Educação, mostra-me o que tu fazes

 A sabedoria popular tem muito a nos ensinar. Ela se propaga pela tradição oral e reflete um saber coletivo inconscientemente conhecido e compartilhado pelas pessoas quando aborda um tema, um assunto específico ou uma impressão geral.

“Diga-me com quem andas que eu te direi quem és” é um exemplo. Indica a possibilidade de admitir como provável ou possível a índole de alguém, sua maneira de agir ou de estar no mundo a partir do grupo de indivíduos com quem frequentemente convive, ou seja, a partir de suas companhias. Neste tema específico, o que a sabedoria popular está nos dizendo é que semelhante atrai semelhante. Daí a possibilidade de perceber ou conjecturar sobre o temperamento e a feição moral de um indivíduo a partir das características do grupo de pessoas com quem ele habitualmente se relaciona. É a lei psíquica de atração, ou mesmo a lei das afinidades – duas das naturais e imutáveis que regem o Universo – impressas no inconsciente coletivo e exteriorizada popularmente através de uma sentença.

Vários outros provérbios ou ditos populares poderiam ser mencionados para demonstrar que o saber, o compreender e o sentir estão presentes no ambiente fluídico ou psíquico da Terra e circulam entre as pessoas por correntes de pensamentos, de sentimentos e de intenções. Neste sentido, o ditado popular seria a síntese do que se sabe ou é aceito intuitivamente como verdade sem a necessidade de grandes análises teóricas ou proposições acadêmicas. “O homem é senhor do que pensa e escravo do que fala” e “Filho de peixe peixinho é” estão entre tantos outros que poderiam ser mencionados.

Com base em dois conceitos relacionados com o tema educação, vamos propor, a partir do que se entende por sabedoria popular, uma possibilidade de entendimento sobre o que quer dizer educar. Nossa apresentação terá como estrutura o significado de duas palavras que estão na natureza do processo educativo, que são “exemplo” e “introduzir”. “Exemplo” é autoexplicativo e não precisa de abordagens mais aprofundadas. Temos entretanto que alertar ao leitor que o exemplo gera e está na base da imitação. Para acompanhar nosso raciocínio, mantenha em destaque essas palavras: exemplo e imitação.

Antes, porém, de quaisquer argumentos mais específicos sobre o processo de educação, é fundamental termos noção do sentido da palavra educar. Para isso, vem ao nosso auxílio a parte da gramática que estuda a origem e formação das palavras – a etimologia. Em consulta a sites de dicionários etimológicos disponíveis na internet, observamos que a origem da palavra educar vem do latim educare, educere, que significa literalmente conduzir para fora ou direcionar para fora e que o significado da expressão “direcionar para fora” era empregado no sentido de preparar as pessoas para o mundo e viver em sociedade, ou seja, conduzi-las para fora de si mesmas, de seus impulsos intemperados e para mostrar as diferenças que existem no mundo e saber conviver com elas.

Com base nas origens da palavra, evidencia-se que educar significa conduzir, lapidar, moldar a feição moral de uma criança para que seu caráter se adapte de maneira adequada à convivência harmônica com o semelhante, com a sociedade. Reconhecemos, entretanto, que a educação não se restringe apenas aos anos iniciais da vida, mas forçoso é admitir que este é o período mais apropriado para que valores e princípios morais sejam introduzidos na mente da criança. Já diz o ditado popular que ensinar a criança é como gravar em mármore, querendo isto dizer que o que é gravado em mármore nunca se apaga, nunca se perde, diferentemente do que se escreve sobre areia.

Toda criança tem sede de aprendizado. Quer saber como o mundo funciona. A infância é o período da vida em que a curiosidade está aguçada e o menino ou menina solicitam explicações, observam e absorvem os exemplos dos adultos. A criança quer aprender. Quer saber como as coisas funcionam e por que são como são. Tão evidente é esta afirmação que quem convive ou já conviveu com alguma criança – e tem atenção direcionada às suas necessidades –, percebe que elas querem saber de tudo. “Por que” e “como” são expressões correntes e constantes na boca dos infantes: “Por que isso é assim?’’, “Por que ele fez isso?”, “Por que a chuva é salgada?”, “Como o avião voa? Por que ele cai?”, “Por que o barco não afunda?”, “Quem acendeu o sol?”. Quem nunca ouviu perguntas como essas? São perguntas inocentes que demonstram a necessidade que toda criança tem de aprender sobre tudo que está em seu mundo.

 A educação se dá por palavras, pela fala, por orientações, pelas respostas às curiosidades verbalizadas. Mas educar não se reduz apenas ao falar. Educar é decisão e tarefa que se alarga a fronteiras mais extensas e mais profundas do que as palavras proporcionam. Na base da educação, como a parte profunda de um iceberg, estão os exemplos. Eles funcionam na mente, na percepção, na compreensão da criança como condutores de normas e de comportamentos, de valores e de atitudes não verbalizadas mas ensinadas. Os exemplos transmitem, direcionam, conduzem a criança no caminho que dá início ao molde do seu caráter, como gravações feitas, silenciosamente, nos mármores do subconsciente.

