Como aprendermos a confiar mais em nós mesmos?

As circunstâncias tão complexas que marcam na atualidade a vida das pessoas dificultam o discernimento dos valores que devem nortear suas condutas no sentido de conciliar suas necessidades evolutivas com as demandas da vida prática. Na verdade, as angústias que assolam o mundo atual estão relacionadas a conflitos que se estabelecem no íntimo do ser humano. Daí resulta a necessidade de conhecer a espiritualidade de forma mais profunda, cada um de acordo com as possibilidades que possui e as circunstâncias que o envolvem.

O aperfeiçoamento moral do ser humano necessita de um esforço decidido e do exercício consciente de seus atributos e faculdades. Este esforço principia com a abertura para a realidade transcendente, encarada como fonte dos valores que sustentam uma vida digna. A partir dessa premissa, nasce e se desenvolve o real conceito de autoconfiança, que jamais deve ser confundido, no campo da espiritualidade, com prepotência ou autossuficiência.

O paradigma materialista, que firmou raízes profundas na contemporaneidade, conduz a um entendimento mecanicista da vida, a um bloqueio da sensibilidade humana. Isso traz, por sua vez, consequências desastrosas para a sociedade, como os sentimentos de desesperança e de baixa autoestima. Grande parte dos seres humanos se vê tolhida em sua capacidade de esperar dias melhores, acreditando não ser possível a superação de determinados quadros negativos por não possuir em si os elementos para tal.

Alguns seres interpretam a autoconfiança de maneira muito limitada, pensando consistir em um sentimento de independência absoluta em relação ao próximo e aos estímulos transcendentes. Dessa forma, a autoconfiança restringir-se-ia à ideia de um suposto poder individual alheio às condições exteriores, e o ser humano experimentaria um estado de indiferença em relação a todo bem que recebe e às oportunidades de amadurecimento que, independentemente de suas ações, a vida não cessa de ofertar.

Analisada pelo estreito viés da materialidade, a autoconfiança se apresenta como uma exaltação do egocentrismo, bem como do desprezo ou negação da noção racionalista cristã de interdependência entre os seres. Na verdade, a autoconfiança consiste na certeza, na segurança, na convicção de que o ser humano é portador de uma capacidade intrínseca que lhe permite relacionar-se com a espiritualidade, obtendo, consequentemente, o vigor necessário para a superação de suas dificuldades e para a consolidação de suas virtudes.

A elaboração de uma forma de vida em que a autoconfiança venha a ocupar a posição adequada pressupõe o discernimento apropriado sobre a maneira como o ser humano compreende a si mesmo e como percebe o vínculo existente entre a condição humana e a autoconfiança.

A relação entre autoconfiança e aprimoramento espiritual resulta particularmente importante para nossos estudos. Perdida a sensibilidade para os elevados conteúdos da espiritualidade, dificilmente se há de compreender a essência da autoconfiança e, por conseguinte, as formas de reforçá-la.

O enfoque espiritualista da confiança em si mesmo e do amor-próprio – ambos considerados em sua justa medida – fundamenta-se, pois, no entendimento de que esses sentimentos representam a abertura para um conjunto de possibilidades internas e na convicção de que a realidade sempre se altera positivamente. Convicção, amor e confiança sintetizam a unidade própria da vivência humana.

Numa contraposição de sentido, surge a ideia de baixa autoestima, que emerge toda vez que o ser humano se perde na observação superficial dos fatos, quando concentra toda sua energia na obtenção somente de coisas materiais. Nesse estado de desprezo de seu valor e de sua importância no conjunto dos demais seres, acaba por quedar-se, preso, no terreno da fraqueza.

Fixando-se o ser humano esclarecido em suas potencialidades, sobretudo em sua capacidade de raciocinar, este é levado a reconhecer que sobrepairam, acima da aflição, a esperança e a autoconfiança. Com esse sentido real e elevado, procura integrá-las sempre e cada vez mais a sua vida, em todos os tempos e em todos os lugares. Se alguma vez, sob a influência de forças contrárias, se lhe declina a atitude esperançosa, como possui em seu âmago as condições de superação da crise, é capaz de retomar a caminhada e procurar constantemente o ideal de fraternidade, que reside inevitável na consciência humana.

