Antes de dissertamos sobre Sabedoria precisamos saber do que se trata. Vejamos o que nos dizem os dicionaristas. Entre várias possibilidades de consulta, selecionamos as seguintes definições para aplicar ao que pretendemos desenvolver: “sabedoria é o conjunto prático de valores e regras que orienta a vida cotidiana de uma pessoa”; “o conhecimento, natural ou adquirido das verdades ou do que se julga verdadeiro”; “o conjunto de conhecimentos adquiridos ao longo do tempo, geralmente por meio de reflexão ou experiência”; “grande fundo de conhecimentos”; “saber”; “prudência”; “ciência”; “razão”; “filosofia”.
A partir dessas definições, observamos que a sabedoria, quando aplicada às mais diversas situações da vida cotidiana, – que é o fim último a que ela se projeta – nos direciona, essencialmente, ao propósito de servir de bússola orientadora a um objetivo que se pretende alcançar. Essa análise nos capacita a condensar um conceito prático de Sabedoria na seguinte asserção: agir com sabedoria é saber utilizar corretamente o conhecimento para atingir os melhores fins.
O artigo não termina aqui. Antes de tratarmos propriamente da Sabedoria, vamos colocá-la em confronto com a Inteligência. Seriam sinônimos? Seriam termos utilizados para definir o mesmo atributo ou componente cognitivo? Avancemos!
Ao examinarmos também em dicionário a conceituação de inteligência, observamos que, em linhas gerais, ela é o conjunto de todas as faculdades ou características intelectuais de um indivíduo, que o capacita pela imaginação, pelo juízo, pelo raciocínio e também pela abstração e concepção, a conhecer, compreender, raciocinar, pensar e interpretar o mundo ao seu redor. A inteligência, por isso e necessariamente, é uma das características definidoras do ser humano que, juntamente com o livre-arbítrio, o distingue dos animais irracionais. Há que se ponderar, entretanto, que também nos animais irracionais observam-se rudimentos de inteligência. Mas não é este o nosso foco no momento. Talvez possa ser assunto para outra ocasião.
Para o que nos interessa e diante do que entendemos por inteligência sob a ótica espiritualista defendida e divulgada pelo Racionalismo Cristão, que a define como atributo mestre do espírito que orienta os demais, apurando-os e contribuindo para torná-los melhores e mais eficientes, a confrontaremos com as definições dos dicionários, propondo a seguinte questão: a inteligência, como o atributo mestre do espírito, não deveria estar à mesma altura da sabedoria, ou, da mesma forma, não deveria a sabedoria estar à mesma altura da inteligência? Respondemos que em certa medida sim, podemos afirmar que ambos os termos – Sabedoria e Inteligência – se igualam, pois ambos encaminham o ser humano a agir na ordem de utilizar corretamente o conhecimento para atingir os melhores fins. Mas por que relativizamos? Por que dizemos “em certa medida” e não em toda sua extensão, já que, por comparação, tanto a inteligência quanto a sabedoria nos direcionam na utilização do nosso conhecimento e experiências para atingir os melhores resultados.
Para ampliarmos nosso entendimento, iremos introduzir mais um conceito, o de etimologia, que é a parte da gramática que estuda a origem e a formação das palavras (“a história das palavras”) e nos valeremos dela para dizer, resumidamente, que a palavra inteligência tem origem no latim, na associação entre inter, que significa “entre”, e legere, que quer dizer “escolha”. Assim, a união das palavras latinas inter e legere forma a palavra intelligere – o que faz sair em português a palavra inteligência. Portanto, o significado original de inteligência faz referência à capacidade de um indivíduo para escolher, entre as várias possibilidades ou opções que se lhe apresentam, aquela ou aquelas que mais lhe convêm. Vemos aqui novamente óbvia relação entre inteligência e livre-arbítrio, conforme já abordado. Neste momento julgamos oportuno notar que legere, primitivamente, tinha o significado “ler”, no sentido de recolher, pegar, colher, juntar, escolher letras e palavras e descobrir-lhes o sentido para formar uma ideia com o objetivo de aumentar nosso intelecto – ou nossa inteligência.
Para a palavra sabedoria, os etimologistas nos dizem o seguinte: “O termo ‘sabedoria’ surgiu na língua portuguesa a partir do latim sapere, que significa ‘saber’ ou ‘sentir’. No entanto, o termo latino teria se originado do grego sophos / sophía, que quer dizer ‘sábio’. Na língua portuguesa falada na Europa, o verbo ‘saber’ é utilizado também para se referir ao ‘sabor’ das coisas. Neste caso, permanece com um dos significados originais do termo latino sapere, que seria o de ‘sentir o gosto’. No português brasileiro, o ‘saber’ é comumente relacionado com a sabedoria, ou seja, “uma característica de uma pessoa sábia.” (consulta realizada em https://www.dicionarioetimologico.com.br/sabedoria/).
