O ser humano é tão profundamente afetado pelas ideias com que se afina, pelos sentimentos que nutre, pelas emoções com que se apraz, que esse conjunto abstrato, cuja mola propulsora é o pensamento, deve ser considerado como um dos fatores que conferem à vida os traços que a distinguem.
É efetivamente pelo pensamento que a pessoa estabelece os parâmetros que, no campo de suas interações, a fazem ser autêntica ou fantasiosa, verdadeira ou falsa, condicionando, por isso, em grande proporção, seu processo de amadurecimento psíquico e sua inserção positiva na sociedade.
Entendemos que a acuidade, a atenção, o entendimento, a vigilância e o senso crítico capaz de diferenciar o ilusório do real são corolários do desenvolvimento legítimo da personalidade segundo critérios espiritualistas racionais e elevados que permitem, por seu turno, enxergar os fatos e fenômenos da atualidade, banais e exteriores, confusos e imperfeitos, com nítida claridade e com acurada percepção.
Sendo tão grande a disseminação da mentira e, em consequência, tão indispensáveis a atenção e o discernimento, a conquista e o progresso nessas faculdades devem ocupar posição de destaque na agenda do estudioso da espiritualidade proposta pelo Racionalismo Cristão.
A necessidade constante e irrenunciável de se distinguir o falso do verdadeiro, de se separar o joio do trigo pode não parecer ao ser humano contemporâneo cheio de si e desligado das questões transcendentes um imperativo da máxima importância, pelo menos em um primeiro momento. Contudo, uma análise mais refletida e abrangente e uma investigação mais aguda mostrarão a relação entre a capacidade de discernir o certo do errado e uma vida harmônica e relativamente feliz.
Diante das dúvidas crônicas, das situações complexas, lancinantes e insidiosas, deve a pessoa ser firme, nunca perdendo a razão, encarando os fatos com a serenidade profunda e a paz interior que brotam da vivência da espiritualidade, a qual faz calar em si todas as vozes do engano, do erro, da farsa, da calúnia e da difamação.
Ao dizer da necessidade de reflexão antes da tomada de decisões, ao insistir sobre o valor do discernimento no comparar das inúmeras possibilidades com que o ser humano se depara no dia a dia, estamos fazendo referência à importância da prudência, sem, contudo, deixar de observar que esta não deve servir de pano de fundo para a procrastinação, isto é, de desculpa para o adiamento de decisões.
Não estamos com isso renegando a significação e o alcance da atitude prudente, e sim defendendo o sentido prático da reflexão atenta, comedida e ativa que é alimentada pela seiva intuitiva do pensamento elevado e proporciona uma rápida e acertada tomada de decisões. A indecisão, por outro lado, é a grande inimiga do progresso nas virtudes, na medida em que impede o ser humano de alcançar a plenitude a que aspira, retendo-o nas malhas do medo e da estagnação.
Quanto mais o ser humano se dedicar à ampliação de suas qualidades e ao desenvolvimento de seus atributos, tanto melhor saberá agir diante dos casos concretos, pois suas atitudes espelharão os conteúdos retos ditados por sua consciência. Na sociedade, todos devem realizar suas funções de forma responsável e respeitosa, certos da enorme influência que podem exercer, quer no âmbito familiar, quer em seu círculo de trabalho.
Segue-se daí que a faculdade de manter-se atento frente aos incontáveis desafios da vida não se baseia em uma fórmula pronta, mas no firme propósito de espiritualização, de ampliação dos sentidos, de burilamento da personalidade. Seria ingênuo e inconsequente pensar que, somente com argumentos baseados na captação da realidade pelos sentidos físicos, o ser humano possa obter respostas aos complexos problemas e dramas da existência humana.
A mentira tramada com o propósito de lesar o próximo, tirar-lhe vantagens monetárias ou de qualquer outro tipo, enfim, prejudicá-lo é fonte manancial de inúmeros gestos viciosos, receptáculo de tantos males, companheira da soberba e da falsidade. Com efeito, só quem fechar os olhos diante da experiência e da história poderá negar suas terríveis consequências.
Por outro lado, algumas pessoas mentem constrangidas pelos impositivos da emotividade, sendo vítimas de si mesmas, de sua imensa sensibilidade, de sua falta de autocontrole. Dolorosamente oprimidas pela realidade que buscam simular, sofrem e desgastam-se, em flagrante anulação de sua própria personalidade; utilizam-se de subterfúgios para erguer barreiras entre si mesmas e a realidade que as incomoda. As pessoas que estão imersas nesse contexto negativo precisam de ajuda, e não de quem lhes aponte o erro.
A pergunta que se impõe é, pois, a seguinte: como manter-se vigilante em relação à mentira? Poder-se-iam encher páginas e páginas com explicações e sugestões. Todavia, a questão não pode ser compreendida de forma fracionada e superficial, devendo ser analisada pelo prisma integrador da espiritualidade, que não admite espaço para o sentimentalismo estéril e para a especulação leviana.
Afirmamos convictamente que o esclarecimento espiritual proporcionado pelo Racionalismo Cristão e a conduta ética por ele recomendada, compõem o veículo privilegiado do discernimento e, nesse sentido, devem ocupar posição de destaque em nossas vidas. Ao esclarecer-se acerca da transcendência da vida e conduzir-se, consequentemente, de modo digno e respeitoso, o ser humano permite que a luz se faça em seu espírito, atribuindo-lhe a faculdade de reconhecer a mentira e afastá-la de si, sem jamais, contudo, apontar, censurar ou condenar o mentiroso, mas muito pelo contrário: ajudá-lo-á com sua irradiação amiga e benfazeja, quando não for possível uma orientação mais próxima e fraterna.
Muito Obrigado!