Como fazer as pazes com você mesmo, com os outros e com a vida?

A humanidade, não obstante sua heterogeneidade, tende a repetir padrões comportamentais que, muitas vezes irrefletidos e imponderados, dificultam consideravelmente a edificação de uma concepção alternativa, abrangente e sobretudo transcendente da existência. Nesse sentido, tornam-se importantíssimos o estabelecimento e a promoção de uma reflexão espiritualizada, sincera e despojada de reducionismos sobre a conciliação, que deve ter início na subjetividade, isto é, na intimidade de cada um, para dali irradiar-se pelos relacionamentos em todos os níveis e por todos os setores da vida.

É nítida a percepção de que a sociedade contemporânea carece de referenciais. A ausência de um sentido na vida é experimentada por um número crescente de pessoas de todos os níveis culturais, sociais e econômicos, bem como dos mais distintos matizes ideológicos. O presente artigo – perceberá o leitor no transcurso dos próximos parágrafos – não tem a simples finalidade de responder a uma proposição, nem de comentar o resultado de uma pesquisa, mas busca, acima de tudo, estabelecer um diálogo sincero e fraterno, cujo objetivo precípuo é o de estimular o contínuo aperfeiçoamento do ser humano, que deve buscar no campo da espiritualidade as respostas para suas mais complexas indagações.

No sentido espiritual, conciliação e maturidade psíquica são conceitos estreitamente relacionados. A consonância, a concórdia e a coerência se fundamentam no encontro da pessoa consigo mesma, com sua autêntica e original essência. A consciência de sua natureza espiritual torna claros os princípios ético-morais, que representam a base da estabilidade emocional.

A maturidade psíquica, tão relevante para o enfrentamento dos desafios cotidianos, reflete invariavelmente uma condição de harmonia interior, de conciliação íntima, de reconhecimento dos próprios valores e limitações. Nesse estado, o indivíduo, ora amadurecido e sereno, deixa registrado na família, na sociedade e em quaisquer meios por que transite, com seu exemplo de vida, uma marca de originalidade e dignidade. Em vez de orientar-se por embustes e equívocos ou combater as particularidades, ideologias ou posturas de quem quer que seja, exaurindo, assim, sua energia anímica, o indivíduo tem sua autoestima e seus laços afetivos reforçados.

Fazemos as pazes conosco – e, por extensão, com nossos semelhantes – quando nos permitimos a abertura para a transcendência, quando nos tornamos permeáveis à espiritualidade que tudo sustenta e a que tudo dá sentido, como nos ensina o Racionalismo Cristão. Nessa trajetória rumo à conquista da paz interior, deparamo-nos com inúmeras inquietações e desafios que, em certa medida, são inevitáveis e mesmo necessários.

O ser humano, contudo, dispõe de seus atributos, sua força de vontade e sua capacidade de superação para que essas inquietações não se tornem doentias, afastando-o do convívio enriquecedor com amigos e familiares ou mesmo bloqueando-lhe a criatividade, a afetividade e a generosidade, fatores indispensáveis para a estruturação de uma personalidade ética e íntegra.

A reflexão honesta e profunda, espiritualizada e abrangente – repitamos – é condição indispensável para o apaziguamento de pensamentos e sentimentos porventura inadequados, sem a qual o indivíduo, no dinamismo da vida, facilmente se deixará manipular, em flagrante anulação de sua própria personalidade.

Na verdade, a saúde psíquica do ser humano se revela em sua capacidade de relacionar-se, primeiramente consigo mesmo, depois com seu próximo. Se uma pessoa não tem amigos, se não é capaz de estabelecer vínculos sadios e afetivos com seus semelhantes, surge, então, um indicativo preocupante. A fim de contorná-lo, deverá articular melhor seus pontos de vista, rever seus posicionamentos e atitudes, buscar uma nova orientação e permitir que as situações que vivencia lhe ofereçam outra compreensão de si mesmo. A paz interior, corolário da conciliação pessoal, interpessoal e circunstancial, convida ao reexame das angústias, dos sentimentos aflitivos e dos pensamentos inoportunos.

A compreensão espiritual, a que tantas vezes fazemos referência e que não está adstrita a rituais ou a gurus, a sistemas ou modelos, que não é monopólio das instituições humanas, tem como principal objetivo que as pessoas se tornem íntegras e saudáveis, felizes e realizadas. O conhecimento da espiritualidade tem o excelso valor de mostrar que o ser humano não deve enfraquecer diante das dificuldades de relacionamento, precisamente porque sua essência, que ultrapassa as perspectivas temporais e históricas, lhe permite a superação desse desafio. Tal realidade se impõe sustentada pela força incontestável do sentimento de amor ao próximo, que é, por sua vez, o fundamento de uma experiência de vida fecunda e ditosa.

Assim sendo, todos devem dar o importante passo que consiste, sem dúvida, na reconciliação com a vida, no abandono das hostilidades internas e externas e na abertura para a espiritualidade. Com essa atitude nobre e engrandecedora de humildade e consciência de conjunto, o indivíduo se desprende das amarras da suscetibilidade excessiva, do saudosismo inveterado, do excesso de autocomplacência, adquirindo sua existência objetiva, sua identidade intrínseca – enfim, o protagonismo de sua própria vida.

Boa Leitura!