Hoje em dia, falar de crise, violência e desesperança mundial já se tornou um lugar-comum e até mesmo uma banalidade. As dificuldades se ampliam precisamente quando se procura dar uma explicação crítica e coerente a essas questões sem recorrer à espiritualidade, que fundamenta a vida em suas múltiplas manifestações.
Nosso objetivo é estabelecer uma relação recíproca entre a imagem do mundo, que nos é proporcionada pelo conhecimento histórico, e aquilo em que temos íntima convicção. É um procedimento legítimo, sobretudo quando queremos ressaltar que nenhuma situação, nenhum fenômeno encontra razão de ser fora dos domínios da espiritualidade, que ultrapassa as condicionantes históricas e sensíveis. Quando o ser humano intenta elaborar uma concepção de mundo, deve ter consciência de suas limitações, uma vez que, além da realidade perceptível por seus sentidos físicos, existe uma quantidade incomensurável de questões e possibilidades.
As circunstâncias tão complexas que marcam na atualidade a vida das pessoas dificultam o discernimento dos valores que devem nortear suas condutas no sentido de conciliar novos e antigos conceitos. Na verdade, as angústias que assolam o mundo atual estão relacionadas a conflitos que se enraizam no íntimo do ser humano.
A verdade, por sua própria natureza, não pode contradizer-se. Não existem, portanto, verdades duplas; a ciência genuína, prudente e criteriosa, reconhece seus limites e não contradiz a espiritualidade. Qualquer contradição nesse sentido é sempre aparente.
O paradigma utilitarista, que firmou raízes profundas na contemporaneidade, conduz a um entendimento mecanicista da vida, a um bloqueio da sensibilidade humana. Isso traz, por sua vez, consequências desastrosas para a sociedade, como o sentimento de desesperança. Grande parte dos seres humanos se vê tolhido em sua capacidade de esperar dias melhores, acreditando não ser possível a superação de determinados quadros negativos. Para refutar esse pensamento e demonstrar sua inconsistência, elaboramos essa reflexão, que a um só tempo pretende ampliar e responder o tema.
Alguns seres humanos interpretam a esperança de maneira muito limitada, pensando consistir em uma atitude de espera passiva de benefícios que viriam de uma esfera divina ou coisa que o valha. Dessa forma, a esperança restringir-se-ia à ideia de expectação. Tal posição encontra-se espelhada na vida de inúmeras pessoas que, ao ostentar uma posição esperançosa, acabam por fortalecer, contraditoriamente, as redes da desesperança.
A elaboração de um modus vivendi em que a esperança venha a ocupar a posição adequada pressupõe o discernimento apropriado sobre a maneira como o ser humano compreende a si mesmo e como ele percebe a relação existente entre a condição humana e a esperança.
A relação esperança-desesperança resulta particularmente importante para o estudo do transcendente. Ao perder a sensibilidade para os elevados conteúdos da espiritualidade, dificilmente se há de compreender a essência da esperança e, por conseguinte, as formas de reforçá-la.
O enfoque racionalista cristão da esperança fundamenta-se, pois, no entendimento de que ela é abertura para o futuro, para o novo, baseado na convicção de que a realidade sempre se altera positivamente. Convicção, amor ao próximo e esperança sintetizam a unidade própria da vivência humana.
Numa contraposição de sentido, surge a ideia de desesperança, que emerge toda vez que o ser humano se perde na observação superficial dos fatos, quando concentra toda sua energia na objetivação da ação concreta. Nesse estado, em que despreza as lições contidas nos conflitos, precipita-se, alienado, no terreno da desesperança.
A arte, a literatura, a filosofia e até mesmo a política têm sido influenciadas por um sentimento característico do que, em amplo sentido, pode ser descrito como desesperança. Entretanto, é preciso reagir.
Fixando-se o ser esclarecido em suas potencialidades, sobretudo em sua capacidade de raciocinar, é levado a reconhecer que acima da desesperação a esperança sobrepaira. Com esse sentido real e elevado, procura integrá-la sempre e cada vez mais a sua vida, em todos os tempos e em todos os lugares. Se alguma vez, sob a influência de forças antagônicas, declina a atitude esperançosa, possui em seu âmago as condições de superação da crise e retoma sua caminhada, procurando constantemente o ideal de fraternidade, que reside irresistível na consciência humana.
