Os seres humanos, em geral, não possuindo a clarividência necessária para compreender a felicidade em toda sua totalidade, persuadidos, porém, de que ela existe, porque a experimentam em diversos momentos da vida, buscam formas de estender, para o maior tempo possível, os momentos felizes e agradáveis. Muito legítima é tal aspiração, e, sensibilizados por ela, procuraremos abordar o tema sob a ótica da espiritualidade defendida pelo Racionalismo Cristão.
Nem todas as pessoas compreendem a felicidade do mesmo modo. Há os que pensam que se trata de algo diretamente relacionado com o prazer, a riqueza ou o sucesso. Algumas dessas pessoas também a percebem como a satisfação de uma necessidade, de modo que, para o ser humano que está doente, a felicidade seria a saúde; para a pessoa que está triste, a alegria; e assim por diante. Para o racionalista cristão, porém, à parte a saúde e a alegria – que são muito úteis e importantes –, existe outro bem que é sublime, revigorante, elevado e, ao mesmo tempo, a própria razão da felicidade: a consciência tranquila, que não se alcança, diga-se já, sem o cultivo das virtudes. Esse é o conceito de felicidade que defendemos, e por ser tão real e concreto, não cabe em nosso espírito, nem dos que nos ouvem, a pergunta: “A felicidade existe?” Estamos convictos da sua existência.
A felicidade, analisada por meio da visão ampliada da espiritualidade divulgada pelo Racionalismo Cristão, apresenta-se intimamente relacionada com o aprimoramento das virtudes. Seria infrutífero examinar pormenorizadamente afirmações que insistem em desqualificar a ideia de felicidade argumentando que se trata de uma quimera ou de uma utopia, de algo inalcançável e inatingível para o ser humano; consideramos essas teses arbitrárias, contraditórias e, sobretudo, equivocadas.
É inquestionável que a busca da felicidade implica em profundas transformações no viver humano. Historicamente árduo e desafiador, o processo de amadurecimento ético da pessoa por meio do cultivo das virtudes, embora solicite cuidados e não seja isento de dissabores, sempre se traduziu em incomensurável benefício espiritual, acentuado estímulo à prática do bem e considerável progresso no campo moral.
Poderíamos mesmo indagar: o que há de mais belo e de mais útil do que cultivar o hábito de aprimorar nossos pensamentos e ações, de afastar-nos de toda tristeza e rancor que estimulam em nós um sentimento contrário à felicidade? Cada um terá uma resposta. Respeitamos todas. Cremos, contudo, que a felicidade se mostra presente nesse virtuoso processo de revisão de conceitos, tomadas de decisões e aprimoramento ético, que constitui um dos mais valiosos exercícios para a alma.
A infelicidade patente observada em determinados grupos sociais, noticiada diariamente pelas mídias, tem raízes, muitas vezes, no desprezo ao cultivo das virtudes e no desamor à disciplina e ao trabalho. Há que considerar, todavia, que a felicidade não consiste, meramente, em livrar-se alguém de males e dificuldades, mas em reter as lições contidas em todos os revezes vivenciados.
Da leitura descontextualizada ou desatenta do viver, pode resultar o inadequado entendimento de que a vida neste planeta se resuma em uma contínua luta do bem contra o mal, em que as atitudes boas e más se equivalem e reverberam na mesma intensidade. Essa distorção da realidade gera um sentimento quase uníssono de insegurança e instabilidade emocional.
A beleza da vida, captada pelas pessoas sensíveis, convida a uma leitura mais otimista da realidade em seu entorno. As atitudes benfazejas, por sua capacidade aglutinadora e aguda consistência e beleza, superam enormemente as atitudes malévolas.
No conjunto da humanidade, a desventura e a lástima dos que agem mal não eliminam ou aniquilam a grandeza e a concórdia, a paz e a benquerença que resultam da existência de pessoas que livremente direcionam seus pensamentos e sua vontade para a prática do bem, mantendo o foco no respeito aos semelhantes e na conquista das virtudes.
Concordamos, nesse particular, com o escritor e estadista alemão Johann Wolfgang von Goethe, que, no prólogo de seu magnum opus, Fausto, lembra-nos, no diálogo entre os dois protagonistas, que o mal sempre tende a ser absorvido pelo bem.
Virtude e felicidade formam uma só realidade: desenvolvem-se juntas e juntas dão seus frutos. Esse entendimento faz derivar uma série de ações éticas que devemos praticar sempre, pois a felicidade está precisamente nesse caminhar consciente e ativo, na primazia dos valores transcendentes, nas coisas mais simples do dia a dia, na perseverança diante das adversidades, na alegria pelo bem alheio.
A felicidade compreendida em sua amplitude não pode ser confundida com um bem ou um estado particular. Lembremo-nos das palavras do poeta: “É impossível ser feliz sozinho”. Quando se pensa em felicidade, impõe-se o estabelecimento de uma visão de conjunto. O ser humano é realmente feliz quando trabalha para melhorar as condições do mundo, e não para atingir uma meta pessoal. Ele se aprimora, não para alcançar um benefício pessoal, mas para melhor servir sua família, sua pátria, o mundo.
A entrega de si mesmo à experiência de ser feliz é sublime: faz, de fato, que em algumas ocasiões o ser humano seja exposto à dor advinda de tantos desafios, mas também permite que ele sinta o declinar dessa dor diante do indescritível bem-estar de uma vida virtuosa. Sejamos felizes e vivamos bem. Isso depende de nós!
Muito Obrigado!