No campo da política externa, seleto grupo de analistas hoje apresenta ao mundo (sobretudo aos Estados Unidos) três dilemas geopolíticos fundamentais que dominariam o século XXI: um realinhamento caótico no Oriente Médio, a superpotência chinesa em expansionismo, o beco sem saída dos migrantes e do narcotráfico no México.
México (111 milhões de habitantes) e América Central (40 milhões) constituem uma área demográfica de relações emaranhadas com o vizinho do norte, ao redor do Caribe. Em 2050, segundo projeções, um terço da população norte-americana será de hispanófonos. Os mexicanos preferem emigrar para áreas que já foram sua própria terra, antes da anexação ao fim da guerra com os Estados Unidos, em 1848. Diz o analista geopolítico Robert D. Kaplan: “A obstrução da fronteira sudoeste dos Estados Unidos está tornando-se um fato geográfico, que nem todos os dispositivos de segurança da fronteira concreta serão capazes de anular”.
Em novembro, o Departamento de Estado mobilizou 5.200 soldados para a fronteira, para conter a “caravana de invasão”, procedente da América Central. Logo, ampliava-se o muro de arame farpado, a “passadeira”, que Trump pretende aumentar até dez, 15, 24 metros de altura, uma barreira ecológica com painéis solares, de laser ou cimento. Já responderam ao chamado de ofertas do Department of Homeland Security nada menos que 400 empresas.
Enquanto isso, fluem mais e mais bilhões de dólares para a militarização da fronteira, agora com parafernália de alta tecnologia: drones franceses Parrot, postos avançados de empresas israelenses, detetores sísmicos. O que, para muitos americanos, torna ridículo o pretenso muro de Trump, já que o cenário é familiar há 30 anos: além de traficantes de drogas e ilegais, refugiados das guerras civis na Guatemala e El Salvador, do crime organizado, de desastres naturais, do desejo de unir-se a parentes…
Nada marcha. O Congresso tarda nas decisões. Os estados democratas ameaçam boicotar as empresas fãs do muro. Por fim, o México acena, desde abril, com recurso jurídico: um tratado de 1970, que lhe permite adotar medidas para frear a livre circulação das águas entre os dois países. O atual presidente Andrés Manuel López Obrador, o único de esquerda eleito em quatro pleitos presidenciais no continente, este ano, alardeia-se já líder da “quarta transformação do México”.
O trunfo da Turquia. A água – ou o controle da água – é, também, um trunfo nas veleidades da Turquia de liderar o mundo muçulmano. Tudo começa com a mudança política no país, desde a eleição de Recep Tayyip Erdogan à presidência, em 2014. Diz relatório da Rand Corporation: desde então, Erdogan (premier por dez anos) afasta-se do celebrado secularismo dos tempos de Atatürk, nos primórdios do século XX, e abraça a postura iraniana e russa antiocidental, e de apoio à integridade territorial da Síria, a bem do interesse próprio. Uma percepção pessoal de liderança.
Nas últimas décadas, as potências regionais (Irã, Iraque, Israel, Arábia Saudita e Turquia) disputaram verdadeira competição para arrogar-se poder ante o cenário de intervenções – russa, britânica, norte-americana. Até data recente, Estados Unidos e seus aliados ali – Israel, a maioria dos países do Golfo e Turquia – alinhavam-se contra o Irã. Mas fatores regionais e internacionais deram a virada: agora a Turquia torna-se um pivô estratégico, ao voltar-se ao Irã e Rússia. Ou seja, contrabalançar o lado americano-sírio-saudita. Outro fator que contribui para a ‘amizade’ turca com Irã e Rússia é a preocupação com os curdos. Um bloco mais coerente que o dos Estados Unidos, Síria, Arábia Saudita e Israel – observa a Rand.
Segundo Kaplan, o perfil político que a Turquia vem adotando ajusta-se à perfeição ao contexto da nova realidade geográfica do país: o Projeto do Sudeste da Anatólia, cuja peça central é a represa Atatürk, perto da fronteira síria. Todo o sistema de represas do Rio Eufrates, construído ao longo dos anos 1990, tende a tornar a Turquia, neste século XXI, uma potência bem mais relevante no Oriente Médio árabe.