Ajuste entre inteligência e sabedoria
Ao que foi visto até agora observamos um ponto em que duas linhas se encontram ou, ainda, a existência de uma linha tênue que aproxima e ao mesmo tempo opõe certa distância entre os sentidos de inteligência e de sabedoria. Aproxima e mantém certa distância? Seria um paradoxo? Talvez.
Com base nesse aparente paradoxo, colocamos em conflito inteligência e sabedoria através de um padrão de comportamento que, visto pela aparência exterior, é comumente descrito – por aproximação e pela míope visão materialista –, como a “outra face da inteligência”. Essa “outra face” estaria escorada na artimanha, na esperteza, no ardil, na astúcia, no estratagema. Neste sentido, “a melhor e mais adequada perspectiva de ação” envolveria unicamente a conveniência pessoal, o interesse egoísta, as atitudes mesquinhas, a dissimulação, o querer tirar vantagem em tudo em detrimento do interesse comum, o que significa agir contrariamente à consciência do que é, ética e moralmente, aceitável, harmônico e condizente com o que é justo e acertado para as partes envolvidas.
Estamos com isso atribuindo duas dimensões para a inteligência, uma positiva e outra negativa? Sim, estamos! Se a inteligência representa o processo mental que nos torna capazes de escolher como agir, de avaliar todas as vantagens e desvantagens ante as possibilidades de escolha e validarmos aquela que, no limite máximo de nossas capacidades cognitivas, represente a melhor e mais adequada alternativa, na verdade estamos colocando em oposição a percepção espiritualista e a concepção materialista do vocábulo inteligência quanto à utilização do atributo em nossa vida cotidiana.
A partir de agora, conforme a asserção inicial de nossa exposição, condensada no conceito prático de sabedoria, vamos refutar o aparente paradoxo e colocar à disposição do leitor a oportunidade de apreciar, à luz dos ensinamentos espiritualistas proporcionados pelo Racionalismo Cristão, quais seriam os melhores fins a serem atingidos em nossa experiência humana no planeta-escola Terra. Seria buscar o objetivo irrevogável e intransferível de promover nosso crescimento pessoal, nossa evolução espiritual? Obviamente, sim. Seria possível consegui-lo utilizando-nos de artimanhas, de esperteza, de astúcia ou estratagemas, ardilosamente? Coloquemos à frente desta questão nossa inteligência e raciocinemos. Não!
Resta-nos entender, finalmente, a íntima relação entre Inteligência e Sabedoria, ao reconhecermos que, estando a habilidade de raciocinar, de pensar e de compreender na base do que forma a Inteligência – não obstante poderem ser utilizadas para o erro, sob o comando da “outra face” – diremos que, antes de utilizarmos a Inteligência, devemos ter como árbitro de nossas decisões a Sabedoria.
Espere um pouco. Estamos propondo a essa altura uma hierarquia e posicionando a Sabedoria em nível acima da Inteligência, uma vez que ela faria a arbitragem entre o que é justo e correto e o que não é, facilitando-nos o entendimento de quais seriam os melhores fins a que nos direcionariam a Inteligência? De certa forma, sim, e ao mesmo tempo desmistificamos o conceito de sabedoria, vista por muitos como qualidade apenas de alguns poucos privilegiados, como uma qualidade pertencente somente a filósofos, juristas ou estadistas, ou ainda aos sábios da antiguidade, que deixaram valiosíssimos e perenes ensinamentos à humanidade, como Sócrates, Parmênides, Confúcio, Buda, Platão. A esta dúvida afirmamos que não, a sabedoria não é para poucos, haja vista que está condicionada, assim como todos os atributos do espírito – ou qualidades, predicados, particularidades – ao esforço e constância no trabalho de aperfeiçoamento, e é passível de se desenvolver conforme a disposição de cada um em exercitá-la na sua trajetória evolutiva. Por isso a sabedoria não é, nunca foi e nunca será prerrogativa de uns poucos “iluminados”. Se assim fosse, os demais atributos do espírito também o seriam, e essa ideia é completamente contrária ao conceito de evolução.
Para finalizar, arriscaremos mais uma proposição para o termo sabedoria à luz dos ensinamentos espiritualistas: agir com sabedoria é valer-se do livre-arbítrio com inteligência para usar corretamente os conhecimentos transcendentes e as experiências humanas para atingir, de forma eficiente, os melhores fins a que se destinam as múltiplas existências de cada ser. É percorrer a trajetória evolutiva sem grandes percalços e sem sofrimentos desnecessários, ocasionados, eles mesmos, pela ação guiada somente por conveniências temporárias e efêmeras que se apresentam – eventual ou rotineiramente –aos nossos olhos. É manter intransigente o uso correto do livre-arbítrio para a prática do bem. É saber utilizar em benefício próprio e do semelhante os conhecimentos adquiridos por meio da reflexão e da experiência, com a consciência vigilante e aberta aos valores eternos do espírito. É, em outras palavras e simplificadamente, na declaração de Humberto Rodrigues, Presidente Astral do Racionalismo Cristão, esforçar-se ao máximo para errar o mínimo. Eis uma definição inabalável sobre como agir com sabedoria, à disposição de todos que a queiram seguir.