A felicidade autêntica, aquela que independe do acúmulo de bens materiais, dos estados de ânimo – tão variáveis, por sinal – e da inexistência de dificuldades, é resultado imediato da autoconfiança, considerada em sua justa medida. Dessa forma, há que destacar que a dose adequada de autoconfiança que o ser humano deve nutrir em seu íntimo está diretamente relacionada com a virtude da sabedoria e com a consciência de suas próprias limitações.

As circunstâncias que nos envolvem nunca – isto mesmo: nunca! – são determinantes e imprescindíveis para a verdadeira felicidade, porque esta resulta diretamente do cumprimento do dever e da consciência de que tudo caminha para o bem, para o aperfeiçoamento, e de que ninguém jamais está sozinho.

O processo necessário para o aprimoramento da própria personalidade e o consequente desenvolvimento da autoconfiança consiste necessariamente na elaboração do que poderíamos chamar de uma ética espiritualista, que permite ao ser humano identificar-se com sua essência, sua origem e sua vocação para a transcendência.

O conhecimento concreto dos comportamentos inadequados que desumanizam as relações em todos os níveis também são uma forma eficaz de aprendizado; por isso, não devem gerar desesperança ou baixa autoestima. Absorvemos lições importantes a partir dos contrastes, fato que pode ser observado nas experiências mais comuns.

Quanto mais nos esforçarmos no sentido de vivenciar na experiência cotidiana os elevados valores espiritualistas absorvidos dos ensinamentos do Racionalismo Cristão e que se encontram gravados em nossa consciência, menos dificuldades teremos em reagir positivamente diante dos desafios que se nos apresentam, sejam eles na esfera individual ou coletiva.

A autoconfiança, amigos, se mostra sobretudo nos momentos mais conturbados, quando equilibrada e ordenadamente a pessoa expõe com clareza seu ponto de vista, manifesta coerentemente sua opinião e não se deixa envolver pela malha traiçoeira do equívoco.

Tudo o que abordamos até este momento pertence ao campo da análise filosófico-espiritualista extraída do Racionalismo Cristão, que congrega, por sua vez, um conjunto de valores que iluminam a conduta humana, favorecendo a ação prática, produtiva e responsável nos diversos campos de atividade. A investigação racional dos aspectos transcendentes de que a humanidade paulatinamente se dá conta integra seu percurso evolutivo e histórico, constituindo um referencial básico do qual não se pode recusar.

Se, como dissemos, a convicção, o amor e a confiança sintetizam a unidade própria da vivência humana e se esta responde às exigências mais profundas e autênticas do desenvolvimento de cada ser humano, então ninguém deve negar a importância de valorizar a autoconfiança precisamente no que ela tem de mais positivo e elevado: a capacidade de despertar no ser humano o desenvolvimento de suas faculdades com vista à prática do bem. Tal consciência não se deve traduzir em imobilidade nem em ingenuidade; muito pelo contrário: deve estimular e impulsionar a atitude corajosa diante dos obstáculos da vida, ativando e sustentando todo o empenho de solidariedade e benquerer, sentimentos que são, na realidade, o sentido primeiro de tudo o que existe.

Não se pode esquecer que o desenvolvimento integral do ser humano se condiciona a uma atitude de autoconfiança perante as provas que a vida oferece. Percebam, amigos: falamos em atitude. Ora, a autoconfiança não deve ser entendida como a anulação da realidade material com o objetivo de se alcançar uma suposta dimensão mágica, um poder interno por meio do qual todos os problemas ou desafios podem ser superados de forma individual.

Para concluir, não podemos deixar de afirmar que o realismo, conquistado pela percepção espiritualista defendida pelo Racionalismo Cristão, encara os processos de desesperança e baixa autoestima sob o enfoque da confiança maior de que todos os fenômenos concorrem, em última análise, para a promoção de um processo de aprendizagem, que tende a ser ilimitado pela própria natureza da vida.

Muito Obrigado!