A evolução da humanidade tem expressado que o pleno desenvolvimento da personalidade individual é diretamente influenciado por referenciais ético-morais que se sobrepõem, em última instância, as representações e impositivos estritamente materiais.
Não é tarefa fácil encontrar um modo apropriado de definir ou mensurar a influência que o entendimento da própria identidade tem no processo de aceitação do próximo, principalmente quando se pensa em um conceito à luz da espiritualidade difundida pelo Racionalismo Cristão.
Em períodos não tão remotos da história da humanidade, as diferenças étnicas, culturais, sociais, religiosas e econômicas foram, entre tantas outras, utilizadas como referenciais legitimadores de guerras e conflitos. A intolerância e o preconceito acentuados conduziram muitas pessoas a um caminho de sofrimento e angústia indizíveis.
Na atualidade, ainda é comum ver pessoas que, ao buscar sublinhar sua própria identidade, acabam por acirrar e marcar as diferenças em relação aos demais, dificultando enormemente o encontro de um denominador comum que as faça enxergar a superficialidade das diferenças. Claro está que a consolidação dessas diferenças e todas as suas consequências se fundamentam no desconhecimento da espiritualidade e, por conseguinte, na maneira reducionista como esses grupos definem o conceito de identidade.
Na verdade, uma das mais fascinantes e venturosas descobertas que o ser humano realiza quando busca religar-se a sua verdadeira essência e descobrir sua autêntica identidade é o reconhecimento de que as diferenças que o distinguem de seus semelhantes não os deve afastar, mas muito pelo contrário: as particularidades e peculiaridades e os distintos estilos de vida representam verdadeiramente forças atrativas. O sentido de complementariedade que brota do autoconhecimento e do entendimento da própria identidade permite a ampliação da tolerância, do respeito mútuo, da partilha e da solidariedade.
Ao observar o comportamento de determinados grupos na coletividade, veremos que ora sua identidade passa pela busca das fantasias e utopias projetadas pelos meios de comunicação de massa e pelas mídias em geral, em flagrante anulação de suas próprias características, ora pela total negação da tradição e da cultura.
A transformação profunda e acelerada dos fatos e das coisas no mundo atual clama por reavaliações de condutas e mudanças de paradigmas. O estudioso da espiritualidade não está desatento ao curso dos acontecimentos nem se deixará entorpecer pela inércia de um individualismo engessado e obscurantista, mas procurará sempre e cada vez mais contribuir para o bem comum, compreendendo as limitações e carências presentes no próximo a partir da identificação de suas próprias limitações e dificuldades.
Mencionamos, em primeiro plano, que uma das maneiras mais eficazes de aceitar nossos semelhantes consiste em desenvolver proficuamente nossa percepção da realidade espiritual, que ultrapassa os condicionalismos e padronizações. Aceitar o semelhante exige também uma atitude equilibrada, precisamente porque a receptividade e o acolhimento estão equidistantes, por um lado, do desprezo, por outro, da imitação categórica, posto que o ser humano, na medida em que se rivaliza com os demais, despreza sua própria personalidade, seus talentos e atributos. Nessa perspectiva, deve sobrepor-se a consciência ética, revelando que a pessoa tem de cumprir seus deveres de maneira solícita tanto consigo mesma quanto com os membros da sociedade na qual está inserida, buscando ser autêntica e reconhecendo seu valor singular.
Um dos grandes desafios humanos é, sem dúvida, a busca de si mesmo. Em melhores condições para o alcance desse objetivo estarão aqueles que desenvolverem os sensos de complementariedade e alteridade, sobretudo em um período histórico ainda tão carregado de conotações de rejeição e preconceito.
A verdadeira espiritualidade não favorece nenhuma forma particular de manifestação cultural ou religiosa, não se orienta por diretrizes histórico-sociais, não privilegia nenhum grupo em detrimento de outro, enfim, não valoriza a superficialidade, e sim a essência.
Todas as tentativas de diferenciação entre seres humanos apontam para a ideia de escassez de valores ético-morais, convicções vigorosas e compromissos com o bem comum. A pessoa que vive distante de tais princípios age, no mais das vezes, atabalhoada e irresponsavelmente e toma decisões que contrariam os interesses da comunidade. Como consequência dessa conduta improdutiva, avolumam-se as decepções e os sofrimentos.
O entendimento acerca da própria identidade com base em critérios metafísicos nos torna propensos a acolher nossos semelhantes como extensões de nós mesmos, uma vez que possuímos a mesma essência e somos oriundos da mesma fonte.
Somos entusiastas e queremos cada vez mais ser efetivamente partícipes na construção de um mundo mais equânime e justo, mais fraterno e pacífico, sem obstáculos intransponíveis, onde o convívio com as diferenças seja elevado à categoria de patrimônio espiritual, de tesouro da humanidade, na base do diálogo, da solidariedade, do respeito e do amor ao próximo.
Muito Obrigado!