O tema nos convida a uma importante reflexão acerca do papel integrador da arte, tão frequentemente esquecido e desprezado na sociedade moderna, que muitas vezes, penetrada de ideologias consumistas e utilitaristas, pretende bloquear no ser humano sua subjetividade, em flagrante desrespeito a sua intrínseca dimensão artística.
A despeito da tendência ao materialismo, que desperta o interesse de diversos grupos sociais, é imperioso sublinhar que as obras ficcionais, musicais, poéticas, plásticas, literárias, teatrais, ensaísticas, entre outras, oferecem preciosas oportunidades de aperfeiçoamento e expansão das faculdades espirituais, sobretudo no tocante à sensibilidade e à percepção.
Aqui, não pretendemos explorar todos os caminhos do labirinto das expressões artísticas. Não é nosso objetivo dissertar sobre questões de tamanha complexidade e amplitude. Vamos nos limitar em ressaltar a magna relevância da arte para o rompimento de fronteiras, especialmente aquelas edificadas pelo preconceito e desconhecimento que a acerca.
As demarcações estéticas e culturais sobre o lugar das artes no mundo moderno encontram-se, felizmente, em processo de reavaliação. Os critérios étnicos e regionais, estatais e acadêmicos tão utilizados em um passado eurocêntrico, não muito remoto, vêm perdendo significado ante a grandiosidade das autênticas expressões artísticas de inegável caráter universalista.
A própria noção de patrimônio cultural convencionada pela Unesco, que a princípio abrangia monumentos, esculturas, pinturas, cavernas, inscrições e lugares de enorme valor universal, ampliou-se e passou a incluir também bens imateriais, como criações orais, saberes e festividades. Essa ampliação de perspectivas quanto à concepção do que vem a ser patrimônio cultural ultrapassa o excepcional valor histórico, estético, arqueológico ou científico de algum objeto resguardado por seu prestígio simbólico para incluir as manifestações espirituais do gênero humano identificáveis na pluralidade das culturas.
A mudança de paradigma mencionada anteriormente atesta uma realidade incontestável de que muitos de nós ainda não nos damos conta: sem a arte, a humanidade repousaria em um materialismo engessado e absorvente, de modo que o mundo se resumiria àquilo que está perceptível na superfície, na rama das coisas. Contudo, a arte transcende as limitações espaciais e temporais e nos permite exprimir e revelar que o mundo não é somente aquilo que percebemos por meio dos sentidos físicos. Logo, a percepção da realidade física é apenas o início de um caminho de descobertas, autossuperação e aperfeiçoamento.
Por seu caráter transformador, por sua audibilidade mesmo no silêncio é que afirmamos convictamente que a arte é fundamental para a vivência espiritual, através da qual nos conectamos com nós mesmos e com os nossos semelhantes, eliminando fronteiras e unindo seres humanos.
Atualmente, sobram discursos que incentivam o consenso, a harmonia e a coexistência pacífica entre povos e nações. Não discutimos os méritos, os interesses e os verdadeiros objetivos de tais discursos. Entretanto, a compreensão e o entendimento da relatividade de pontos de vista, a aceitação e – mais do que isso – a valorização das diferenças só são possíveis quando se desperta para a transcendência, isto é, para a espiritualidade.
Em contraste às vigorosas concentrações de poder econômico, de preconceitos de toda ordem e de intolerância injustificada, facilmente verificáveis na atualidade, surgem as manifestações artísticas e culturais, que são, na verdade, instrumentos de equilíbrio, de intercâmbio e aproximação entre pessoas de diferentes países, uma vez que estimulam e difundem a criatividade para o enfrentamento da realidade, facilitando o avanço da solidariedade e a superação das desigualdades.
A história da arte não está separada da história da própria humanidade; portanto, não há nada mais coerente do que afirmar a importância da arte como disposição que aproxima e conecta as pessoas através da admiração e do entusiasmo que provoca, da sensibilidade que aguça e das percepções que faz aflorar.
O ser humano é produtor e admirador de arte; dessa forma, é necessário que se desfaça da ilusão de que as manifestações artísticas devam obedecer a um padrão pré-estabelecido. As obras de arte são distintas entre si porque distintos são os seres humanos, e é precisamente nessa constatação que reside sua beleza e seu valor. A arte não pode limitar o dinamismo social erigindo comportas. É verdade antes o contrário: a arte cria pontes que unem pessoas através da reflexão e da contemplação que promove.
Portanto, o conceito de arte analisado pelo prisma da espiritualidade assume um novo sentido, mais integrador e menos individualista, mais panorâmico e menos reducionista, ensejando a conciliação de experiências e entendimentos sobre nós mesmos e o mundo. Abre-se, então, no domínio das manifestações artísticas, uma outra dimensão que não está isolada da realidade física, embora a ultrapasse, transcenda e ressignifique.
Muito Obrigado!