Como driblar as dores no jogo da vida?

Em todos os períodos, por mais remotos que sejam, e em todos os lugares, o ser humano sempre buscou formas de evitar dores e sofrimentos, desde seu estágio mais rudimentar até seu nível atual de desenvolvimento.

Em razão disso, consolidou-se em grande parte da sociedade um pensamento simplista e outras mentalidades que poderiam ser chamadas de materialistas, que coincidem em limitar a vida aos aspectos do sofrimento e da dor, como se ela se resumisse nisso. Para os simplistas, as exigências de uma vida íntegra e plena com os respectivos desafios que ela implica sufocariam a expressão de beleza que, a princípio, deveria constituir sua base; para os materialistas, as dores associadas à própria natureza da vida seriam uma realidade imperiosa. O resultado é o mesmo: desconhecem a profundidade da vida, ignoram seu aspecto amplo e profundo.

A experiência do ser humano esclarecido espiritualmente ensina-lhe precisamente o contrário: não existe sofrimento, por mais intenso que seja, que não traga implícito uma importante lição, que em curto, médio ou longo prazo repercutirá em benefício próprio e muitas vezes coletivo, desde que assuma uma postura de resignação, abertura e convicção de que não existem punições ou castigos divinos. O mal em si mesmo não possui significação alguma; a ordenação do Universo, a beleza incomensurável presente tanto no micro quanto no macrocosmo atestam o bem que permeia todo o dinamismo universal, incentivando tudo ao progresso e ao aperfeiçoamento.

Hoje em dia, grande parte da sociedade critica a vida de forma constante e exagerada. Essa crítica deve ser considerada com seriedade e não simplesmente posta de lado, alegando-se falta de compreensão; ela não poderá ser anulada por meio do distanciamento daqueles que já se esclareceram; muito pelo contrário, é no intercâmbio fraterno que diminuirão as tensões características da vida e será ampliada a compreensão dos fenômenos que a envolvem. Antes de mais nada, é falta de realismo pensar que a postura desesperançosa por parte daqueles que sofrem ou mesmo a sede de conhecimento no sentido de como driblar essas dores não tenha autenticidade, reduzindo-as, assim, a uma atitude egoísta e infantil. É preciso, portanto, evitar generalizações pois as dores fazem parte da vivência cotidiana da grande maioria dos seres humanos e todos almejam conhecer formas de atenuar ou mesmo eliminar essa realidade.

É importante, antes de procurar estabelecer pontos de uma possível resposta ao tema proposto, analisar com mais profundidade a essência da própria dúvida em si. Por que pretendemos saber eventuais formas de desviar-nos das dores? A resposta não é tão óbvia como pode parecer, e uma vez estabelecida, outras dúvidas surgirão espontaneamente. Na verdade, queremos refletir também sobre a necessidade constante do ser humano de estabelecer questionamentos e análises existenciais. À medida que nos aprofundarmos nessa reflexão, estaremos em melhores condições de lidar com as dores.  

 “Uma vida sem busca não merece ser vivida”. Essa é uma afirmação atribuída a Sócrates, na qual acreditamos firmemente. Na realidade, estamos buscando algo a todo momento; a necessidade de realização é uma constante no gênero humano. E por que isso acontece? Sem dúvida porque todo espírito tem registrado em si a vocação à plenitude, ao aperfeiçoamento e ao desenvolvimento contínuo e cada vez mais intenso.

A consulta às fontes da espiritualidade, como as fornecidas pelo Racionalismo Cristão, que têm como base princípios morais, fornecem elementos positivos para afirmarmos que uma forma segura de desviar-se das adversidades no jogo da vida é orientar a existência sob o amparo da razão, procurando direcionar as ações de acordo com princípios de elevada conduta. Não nos referimos – claro está – a uma racionalidade estritamente formal, baseada em cálculos de meios eficazes, para o alcance de objetivos no contexto de um conjunto de normas sociais. Uma existência assim direcionada passa a ser regida por regras supostamente perfeitas; é calculável e extremamente previsível, porém carente de espontaneidade e flexibilidade, podendo produzir resultados contraditórios e até mesmo novos problemas.   

A ação correta, quando desempenhada com o fim exclusivo de livrar a pessoa de eventuais situações angustiantes, não deixa de refletir, em verdade, um pensamento mesquinho que sustenta ideologicamente uma sociedade que tende a tornar-se cada vez mais impessoal, que acredita que os meios justifiquem os fins.

