À medida que o mundo multipolar vai saindo da concha, afloram as muitas globalizações – termo dos analistas e pesquisadores Peter L. Berger e Samuel P. Huntington – como modernidades alternativas. Caminha o pluralismo para a consolidação? A modernização de Berger vem em pacotes, como ele mesmo diz, expondo um desafio contínuo do pluralismo em nível cultural: “a derrubada de tradições consolidadas e a abertura para múltiplas possibilidades de crenças, valores e estilos de vida”. O desafio implica também maior liberdade individual e coletiva, tanto no popular quanto nas elites. Outras forças globalizantes, atuantes, incluem as religiões.
Tema central dos séculos XIX e XX, avança neste século XXI, com interpretações provocantes das Consequências da Modernidade (Anthony Giddens, Unesp, 1991) e diagnóstico crítico da pós-modernidade (Alex Callinicos, Britannica), ante reflexões sombrias de Zygmunt Bauman sobre o que chama contingentes de refugo humano à margem da ordem e do progresso. Nessa copiosa exposição, Tudo que é sólido desmancha no ar revela, ainda, o mergulho de Marshall Berman na aventura da modernidade. Obra densa – literária, histórica, política –, que apresenta como ensaio, nela tenta definir um espaço de confluência do pensamento de Marx e da tradição modernista, ambos crivados de contradições. O modernismo seria o realismo dos tempos atuais, um caldeirão social “que vem esquentando e fervendo há mais de cem anos”. Concede: a modernização tem vários e diferentes caminhos, basta mapeá-los
Profundas mudanças. O inacabado debate sem fim sobre o significado da modernidade e pós-modernidade passa pelo desejo de remover tudo o que vinha antes; esquecer o passado para criar um presente, por exemplo, de cidades modernizadas e inteligentes; tentar recuperar modos de vida enterrados, mas não mortos; reabilitar a história e dialogar com os fantasmas. Com o universo da pós-modernidade buscando caminhos, Giddens leva sua análise para as descontinuidades do desenvolvimento social. Segurança e perigo, confiança e risco estão em jogo. Contudo, a par das grandes oportunidades há um lado sombrio, muito aparente desde o século XX: as forças de produção destrutivas do meio ambiente material, o uso consolidado do poder político – arbitrário, totalitário, militar, ideológico.
A análise de Giddens deixa entrever também uma nova agenda social e política, com proeminência de preocupações ecológicas e, talvez, de movimentos sociais. Uma pós-modernidade identificada com “o que já chegou a significar – a substituição do capitalismo pelo socialismo”. Semelhante o pensamento de Ernesto Laclau e Chantal Mouffle (Hegemonia e Estratégia Socialista), quando se referem aos novos movimentos sociais – novos porquanto não classistas, como no marxismo, mas agrupando lutas tão diversificadas quanto as “urbanas, ecológicas, antiautoritárias, anti-institucionais, feministas, antirracistas, étnicas, regionais, das minorias sexuais”. Os direitos sociais, fatores em xeque, passariam ao discurso democrático, ou seja, uma expansão do conflito social, “um momento de aprofundamento da revolução democrática”.
Crítico por excelência do pós-modernismo, Callinicos insinua que o bravo novo mundo produzido pela globalização, como a conhecemos, é desmoralizante e depressivo, mas nem por isso original ou novo. Tal como a ideia de uma sociedade pós-industrial, resultado da experiência do capitalismo globalizado sem fronteiras. Por assim dizer, uma transformação estética (literatura, pintura, artes plásticas, arquitetura) e a revolução social.
Cientista político e autor, Sérgio Abranches (Jornal da Democracia, junho 2022) prefere centrar seu raciocínio em termos de ‘metamorfose social’, lamentando a democracia em descrédito. Por que metamorfose? Bem, o termo admite “uma transformação mais radical, em que o velho não é mais reconhecido no novo”. Gera emoções: medo, insegurança, risco, indignação, revolta. Emoções que permitem a manipulação.
Incertezas. No bojo dessa revolução estrutural, as forças contemporâneas assanham-se. O mundo digital – e como importa! –, informação na sociedade em rede, mudança climática. Um mix em confluência. Ninguém sabe o desfecho do processo. Mas sempre há escolhas. Entre a derrota ou a vitória das forças autoritárias, entre o colapso e a transformação. Que ações levarão à virada que desequilibra o jogo de forças para o lado emergente? Essas as indagações de Abranches. Empunha a mesma bandeira o autor Bernardo Sorj, em Identidade e Crise das Democracias [www.plataformademocratica.org]: “Os valores da modernidade, sem desmerecer outras formas de vida, implicam a defesa de um mundo que permite falar de ‘construções sociais da realidade’ perante outras versões político-culturais que negam a convivência com o pluralismo, a diversidade e a liberdade individual”. A transição, acredita, será marcada por grupos progressistas e grupos reacionários.
Parece. Há exemplos próximos e atuais: o conflito entre o Supremo Tribunal e o Executivo, nos Estados Unidos e no Brasil, cada qual com suas facetas inerentes. Deste, cedo à mídia brasileira esclarecer o povo. Quanto ao primeiro, registro uma reação abalizada, do autor e financista democrata George Soros (Project Syndicate, 10 de julho). Fala de americanos alarmados com o extremismo do Supremo. Projeta: a democracia está em risco. Menciona fatos internos e externos “vagamente interconectados”, tais como o Supremo americano dominado pela extrema direita e os Estados Unidos ameaçados por regimes repressivos “que querem impor ao mundo uma forma de governo autocrático”.
Remetendo à reunião dos BRICs, em junho, creditamos o esforço da China e da Rússia para conquistar os emergentes, e quaisquer que sejam. Este ano promete, é um ano de muitas eleições e decisões. “La nave va” – sentencia Sorj.