Felicidade e bem-viver

Amigos, o título “Felicidade e bem-viver” é, sem dúvida, extremamente rico. Se convertermos o conectivo “e” no verbo de ligação “é”, poderemos estabelecer a seguinte pergunta: felicidade é bem-viver? A resposta afirmativa a tal pergunta encontrará receptividade por grande parte da sociedade. Quase todos estão de acordo com ela, pois tanto as pessoas mais simples como as de elevada cultura, tanto as menos afortunadas como as mais abastadas, tanto as que padecem de enfermidades como as que gozam de boa saúde identificam a felicidade com o bem-viver. Ninguém em sã consciência duvidará da felicidade da pessoa que vive bem. 

Há, no entanto, entre os seres humanos divergências quanto ao que seja a felicidade, posto que nem todos a concebem do mesmo modo. É na análise dessas dicotomias e na concepção racionalista cristã de felicidade que desenvolveremos nossa reflexão. 

Embora a conexão entre felicidade e bem-viver seja, de certa forma, evidente para um incontável número de pessoas, não se pode dizer o mesmo sobre o conceito de felicidade. Há que notar que diferem substancialmente os seres materialistas daqueles que entendem a vida em seu aspecto mais amplo e abrangente: os espiritualistas.  

Uns não compreendem a felicidade do mesmo modo que os outros. Os primeiros pensam que seja uma coisa diretamente relacionada com o prazer, a riqueza ou o sucesso. Algumas dessas pessoas também a percebem como a satisfação de uma necessidade, de modo que, para o ser humano que está doente, a felicidade seria a saúde, para a pessoa que está triste, a alegria, e assim por diante. Para o racionalista cristão autêntico, porém, à parte a saúde e a alegria – que são muito úteis e importantes –, existe outro bem que é revigorante, elevado e, ao mesmo tempo, a própria razão da felicidade: a consciência tranquila, a qual não se alcança, diga-se já, sem o cultivo das virtudes.  

A felicidade, analisada por meio da visão ampliativa da espiritualidade divulgada pelo Racionalismo Cristão, apresenta-se intimamente relacionada com o aprimoramento das virtudes.  

As pessoas que não se abrem para a espiritualidade incorrem, muitas vezes, no campo do hiperdimensionamento da felicidade alheia combinado com o fenômeno da autodepreciação; nunca estão satisfeitas com os talentos e bens que possuem, achando que os outros são sempre mais afortunados. A respeito destas, escreveu brilhantemente Montesquieu: “Se quiséssemos ser apenas felizes, isso não seria difícil. Mas como queremos ficar mais felizes do que os outros, é difícil, porque achamos os outros mais felizes do que realmente são.”

Meus amigos, a função fundamental dos estudos em torno da espiritualidade é ampliar horizontes, e é nessa perspectiva que devemos compreender a felicidade hoje e sempre. Tal função é extremamente importante, na medida em que a felicidade, por ser produto da virtude, dá validade a todos os fatos e acontecimentos que vivenciamos. Assim, devemos sempre e com muita humildade meditar sobre sua abrangência. Como regra fundamental, lembramos que, onde não existe empenho no desenvolvimento das virtudes e interesse sincero pelo conhecimento, a experiência humana se torna estéril. 

A natureza espiritual da felicidade é um tema que nos solicita, profundamente, uma reflexão. Para bem notar sua importância, é condição fundamental que o estudioso esteja despojado de preconceitos e parâmetros alicerçados no senso comum.  

É inquestionável que a busca da felicidade implica em profundas transformações no viver humano. Historicamente árduo e desafiador, o processo de amadurecimento ético do ser humano por meio do cultivo das virtudes sempre se traduziu em incomensurável benefício espiritual, acentuado estímulo à prática do bem e considerável progresso no campo moral. 

Neste desfecho, devemos abordar mais uma faceta da questão. Falar de felicidade sem falar de empenho e dedicação direcionados para as disciplinas construtivas da vida, meus amigos, é descambar no terreno da fantasia. A conquista da felicidade implica em capacidade de superação, em reconhecimento das próprias limitações e também na forte vontade de ser útil: “Felicidade é a certeza de que nossa vida não está passando inutilmente”. Quanta sabedoria encontramos nesta frase de Érico Veríssimo. 

Virtude e felicidade formam uma só realidade: desenvolvem-se juntas e juntas dão seus frutos. Esse entendimento faz derivar uma série de ações éticas que devemos praticar sempre, pois a felicidade está precisamente nesse caminhar consciente e ativo; está na primazia dos valores transcendentes, nas coisas mais simples do dia a dia, na perseverança diante das adversidades, na alegria pelo bem alheio. 

A entrega de si mesmo à experiência de ser feliz é sublime: faz, de fato, que em algumas ocasiões o ser humano seja exposto à dor advinda de tantos desafios, mas também permite que ele sinta o declinar dessa dor diante do indescritível bem-estar de uma vida virtuosa. Sejamos felizes e vivamos bem. Isso depende de nós. 

Muito Obrigado!