A autêntica forma de ação racional só pode ser considerada como tal quando sustentada por valores morais elevados sem os quais o ser humano se vê perplexo diante dos embates da vida. Sem dúvida, há formas de evitar dores e sofrimentos desnecessários. Sempre que o a pessoa age no sentido de respeitar a si própria e a seu semelhante como uma extensão de si mesma, trabalha na edificação de uma vida mais suave e consegue superar corajosamente os desafios que se lhe apresentam.

A dor e o sofrimento conduzem, não raras vezes, a um voltar-se para a transcendência, como também a um exame da própria vida. Esse modo de compreender o aspecto pedagógico desses sentimentos liberta o ser humano de especulações desnecessárias. Essa liberdade, por outro lado, deve redundar também como capacidade de repúdio a tudo aquilo que é moralmente inadequado, a tudo aquilo que impede o crescimento pessoal.

Uma visão da dor desligada de qualquer referência à espiritualidade conduz à negação de seu sentido e limita a experiência humana aos aspectos circunstanciais, empobrecendo-a radicalmente. Eis por que insistimos na ampliação de perspectivas e na análise dos fatos sempre através do prisma da espiritualidade divulgada e defendida pelo Racionalismo Cristão.

Por mais legítima que seja a busca da felicidade pela ausência da dor, sabemos que nem sempre isso é totalmente possível. Por esse fato é oportuno que nos aprofundemos ainda mais a fim de consolidar a ideia de que devemos evitar, sempre que possível, dores e sofrimentos. Obtém êxito nesse sentido a pessoa que pauta suas atitudes em critérios de elevada ética, mas uma vez que os sofrimentos surjam em suas vidas, não pode desesperar-se; muito pelo contrário, deve enfrentá-los com dignidade, procurando colher os ensinamentos que eles trazem consigo.

Para tornar a sociedade mais humana e, por conseguinte, mais digna, é necessário torná-la mais espiritualizada. Não se pode regular a vida com o único objetivo de buscar o prazer ou evitar a dor – seria limitar demasiadamente a experiência humana. Como dissemos anteriormente, é legitima toda ação que procura evitar o sofrimento, bem como a que procura o prazer circunscrito nos limites da razoabilidade, mas também queremos deixar claro que é através do esclarecimento espiritual que o ser humano pode mudar positivamente sua própria realidade, impactando o mundo a sua volta. Essa mudança não se traduz na anulação da realidade material, com a respectiva dimensão do sofrimento. Quem acredita ser possível uma vivência espiritualizada apartada da realidade material engana-se totalmente. Espiritualidade e materialidade não são conceitos que se anulam. Todas as dimensões se interpenetram, e em todas elas há possibilidades de desenvolvimento. Aí reside a beleza do processo em que a humanidade está inserida.

Agora, surge outra dúvida: a pessoa, com seu livre-arbítrio característico, tem o poder sobre seu próprio viver? A questão não é de menor importância e está completamente ligada ao assunto tratado. Entendemos que o poder do ser humano limita-se à esfera pessoal e exprime-se através do exercício de seus atributos e faculdades. Cada comando, cada determinação de comportamento constitui expressão de sua vontade, gerando consequências na razão direta dos pensamentos e sentimentos que o animam. Portanto, o racionalista cristão autêntico não se permite pensamentos negativos e sentimentos malfazejos; em certa medida, sente repulsa por tais manifestações, principalmente pelos impulsos à transferência de responsabilidade, cujo negativismo característico põe em relevo as faltas e defeitos alheios, talvez para esconder os próprios complexos existenciais de quem assim procede.

Sabemos que não é fácil para o ser humano visitado pela dor e pelo sofrimento manter o equilíbrio e a calma na apreciação dos fatos. Todavia, temos profunda convicção de que as virtudes humanas adquiridas pelo desenvolvimento dos atributos espirituais fornecem a cada um os subsídios necessários para o alcance da verdadeira felicidade, que não tem relação, como já demonstramos, à ausência plena da dor.

Quando o ser humano desperta para a espiritualidade, fica livre de condicionamentos e padrões sem sentido, de expectativas angustiantes e de preocupações quanto aos julgamentos das pessoas. Cônscios de sua essência espiritual e origem, sente-se íntegro e saudável. As dores e os sofrimentos não encontram receptividade em seu interior. No momento em que as pessoas se compenetrarem dessa realidade, os sentimentos negativos se transformam pela ação do esclarecimento espiritual, suas ações produzem bem-estar e satisfação e, por conseguinte, a vida começa a fluir positivamente, independentemente dos desafios e percalços a que todos estão sujeitos.

Muito Obrigado!