universo. A Força é o agente ativo, inteligente, transformador; a Matéria é o elemento passivo, inerte, plasmável. Ambos, em sua forma original, indivisível, fundamental, imponderável, penetram todos os corpos, estendendo-se pelo espaço universal, infinito.”