É um sinal de esperança o fato de que hoje a maioria dos governos e culturas manifeste disponibilidade ao diálogo e ao entendimento em relação a assuntos que afetam diretamente a dignidade da pessoa humana. A criação de órgãos internacionais e dispositivos legais que se articulam em benefício da paz mundial atesta que estamos avançando no sentido de um maior entendimento e valorização da pluralidade, marca indelével da humanidade. Na verdade, todo movimento característico da vida humana se apoia também na esperança. Sem dúvida, trata-se de um impulso libertador que suscita a ação consciente, mediante a expectativa de novas possibilidades e novos níveis de compreensão.
Essa reflexão perpassa a estreita compreensão materialista quando assinala que o bem, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento humano são realidades inevitáveis.
Poderíamos enumerar ainda outros exemplos provenientes da simples observação da realidade. Nenhuma análise sensata do processo histórico pode negar, por exemplo, os avanços tecnológicos e sociológicos pelos quais a humanidade tem passado, sobretudo nos últimos dois ou três séculos.
Por outro lado, é importante ressaltar que é mais difícil hoje do que no passado elaborar e sintetizar os vários ramos do saber que invadem a sociedade por todos os meios. A angustiante busca por atualização faz com que a pessoa se afaste de si mesma, concentrando sua energia em aspectos externos.
Não seria difícil elaborar uma ampla lista de recomendações racionalistas cristãs em relação a condutas que devem ser adotadas diante da problemática do desencanto, que afeta a humanidade a nível global. Todavia, não recomendamos fazê-lo. O estabelecimento de um roteiro único para a superação de problemas pode até ajudar num primeiro momento, mas não ajuda a compreendê-los em sua essência.
O processo necessário para a descoberta das soluções para as mais intrincadas questões existenciais consiste necessariamente na elaboração do que poderíamos chamar de uma ética espiritualista, que permite ao ser humano identificar-se com sua essência, sua origem e sua vocação para a transcendência.
O conhecimento concreto dos comportamentos inadequados que desumanizam as relações em todos os níveis também são uma forma eficaz de aprendizado; por isso, não devem gerar desesperança. Absorvemos lições importantes a partir dos contrastes, fato que pode ser observado nas experiências mais comuns.
Quanto mais nos esforçarmos no sentido de vivenciar na experiência cotidiana os elevados valores espiritualistas que se encontram registrados em nossa consciência, menos dificuldades teremos em reagir positivamente frente aos desafios que se nos apresentam, sejam eles na esfera individual ou coletiva – caso do presente tema.
Tudo o que foi abordado até este momento pertence ao campo da análise filosófico-espiritualista, que congrega, por sua vez, um conjunto de valores que iluminam a conduta humana, favorecendo a ação prática, produtiva e responsável nos diversos campos de atividade. A investigação racional dos aspectos transcendentes, de que paulatinamente a humanidade se dá conta, integra seu percurso evolutivo e histórico, e constitui-se de um referencial básico, do qual não se pode prescindir.
Se, como dissemos, a esperança, o amor ao próximo e a convicção sintetizam a unidade própria da vivência humana e se esta responde às exigências mais profundas e autênticas do desenvolvimento de cada ser humano, então ninguém deverá negar a importância de valorizar a esperança precisamente no que ela tem de mais positivo e elevado. Essa esperança não deve se traduzir em imobilidade, nem em ingenuidade; muito pelo contrário: deve estimular e impulsionar a atitude corajosa frente aos obstáculos da vida, ativando e sustentando todo o empenho de solidariedade e bem-querer, que é, na realidade, o sentido primeiro de tudo o que existe. Não se pode esquecer que o desenvolvimento integral do ser humano se condiciona a uma atitude de esperança frente aos obstáculos da vida. Percebam: falamos em atitude. Ora, a esperança não se deve traduzir na anulação da realidade material com vistas a uma suposta dimensão mágica, onde não existam problemas ou desafios para serem superados.
Para concluir, não podemos afirmar que a desesperança que se espraia pelo planeta, quando corretamente interpretada, seja inadequada. Com efeito, ousamos afirmar que ela pode ser uma expressão sincera do anseio de justiça e de paz que nos aflige a todos.
O realismo, conquistado pela percepção espiritualista, encara os processos de desespero ou desesperança sob o enfoque da esperança maior de que todos os fenômenos, em última análise, concorrem para a promoção de um processo de aprendizagem, que tende a ser ilimitado pela própria natureza da vida.
Muito Obrigado!