Há pessoas – e não são poucas – que acreditam que o sofrimento gerado pela separação física dos entes queridos, sobretudo quando essa ruptura se dá com pessoas jovens ou mesmo de maneira abrupta, não é passível de compreensão, sendo preciso suportar irremediavelmente seu efeito dilacerante e mordaz, uma vez que nenhuma resposta teórica, segundo suas ideias, seria capaz de ultrapassar a dor.
Realmente, interpretações superficiais, frases descontextualizadas, ideias vazias e clichês desgastados não permitem o desenvolvimento de reflexões construtivas e consoladoras. Contudo, quando uma pessoa está imersa em profunda angústia, mas consegue manter-se lúcida, ela busca compreender as razões de tal situação. Por que aconteceu comigo? Qual é o motivo? Que farei agora?
Há muitas visões sobre como deve reagir a pessoa que vê interrompida a jornada de um ente querido. Não pretendemos defender uma possibilidade com a exclusão das demais. O que nos propomos é examinar o tema, utilizando-nos de um largo critério de imparcialidade, a fim de demonstrar a legitimidade e o valor de uma reflexão espiritualizada e escoimada de sentimentalismo, que seja livre de qualquer impulso mítico que mormente contribua para a desfiguração da verdadeira face da espiritualidade.
Sem dúvida, a notícia da morte de um ser humano que nos é próximo é, independentemente das circunstâncias, sempre motivo de abatimento e dor. Sabemos não haver angústia mais cruciante que a da pessoa que se vê impedida de continuar convivendo com quem considera e ama.
De tempos em tempos, a mente daqueles que ficam se vê penetrada por imagens, recordações, emoções e sentimentos que a dor desperta com renovada acuidade, promovendo esgotamento que acabrunha e deprime. Como deve ser penoso para um pai e uma mãe que perdeu seu jovem filho traduzir exatamente o que pensa e sente; fazer compreender o ponto em que se encontra, no torvelinho dos sentimentos que os absorve! Dificílima é a aceitação dessa tragédia; contudo, impossível ela será se faltarem o conhecimento e a certeza da imortalidade da alma, como nos ensina o Racionalismo Cristão.
A par desta inescapável necessidade de ampliação dos sentidos, emerge concomitantemente o despertar para a espiritualidade. É, portanto, num campo que transcende a realidade física que o ser humano que se aflige deve buscar os subsídios necessários para o enfrentamento da dor que transborda e excede sua capacidade de expressão. Faltando a espiritualidade, a personalidade se esfacela e as convicções outrora pretensiosas correm o risco de serem arrastadas como tênue palha.
O ser humano que, mesmo nos momentos de grande desalento e de desértica melancolia, se mantém confiante e consciente da transitoriedade da existência terrena prova que é capaz de assimilar as lições que a vida fornece a todo momento.
Sendo tão intensa a vulnerabilidade emocional do ser humano, que tem por baliza os reduzidos aspectos materiais, impõe-se como indispensável a reafirmação de que o progresso na vivência espiritualista se dá com a conquista das virtudes, dentre elas a resiliência, também com o direcionamento nobre das faculdades e com o empenho no desenvolvimento das qualidades latentes que todos possuem.
A abertura para o transcendente, o contato com a realidade maior que tudo interpenetra e sustenta permitem o influxo de ideias que criam poderosas motivações capazes de aceitar com dignidade os mais íngremes obstáculos e preencher a dificílima separação física.
O sofrimento traz consigo o aprendizado, proporciona maturidade e, quando compreendido à luz da espiritualidade, torna-se fecundo e transformador, ensejando o desenvolvimento da maior de todas as virtudes: a humildade, força impulsiva para o bem e alicerce da vida espiritual.
Será a humildade que fará que a pessoa, uma vez superado o momento mais agudo do sofrimento, não perca o que adquiriu por tão alto preço: a maturidade psíquica. Humilde e fortalecido, o ser humano saberá erguer a saudade ao nível da serenidade e sublimá-la com o pensamento elevado.
Sabemos que não bastam a clareza da linguagem culta, a abundância de incentivos externos e o carisma da mensagem sincera e terna no processo de superação e adaptação daqueles que estão abatidos pela separação de seus entes tão estimados. Sobre todos esses valiosos aspectos e dignos recursos, é preciso força de vontade, firmeza de caráter e disposição férrea para não se deixar levar pela imprudência e dominar-se pela angústia.
É por essas razões que insistimos na necessidade da espiritualidade, pois, como dissemos anteriormente, sem ela a personalidade se esfacela e, acrescentamos agora, os projetos mais promissores se esvanecem, a saúde se deteriora, a vida perde o sentido. A espiritualidade é um dos caminhos mais importantes e significativos para as famílias enlutadas, porquanto oferece sentido para a finitude da existência humana.
Em alguns momentos menos felizes, sentir-se-ão eventualmente desestimulados a insistir no caminho reto da espiritualidade com base nos valores racionalistas cristãos os que experimentam a dor da perda; todavia, lançarão mão dos valiosos atributos que lhes são próprios e das memórias das inúmeras superações que, consciente ou inconscientemente, armazenaram em suas mentes. Esses poderosos instrumentos lhes permitirão crescer diante das dificuldades, vislumbrar os obstáculos como alavancas de progresso moral, proclamar com vigor a eternidade da vida, lembrando-se com carinho e respeito daqueles que, mesmo não estando com eles fisicamente, nunca deixarão de estar próximos. Ora, o mesmo amor que une, completa e eleva também permite o despojamento, a liberdade e o desapego, justamente para que seus laços sejam consolidados cada vez mais. O amor sempre oferece caminhos para recomeçar.
Muito Obrigado!