Expandindo a consciência para lidar com a complexidade

Um pesquisador europeu do começo do século XX estava nos Estados Unidos e chegou a um território dos índios Hopi. Ele tinha pedido que alguém daquela aldeia facilitasse o encontro dele com uma anciã que ele queria entrevistar. Quando foi encontrá-la, ela estava parada perto de uma rocha. O pesquisador ficou esperando, até que falou: “Ela não vai conversar comigo?”. Ao que seu facilitador respondeu: “Ela está conversando com a irmã dela”. “Mas é uma pedra.” E o camarada disse: “Qual é o problema?”. (Krenac, Ailton, 2019)

Em meu contato diário com jovens estudantes universitários tenho sido procurado, com certa frequência, para orientar a escolha de carreiras. Creio que esse momento da vida se caracteriza, desde sempre, por sentimento de insegurança, uma vez que, culturalmente, somos confrontados pela passagem para a idade adulta, significando um novo caminhar: caminhar “pelas próprias pernas”, com independência. Os pais, familiares, amigos e professores são, nesse estágio da jornada do jovem, importantes elementos de apoio e de orientação, mas é certo que as escolhas são de responsabilidade de cada um, através do exercício do livre-arbítrio.

O mundo é muito mais complexo hoje do que há 40 ou 50 anos, embora como afirmam Sargut e McGrath (2011) o imprevisível, o surpreendente, o inesperado estiveram sempre presentes na prática diária dos humanos. À época tinha-se a impressão de que esses elementos afetavam apenas os grandes sistemas empresariais ou políticos.

Qualquer pessoa com mais de 50 anos, é capaz de olhar para o passado e reconhecer que já viveu de uma forma mais despojada, com menos recursos e com mais tempo para realizar seus planos. Em 1940, por exemplo, apenas 31,2% da população brasileira viviam no setor urbano, ou seja, a maior parte dos brasileiros vivia o ritmo de vida demandado pelo campo, pelo setor rural, onde o conceito de viver bem, de possuir uma boa vida, era ter um pedaço de chão para plantar, constituir uma família e criar filhos com saúde. Parecia que o tempo caminhava mais devagar e o futuro era previsível, baseado apenas nos conhecimentos e experiências vividas no passado.

Dados de outubro de 2017 (Embrapa e Nasa/EUA) mostram que menos de 20% da população brasileira vive no campo. As áreas consideradas urbanas no Brasil representam menos de 1% do território nacional (0,63%) e concentram 190,7 milhões de pessoas, ou seja, 84,3% da população brasileira.

A complexidade deixou de ser algo pertencente apenas aos grandes centros e às altas esferas de poder. A evolução humana através do conhecimento e sem dúvida da revolução tecnológica, descortinou uma realidade que não condiz mais com algumas “verdades” e percepções que aprendemos no passado. O ambiente ao qual estamos submetidos hoje é de alta complexidade, onde a palavra de ordem é interdependência. O mundo aparentemente previsível ruiu, derreteu como gelo exposto ao sol.

Nesse emaranhado de transformações as profissões têm sido afetadas tanto na forma como no conteúdo. Algumas poderão ser eliminadas ou substituídas em futuro breve, atendendo novas demandas sociais ou culturais. A tecnologia é outro elemento de grande impacto na formação dos novos profissionais, haja vista o crescimento significativo da inteligência artificial, redefinindo a relação entre o homem e o trabalho. As instituições de ensino que já vinham tendo problemas com a formação de profissionais baseadas nas demandas do mercado, vivem momentos de turbulência. O que fazer? Como fazer?

É muito mais difícil fazer previsões para o funcionamento de ambientes que agem totalmente interconectados, pois a quantidade de variáveis intervenientes é superlativa, e a interação entre elas ocorre de forma inesperada, imprevisível. O passado já não serve de base para se prospectar o futuro. As médias, medianas e modas utilizadas nos estudos estatísticos não respondem mais às nossas perguntas, mesmo as mais fundamentais. Elementos atípicos, aqueles que em nossos estudos e reflexões consideramos “pontos fora da curva”, podem ser muito mais importantes do que as médias utilizadas para a tomada de decisão com relação aos problemas do cotidiano.

Quando nos referimos a sistemas, ambientes simples estamos considerando aqueles com poucas interações e de alta previsibilidade. De acordo com Nei Grando (2013) o contexto simples é o domínio das melhores práticas, no qual a relação entre causa e efeito é evidente para todos, sendo caracterizado pela estabilidade. Nesse contexto a abordagem utilizada para resolução de problemas é: sentir (entender), categorizar (escolher a alternativa com base em protocolos e/ou procedimentos) e responder.

O ambiente complexo possui aspectos que podem operar de forma padronizada, mas cuja interação está continuamente mudando. O ambiente categorizado como complexo possui uma multiplicidade de elementos potencialmente interagindo; esses elementos atuam de forma interdependente, o que define o grau de conexão entre eles; outra característica é a diversidade entre os elementos que compõem o sistema complexo, sua heterogeneidade. Quanto maior a multiplicidade, a interdependência e a diversidade, maior será a complexidade do ambiente.

