Com o toque de gracejo nato nos franceses, o autor Sébastien Broca repassa, no Diplo, historinha protagonizada como “experiência surrealista” e contada, na íntegra, em artigo posterior (Logic Magazine, Oil is the New Data). Engenheiro da Microsoft, Xis foi enviado a um seminário em Atyrau, Cazaquistão, local de exploração petrolífera, a cargo da Chevron. Tema: meios de aumentar a eficiência da indústria, usando as tecnologias da cloud computing. O porquê: em 2017, a Chevron assinara com a Microsoft uma parceria de sete anos para a prestação de serviços a distância – armazenar e analisar o Everest de dados crescendo a cada dia. Mas o engenheiro constatou, com surpresa, que os diretores pouco ou nada compreendiam do jargão tecnológico. E, mais surpresa, as indagações voltavam-se à ideia de instalar dispositivos de vigilância sofisticados, para detectar comportamentos suspeitos dentre os trabalhadores e, mesmo, analisar seus correios eletrônicos pessoais.
Esse o estado de espírito do mundo. Desconfiança e vigilância. Envolvem os dois lados, agora iguais, da mesma moeda com que se repensa a segurança e seu corolário – qualidade. Vale para instituições, fornecedores e distribuidores, e consumidor seja lá do que for, agora temeroso. Na pregação da qualidade, o triângulo energia promete: sistema sustentável, de acesso a recursos disponíveis – e seguro. Mas o que seria comercialmente viável (e para quem?), no portfólio global?
Lembram os analistas americanos Erik R. Peterson e Rachel A. Posner o imprevisto de fatores exógenos (verão boreal 2008) incidindo nos mercados: pico nos preços dos alimentos, aumento nos preços do petróleo, secas afligindo várias regiões do mundo, simultaneamente. Aflorou, então, o papel de outro recurso natural, a água, sine qua non das políticas sanitárias. A suscetível cadeia da água/energia elétrica fica mais sensível frente ao desafio sanitário e consumo de baixo carbono. Sem esperar o sinal verde, algumas das grandes multi deram a largada há anos. Quem sabe faz a hora… Uma das top tem projeto de décadas junto às fontes de água potável por aí afora, não bastasse o assenhoreamento das estâncias minerais brasileiras. Enquanto rios e represas em partilha abrem canais de atrito.
Alguns países sob estresse de escassez vêm recorrendo ao “tomar terras”, por compra ou arrendamento além mar; uma forma de acesso a mais água por meio de alimentos. Tema recorrente, debate na Fundação Fernando Henrique Cardoso, fins de maio, reacende o que sempre se deveria impor: segurança dos alimentos (food safety) e segurança alimentar (food security). Tornaram-se uma preocupação de saúde. De novo um triplo, o paradigma dos ‘3 S’: sustentabilidade, saúde humana, sanidade animal e vegetal. Menção honrosa ao Brasil no debate, como grande produtor e exportador, mas na corda bamba para manter, ao menos, sua atual posição de destaque.
Consenso também entre os debatedores (os economistas Antonio Marcio Buainain e Maria Sylvia Macchione e o engenheiro agrônomo Marcos Jank) é que a globalização sofre apenas um retrocesso. O mundo não tem como prescindir de mercados abertos. Caso contrário, haverá muito mais fome. A experiência dos últimos 30 anos mostra que alguma, ou muita coisa não deu certo; então é mudar o enfoque.
Diálogo posterior – FHC e Manuel Castells – chega a acenar com a ainda utópica ideia de uma economia social de mercado e uma renda básica universal. ”Ninguém parece estar no controle agora”. Palavras de Zygmunt Bauman, em livro de, pasmem, há duas décadas (‘Globalização, Zahar, 1999), que talvez esclareça questão semântica. Não estaríamos buscando a ‘universalização’? A globalização seria a nova desordem mundial, a “selva manufaturada” de Anthony Giddens, em contraste com a ideia universal de produzir uma ordem significando vontade de tornar o mundo melhor.
Nesta fase da Revolução Industrial, busca-se a salvação nos ‘re’: pensar, vitalizar, organizar, ordenar, ajustar, formar, localizar etc. Vale para as organizações e agências mundiais e, por que não, o Mercosul e Itaipu? Ainda de Bauman: “…a fragmentação e o isolamento na base” continuam sendo irmãos gêmeos da globalização “no topo”. Na visão do jornalista Pepe Escobar (‘TV Brasil 247’), as cadeias de abastecimento vêm de se dividir em duas. Uma envolve a Eurásia, África e terras de ceifa na América Latina – que a China estará diligentemente (re)conectando como base de mercado ao longo das Novas Rotas da Seda. A outra: “América do Norte e vassalos ocidentais selecionados”. E a Europa no meio. Em crise de confiança, as instituições multilaterais são convocadas a mudar os processos industriais. Crise de confiança paralela atinge os negócios precursores de investimentos. É o mundo real que se experimenta.
Quando se fala em Revolução Industrial, vem à mente a ideia de algo definido, ou finito. Alguns rememoram descobertas (a máquina a vapor, o tear, as linhas de montagem de 1870, a comunicação elétrica do telégrafo e afins, o petróleo). Outros atêm-se ao mais recente: o desenvolvimento das comunicações (computadores pessoais e internet), em convergência com fontes renováveis de energia, e tudo o que vem de roldão. Um eufórico pensador americano, Jeremy Rifkin, alça o hidrogênio ao zênite de “combustível eterno”. “Será o primeiro regime energético verdadeiramente democrático da história”.
Impossível, assim, precisar quando, exatamente, começa a Revolução Industrial. O certo, porém, é que nunca acaba. Atores, o palco (re)abre-se de ponta a ponta. Uns saíram, outros entraram, os ambiciosos espreitam, encenando a mensagem – experimentar é preciso. O espetáculo continua.