Na realidade do mundo atual – diremos também dos tempos passados – poucos são aqueles que se importam com o comportamento que rotineiramente demonstram às crianças. Por negligência ou por falta de conhecimento, pensam que elas não percebem o que eles fazem. Ledo engano. Não só percebem como interpretam e aceitam como verdades, como padrões de comportamentos aceitáveis a serem imitados.

Muito bem, já tratamos dos exemplos. Para a palavra introduzir, vemos o seguinte: “Significa literalmente ‘levar para dentro’, e é proveniente do latim introducere, composto de intro (dentro) + ducere (conduzir, levar). É interessante observar que os sentidos predominantes da palavra introduce em inglês são os de ‘usar pela primeira vez’, e ‘apresentar ou ser apresentado a alguém’, ou seja, ser levado a conhecer por dentro algo ou alguém. O verbo ducere do latim também deu origem às palavras duct (duto), duke (duque), educate (educar), produce (produzir) etc. (https://www.dicionarioetimologico.com.br/introduzir/).

É oportuno notar que é parte inerente do processo educativo o saber dizer não. Vemos aqui o sentido de introduzir como o ato de conduzir para dentro as limitações que as normas sociais impõem. “Não, isso não se faz!” Os pais conscientes de seus deveres como condutores de almas têm a certeza, e dela não abrem mão, de que educar significa, também, conduzir através de proibições. Direcionar as normas sociais “para dentro” da criança faz parte do processo. “Não, isso não se faz!” Quando bem empregado no momento certo, na medida adequada e de acordo com o que o momento exige, uma proibição não traumatiza. Ao contrário, introduz no subconsciente da criança a semente da maturidade. Por isso, saber dizer não é fundamental no processo educativo.

O leitor mais atento percebeu a relação etimológica entre educar e introduzir enlaçada pelo termo latino ducere, que significa exatamente: levar, conduzir, direcionar. E-ducere, (educar) levar para fora e intro-ducere, (introduzir) levar para dentro. Mas qual a relação entre educação, “direcionar para fora” e “direcionar para dentro”, pois ambos os direcionamentos indicam situações opostas? Indicam? Atuam ao mesmo tempo em direções opostas, para dentro e para fora? Vejamos!

Educar é via de mão dupla. Conduzir para fora está relacionado com o levar a criança para fora de si mesma, no sentido de conduzi-la à realidade contida no mundo exterior, fato que a faz perceber aos poucos que “seu mundo interior” de fantasias, de imaginações, de doçura e pureza infantis – mas também do egocentrismo que a faz pensar e sentir que todas as suas vontades devem ser atendidas indiscriminadamente à hora que exigir – não tem correspondência exata com o “mundo real”. Este processo é lento, deve ser contínuo e, quando bem conduzido, tornará o adulto que sairá da criança um ser consciente de si mesmo como condutor de seus atos, da sua vontade e do seu livre-arbítrio, bem como das diferenças em relação aos outros, do respeito que a todos é devido, das normas sociais a que está condicionado, de valores compartilhados, enfim, da forma apropriada de estar no mundo e de conviver em sociedade.

Ok! E a sabedoria popular, onde entra nessa história? A sabedoria popular dá forma ao conhecimento acadêmico de maneira espontânea e sem grandes formulações teóricas, sintetizando o que perpassa o processo educativo de forma simples e indicando intuitivamente que a feição moral de uma pessoa a partir da educação que recebeu pode ser dita em uma sentença de fácil compreensão. Entra pelo exemplo, pelo conduzir para dentro e pelo conduzir para fora, e ao mesmo tempo faz notar que não há como indicar uma separação nítida entre “exemplo”, “conduzir para dentro” e “conduzir para fora.” São todos fatores dinâmicos, flutuantes e inter relacionados, portanto não estáticos, que atuam em conjunto no processo educativo. Tais distinções e definições que impõem limites estão mais afeitas às elaborações acadêmicas. Não que o conhecimento acadêmico não seja importante, mas não é o foco para o que abordamos agora. A propósito disso, é fundamental reconhecer que também existe via de mão dupla entre teorias acadêmicas e realidade observada. Ambos se retroalimentam.

Finalmente, faremos referência ao título do artigo com o que certamente pode ser inferido ou aceito como uma verdade inscrita no inconsciente coletivo e compartilhada por aqueles que raciocinam e se dão ao trabalho de conduzir almas neste mundo de escolaridade com uma sentença, à maneira de ditado ou de sabedoria popular, relacionada a educação das crianças: “Mostra-me o que fazes que eu te imitarei.”