O contexto complexo é o domínio da emergência, no qual as relações entre causa e efeito só podem ser percebidas através do espelho retrovisor, não antes. Nesse contexto, é impossível descobrir uma resposta certa para as nossas questões. A abordagem adotada é: sondar, examinar, aprofundar (probe), sentir (entender) e responder. Aqui o desconhecido predomina sobre o conhecido, o que exige levantamento de fatos antes da tomada de decisão, visando a minimizar a imprevisibilidade. É preciso entender o todo, as partes que o compõem, bem como as relações existentes entre as partes e de cada parte com o todo. A complexidade do ambiente que enfrentamos no dia a dia traz consequências involuntárias: seus elementos interagem sem que ninguém tenha planejado; a somatória de elementos isolados provoca colapsos estruturais; políticas e procedimentos vigentes se mostram anacrônicos, inconsistentes com a realidade.

Observe-se a revolução que a humanidade está enfrentando neste início do século XXI:  uma pandemia provocada por um minúsculo e invisível ser, cujas consequências não faziam parte dos planos das diferentes nações e muito menos dos planos da Organização Mundial de Saúde; crises políticas, éticas, de corrupção, entre outras, provocando um colapso sanitário mundial; soluções sanitárias baseadas em melhores práticas, quando essas práticas já há muito não atendem à realidade vigente.

É verdade que não existem soluções fáceis para problemas dessa natureza, mas tem-se a convicção de que elas fluem por meio do desenvolvimento e da prática do pensamento humano. Em 1910, 40 anos antes da ciência ter trazido à luz o conhecimento sobre a Teoria dos Sistemas, Luiz de Mattos descreveu o saber pensar complexo como uma vibração do espírito, que envolve a capacidade de concentração de cada um, permitindo-se, ao mesmo tempo, a exploração do problema através de diferentes perspectivas, envolvendo a multiplicidade de aspectos e variáveis intervenientes. O pensamento envolve rigoroso controle sobre si próprio para impedir que desejos, interesses e simpatias, possam interferir em sua vibração.

Para sermos úteis ao Todo Universal é fundamental que o nosso pensamento seja límpido, cristalino e livre dos desvios espirituais ocasionados pelo viver sem método, dominado pela egolatria e suposta infalibilidade das próprias opiniões que conduzem ao fanatismo das ideias fixas.

O pensar sistêmico, conectado às leis que regem o Universo, amplia a percepção sobre as questões que nos são impostas neste mundo, servindo de base para o enfrentamento do dilema das escolhas. A limpeza psíquica realizada com frequência é fundamental para que nos sintamos suficientemente equilibrados, fortificados na condução do barco que navega o mar da complexidade. A serenidade do espírito e a firmeza de pensamento são elementos que nos conectam com as correntes fluídicas positivas, e que potencializam a nossa capacidade de dar solução para os problemas, sejam eles simples ou complexos.

A ausência de consciência da complexidade do Universo, bem como das leis naturais que o regem, nos deixam mais vulneráveis à dor e ao sofrimento. Ailton Krenak, indígena pertencente ao povo Krenak, que habita a região do Vale do Rio Doce, assim descreve essa fraqueza espiritual, “sentimo-nos como se estivéssemos soltos num cosmos vazio de sentido e desresponsabilizados de uma ética que possa ser compartilhada, mas sentimos o peso dessa escolha sobre as nossas vidas; somos alertados o tempo todo para as consequências dessas escolhas recentes que fizemos; e se pudermos dar atenção a alguma visão que escape a essa cegueira que estamos vivendo no mundo todo, talvez ela possa abrir a nossa mente para alguma cooperação entre os povos, não para salvar os outros, mas para salvar a nós mesmos.”

A consciência é a grande impulsionadora das utopias, essa busca por um lugar ou estado ideal de felicidade e harmonia entre os seres. Esse estado de consciência serve de farol para iluminar nossos caminhos, orientando-nos para o bem e por consequência para a realização de boas escolhas na vida.  O princípio fundamental da vida no Universo é a evolução, mola propulsora de todas as manifestações de vida que existem e compõem o Todo Universal.

Essa visão de transcendência pode nos ajudar a construir uma sociedade mais igualitária e solidária, com hábitos calcados na simplicidade da vida e numa interação amorosa com a diversidade e a complexidade do Todo Universal.

Aos jovens, atormentados pela multiplicidade de transformações a que estão sujeitos pelos novos paradigmas que ora se apresentam, não tenham medo de escolher seus caminhos, mas preparem-se para esse momento. Busquem dialogar com seus pais, professores e amigos, mas não esperem que estes lhes ofereçam modelos prontos a serem seguidos. O processo dialógico importa para que seja possível trocar ideias e permitir que outros possam fazer o contraponto, ajudar a reflexão, ampliar o conhecimento, reafirmar valores, que sirvam de suporte para o pensamento e a tomada de decisão. Não menos importante, também, é a conversa que necessitamos estabelecer conosco mesmos através da meditação, um mergulho interior com foco no nosso propósito de vida, aquilo que sentimos ser a nossa missão neste planeta e que nos fará úteis ao Todo Universal. Aprendam a escutar o seu “coração”, entendido aqui como figura de linguagem que expressa o seu “eu”. Essa prática concorre para o autoconhecimento, para a expansão da consciência daquilo que somos, seres constituídos por Força e Matéria, uma parcela do Princípio Inteligente, em processo contínuo de evolução.