Como conciliar a necessidade de confiar em nossos próximos e um estado de alerta contra meias-verdades?

Inúmeros são os que enfrentam cotidianamente um dilema: até que ponto podem confiar nas pessoas que convivem consigo e conciliar o inegável impulso humano de convívio com a necessidade de autopreservação? 

Ao longo desta reflexão, procuraremos demonstrar que a atenção, o entendimento, a vigilância e o senso crítico capaz de distinguir o ilusório do real são decorrências do desenvolvimento legítimo da consciência segundo elevados critérios de caráter espiritualista que permitem, por seu turno, harmonizar as relações pessoais dosando os níveis de confiança e enxergar os fatos e fenômenos da atualidade, fúteis e confusos, com nítida claridade e acurada percepção. 

Entre os dois pontos extremos que são, de um lado, o confiar absoluto e irrestrito e, do outro, a suspeita obstinada e inflexível, existe um abismo a ser transposto pelo esclarecimento espiritual que nos proporciona o Racionalismo Cristão. 

Sendo tão grande a disseminação da mentira e, em consequência, tão indispensáveis a atenção e o discernimento, é preciso que a conquista e o progresso dessas faculdades ocupem posição de destaque na agenda do estudioso da espiritualidade. A constante e irrenunciável necessidade de se distinguir o falso do verdadeiro, de se separar o joio do trigo pode não parecer ao ser humano contemporâneo cheio de si e desligado das questões transcendentes um imperativo da máxima importância, pelo menos em um primeiro momento. Contudo, uma análise mais refletida e uma averiguação mais aguda mostrarão a relação entre a capacidade de discernimento há pouco apontada e uma vida harmônica e relativamente feliz. 

Diante das dúvidas crônicas, das situações complexas, angustiantes e insidiosas deve a pessoa manter-se firme, nunca perdendo a razão, mas encarando os fatos com a serenidade profunda e a paz interior que brotam da vivência da espiritualidade, que faz calar em si todas as vozes do engano e da mentira. 

Ao mencionar à necessidade de reflexão antes da tomada de decisões, ao insistir sobre o valor do discernimento no comparar das inúmeras possibilidades com que o ser humano se depara no dia a dia, estamos fazendo referência à importância da prudência, sem, contudo, deixar de observar que esta não deve servir de pano de fundo para a procrastinação, isto é, o adiamento de decisões. 

Quanto mais o ser humano se dedicar à ampliação de suas qualidades e ao desenvolvimento de seus atributos, tanto melhor saberá agir diante dos casos concretos, pois suas atitudes espelharão os conteúdos retos ditados por sua consciência. Na sociedade, todos devem realizar suas funções de forma responsável e respeitosa, certos da enorme influência que podem exercer, quer no âmbito familiar, quer em seu círculo de trabalho. 

Segue-se daí que a faculdade de manter-se atento diante dos incontáveis desafios da vida e de equilibrar os níveis de confiança nas relações não se baseia em uma fórmula pronta, mas no firme propósito de espiritualização, de ampliação dos sentidos, de burilamento da personalidade. Seria ingênuo e inconsequente pensar que somente com argumentos baseados na captação da realidade pelos sentidos físicos possa o ser humano formular respostas aos complexos problemas e dramas oriundos dos relacionamentos. 

A mentira inventada com o propósito de lesar o próximo ou tirar-lhe vantagens de qualquer tipo, pecuniárias ou não, é fonte manancial de inúmeros gestos viciosos, abrigo de incontáveis males, companheira da soberba e da falsidade. Assim, só quem fechar os olhos diante da experiência e da história poderá negar as terríveis consequências da mentira.  

Entretanto, algumas pessoas mentem constrangidas pelos impositivos da emotividade, sendo vítimas de si mesmas, de sua imensa sensibilidade, de sua falta de autocontrole. Dolorosamente oprimidas pela realidade que buscam simular, sofrem e desgastam-se, em flagrante anulação de sua própria personalidade; utilizam-se de subterfúgios para erguer barreiras entre si mesmas e a realidade que as importuna. As pessoas que estão imersas nesse contexto negativo precisam de ajuda, e não de quem lhes critique. 

A pergunta que se impõe é, pois, a seguinte: como manter-se vigilante em relação à mentira e a necessidade que temos de confiar naqueles que estão próximos de nós? Poderíamos falar horas e horas com explicações e sugestões. Todavia, a questão não pode ser compreendida de forma fragmentária e superficial, devendo ser analisada pelo prisma integrador da espiritualidade, que não admite espaço para o sentimentalismo estéril e para a especulação leviana. 

Afirmamos convictamente que o esclarecimento espiritual e a conduta ética proporcionados e orientados pelo Racionalismo Cristão compõem o veículo privilegiado do discernimento e, nesse sentido, devem ocupar posição de destaque em nossas vidas. Ao esclarecer-se acerca da transcendência da vida e conduzir-se, consequentemente, de modo digno e respeitoso, desenvolvendo a percepção e o senso crítico, o raciocínio e a inteligência o ser humano saberá habilmente dosar a confiança e a precaução necessárias nas relações pessoais. Desfrutando, assim, de muita paz e conforto espiritual ao estreitar laços de amizade e consideração com pessoas cuja consciência reta e sã exteriorizam um belo caráter, ao mesmo tempo que ajudam, com humildade, sinceridade e a força do exemplo aqueles têm quanto ao verdadeiro e ao falso senão uma ideia vaga, confusa, fantasiosa e que, por conseguinte, são vítimas de si mesmos e de seres inescrupulosos. 

Muito Obrigado!