Parada, em pé, à sombra de frondosa árvore, numa praça pública, encontra-se uma formosa mulher. Embevecida nos próprios pensamentos, alheia a tudo e a todos, ela mantém os olhos fitos no chão. Não olha para ninguém, não se importa com este ou aquele. Entretanto, os frequentadores da praça ou os que estão passando por ali contemplam-na e a admiram. Sua beleza atrai todos os olhares, emociona a todos e gera pensamentos em todos os espíritos. “Tal é a natureza da beleza de Deus. Sem ser movido, produz movimento dentro de todos nós por ser amado.”
Alheio a tudo e a todos. Conforme Aristóteles, assim como essa bela mulher, alheia ali a tudo e a todos, não obstante todos interessarem-se por ela, Deus também não se interessa pelo mundo, apesar de o mundo interessar-se por Deus. Interessar-se pelo mundo, argumenta nosso filósofo, é ser imperfeito, pois significa sujeitar-se a emoções, deixar-se mover por preces, pedidos ou imprecações e até chegar a ponto de modificar o próprio espírito, em virtude das ações, desejos ou pensamentos alheios. Mas Deus, ser imutável e perfeito, não é movido por paixão. Move o mundo como um amante move o objeto amado.
Deus não criou o mundo. Criar também é coisa de seres imperfeitos. Aliás, a Matéria Universal, admite o Estagirita, coexiste com Deus desde sempre. Como ele, não teve princípio nem terá fim. Portanto, deduz Aristóteles, se ambos são eternos, Deus não pode ter criado a Matéria.
Para Aristóteles, todo criador é um sonhador e, como tal, um ser insatisfeito que deseja alguma coisa que não existe. Criar é uma busca da felicidade por parte de quem não está feliz. Desse modo, o criador é um ente imperfeito que almeja a perfeição. Ora, Deus é perfeito, não podendo, por isso, ser insatisfeito ou infeliz.
Assim, a ação do Deus aristotélico sobre o mundo não pode ser a de um Criador, tampouco a de uma Providência. Esse Motor Imóvel atrai todas as coisas, e para tanto não se faz necessário senão o poder atrativo de sua perfeição.
O retrato desse Deus nada tem a ver, portanto, com o daquele místico “Senhor” adorado pelas religiões e seitas ditas cristãs, professadas no Ocidente. O Deus aristotélico, diz um historiador, fica a um mundo de distância das deidades corpóreas, à semelhança, por exemplo, do bíblico Jeová e do manso e solícito “Pai Celestial”, o Deus cristão e dos poetas. A esta altura nosso filósofo questiona-se: uma vez que a Matéria Universal é eterna, isso necessariamente implica que o movimento do Universo também não teve princípio nem há de ter fim?
Velho quebra-cabeça. Trata-se, na verdade, diz o mestre, de velho quebra-cabeça. Mas ele não admite a probabilidade de não ter havido princípio. Na sua opinião, o movimento da Matéria Universal teve, sim, uma origem. Entretanto, como e quando se deu a largada dessa corrida universal (com princípio, mas sem fim), através do Espaço infinito? E como, afinal, resolver esse velho quebra-cabeça?
Primeiro motor. A resposta de Aristóteles a tais indagações é que deve haver um Primeiro Motor, um Motor Imóvel, um ser incorpóreo, imaterial, perfeito e eterno – Deus, ou Bem Supremo.
O Deus da metafísica aristotélica, Motor não Movido ou Causa não Criada de todo movimento, já foi comparado, por exemplo, à “Energia Primeira” dos cientistas, à “Energia Mística” da física e da filosofia modernas, ao “Actus Purus” (Ato Puro) da Escolástica, e até ao rei inglês ou roi-fainéant (reina, mas não governa).
Como fecho deste artigo, deixo aqui esta breve citação extraída dos escritos metafísicos de Aristóteles (séc IV a.C.): “Nenhuma realidade tem valor, nem mesmo existência verdadeira, senão pela participação no Bem Supremo. Todos os seres têm, assim, algo de ‘divino’”.