Outro megaprojeto toma forma, agora com a Alemanha, que conseguiu afastar os chineses e marcar tento político e financeiro: a modernização da rede ferroviária turca, por um consórcio liderado pela Siemens, orçado em 35 bilhões de euros (Der Spiegel, outubro 2018). Nas considerações, a ameaça de eventual colapso da lira turca, consequente bancarrota e nova onda de refugiados para a Europa.
A Rússia também muda a postura para ter com o Irã uma parceria mais prolongada. Defende o diálogo nuclear. Ao contrário do presidente norte-americano Donald Trump, em sua nova abordagem de conter o Irã e aliar-se incondicionalmente a Israel.
Soft power. Porque distantes, América Latina e Caribe ainda são tidos de importância menor para a China, em relação às demais regiões. Pensa em conhecer-lhes a cultura, marcada pelo imperialismo norte-americano, bem como disseminar a própria, através dos Institutos Confucius. Apregoa cooperação. Por terra, mar e ar, literalmente. Investimentos e créditos voltam-se à infraestrutura, energia e recursos, agricultura, manufaturas, telecomunicações, inovação científica e tecnológica. Importa à China que lhe reconheçam legitimidade política, seja qual for o governo ou ideologia. Com cautela: é um continente de instabilidade política e vizinhança com os Estados Unidos.
Países em crise política ou financeira (Bolívia, Equador, e principalmente Venezuela) dão as boas-vindas. Mas seria o Brasil o grande parceiro do futuro próximo, ao lado de Venezuela e Argentina. Em palestra recente em São Paulo, o expert norte-americano Evan Ellis informa: Pequim investiu US$113 bilhões no continente, desde 2001. Para o Brasil, a fatia maior: 48,2% do total, e há mais para os próximos anos. Ao mesmo tempo, cria bancos internacionais. A meta é tornar a moeda nacional, o renminbi, divisa internacional. Contudo, as atividades econômicas chinesas ainda recebem olhares suspeitosos. Inclusive do Brasil, temendo a compra de terras.
Um cinturão, uma rota é a fusão do Cinturão Econômico da Rota da Seda e da Rota da Seda Marítima do Século XXI, comunidade a ser plena nos próximos 30 anos, conectada num cadeia coordenada – política, transporte, comércio e investimento, finanças. Envolve Ásia central e sul asiático, Oriente Médio, África e Europa.
Na vizinhança próxima, a prioridade chinesa, o sonho do Pacífico asiático, seguro e próspero, livre de influência externa. Berço dos parceiros comerciais mais relevantes. Já a Oceania ganha em localização estratégica e recursos naturais. É também prioridade a Ásia central, por conta do engajamento com as repúblicas independentes da era pós-soviética. E o acesso ao mar Cáspio. Chegamos ao sul da Ásia – esta, sim, região chave: de expansão, influência, envolvimento. Primeiro, mitigar ameaças regionais, sobretudo quanto ao nacionalismo uigur (atiçado pelo Paquistão e Afeganistão), mas, principalmente, ofuscar a Índia, em seu crescimento econômico.
No Oriente Médio, além do óbvio (acesso ao petróleo), o poder da diplomacia reflete-se nas relações cordiais com todos os países, sobretudo Irã e Arábia Saudita. Adiante, a África: esfera de influência, fonte de recursos naturais (petróleo e gás), mercados de exportação para manufaturas, mão de obra barata. As relações diplomáticas englobam 51 dos 54 países africanos.
Por ora, o país está no auge de seu poder continental. Kaplan acha que o mapa chinês do século XXI continua incompleto. Faltaria a Mongólia, depois de absorvidos o Tibete, Macau e Hong Kong. As águas do Rio Amarelo brotam das neves do Tibete e, em parte de seu trajeto, corre junto às estepes mongólicas. Calcula-se que, em 2030, a China estará 25% aquém de sua capacidade de suprir sua demanda de água. De resto, são áreas de subsolo petrolífero, de gás natural e cobre.