Davi e Golias. Cabe perguntar: quem é quem?

Desde a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), no final da Segunda Guerra Mundial, os Governos brasileiros tentam dar ao país assento entre os mais nobres da corte, os efetivos do Conselho de Segurança, hoje integrado por Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido. O Brasil só alcançou, porém, lugar entre os membros rotativos desse conselho, ao lado de Albânia, Emirados Árabes Unidos, Equador, Gabão, Gana, Japão, Malta, Moçambique e Suíça, e o preside.

Por que tratar agora de uma questão que vinha sendo levada em banho-maria, embora a diplomacia brasileira jamais tenha desistido da reivindicação nacional: integrar o grupo dos cinco. Agora, no entanto, um fato novo sacode os brios do presidente do Brasil e chega às ínfimas camadas sociais interessadas em assuntos políticos.

Como a proposta brasileira formulada num texto que condenava os ataques do Hamas e exigia de Israel o fim do bloqueio à Faixa de Gaza, medidas para atenuar a barbárie do confronto e resguardar a vida de milhares de civis expostos aos bombardeios foi vetada pelos Estados Unidos, após haver recebido 12 votos favoráveis entre os membros rotativos do Conselho, o presidente saiu em campo, comprando em nome do Brasil uma briga com os membros efetivos do Conselho de Segurança ao propor o fim do direito de veto. Disse que esse poder não é democrático mas, na verdade, uma loucura, e sugeriu que, em caso de dúvida, respeite-se o voto, a maioria ganha e cumpre-se.

Quem é o Davi? O Brasil, naturalmente fortalecido por todas as nações preteridas? Ou os cinco países que desfrutam desse ilimitado e vergonhoso poder de veto que pode favorecer ou frustrar interesses das demais nações em benefício de seus próprios interesses? Será um desses o Golias? A história ou a lenda nos conta o resultado do confronto entre esses dois personagens, míticos ou não.

Se nada de positivo que se possa registrar fez o nosso presidente, devemos aplaudi-lo ao menos pela corajosa fala que, com certeza, ecoou mundo afora e deu azo a profunda análise e avaliação da diplomacia das nações que não concordam com esse regime discricionário e antidemocrático da ONU, mas que se submetem sem levantar a voz, sem lançar argumentações. Algumas até se acovardam e se submetem por questões econômicas, à espera de uma ajudinha aqui, outra ali, outras preferem não mexer em casa de marimbondo por temer o poderio bélico de um ou outro vizinho, e permanecem acomodadas no velho “deixa ficar para ver como é que fica”. O Brasil, não; foi corajoso. O grito de protesto e alerta vai resultar em alguma coisa de imediato? Óbvio que não, mas a médio e longo prazos essa e outras fisgadas vão atingir e amansar a fera. Qual nação abriria mão de seu privilégio no grupo dos cinco ou seria afastada dele? Importante é que o Brasil exige o que é seu direito e de todas as demais nações. Talvez a rotatividade no Conselho de Segurança, ainda que se mantendo o poder de veto, seja uma solução transitória em direção à abolição da prática abusiva dos cinco países que se autoproclamaram donos do mundo, sob o manto de um órgão que, parece, está perdendo o rumo por causa dos moldes em que está montado.

A proposta brasileira caiu no esquecimento, a guerra continua com seus horrores, mas a denúncia do presidente do Brasil de que a ONU é uma instituição antidemocrática e precisa mudar seu funcionamento ainda ressoa aos quatro cantos do mundo.