Gratidão

A postura que deve caracterizar o ser humano perante a vida e seus semelhantes é fundamentalmente a da gratidão e do reconhecimento. Com certeza, o fato de estarmos vivos e de nos encontrarmos em um mundo que não cessa de nos oferecer lições e aprendizados já basta para adotarmos e vivenciarmos intimamente o sublime sentimento de gratidão, sem o qual jamais poderemos cultivar a humildade e a sensatez – colunas que sustentam uma vida digna e íntegra.

Se a manifestação do sentimento de gratidão está interpenetrada de interesses pessoais e mesquinhos, exaure-se o alto valor de seu significado, de modo que ela é descaracterizada e corrompida. Se, por outro lado, a gratidão surge a partir da reflexão e análise dos abundantes mecanismos, internos e externos, que auxiliam o ser humano em sua caminhada por este planeta, é possível contemplá-la no que ela tem de mais significativo e sublime, absorvendo sua positividade e sua força.

Uma percepção de mundo abstraída de qualquer referência à transcendência conduz o ser humano à negação da importância da gratidão. Logo, o materialista se acha autossuficiente, acredita que possui uma vida autônoma e que tudo se reduz à realidade que ele percebe pelos limitados sentidos físicos. É capaz de manifestar somente uma forma superficial de gratidão, que mais se relaciona às boas maneiras, à etiqueta, do que à espiritualidade, que é o que realmente lhe deve dar sentido e fundamento. Despreza ou desconhece a acepção elevada da cooperação e da solidariedade, da fraternidade e da empatia, manifestadas sem segundas intenções.

Sem a compreensão de que possuímos todos uma essência comum, de que estamos interligados e não sobreviveríamos sem a ajuda do outro, como poderemos ser gratos à vida, à família, à sociedade e ao semelhante?

O vínculo que une o ser humano ao sentimento de gratidão é a capacidade de ver além das aparências, de ultrapassar o imediatismo, de abandonar os apelos frenéticos e ruidosos de uma sociedade consumista que valoriza o ter, a aparência e o poder, para penetrar na espiritualidade, que tudo sustenta e revigora.

Como afirmamos em outros escritos, a família é a primeira escola de espiritualidade a que o ser humano tem acesso. Assim, a primeira lição expendida e vivenciada no âmbito do lar é, sem dúvida, o amor entre pais e filhos. É precisamente dessa expressiva dimensão do amor que brota entre eles uma autêntica admiração e gratidão. À luz dessa realidade, é notória a importância da convivência familiar, em que se evidenciam o auxílio mútuo, a renúncia, a abnegação e a afetuosidade – bases geradoras e fomentadoras do sentimento de gratidão.

O que estabelece a singularidade e a amplitude da autocompreensão do ser humano na atualidade, distinguindo-o de forma positiva, é precisamente a tomada de consciência de sua essência, de sua interconexão com os demais seres, de sua criatividade, de sua responsabilidade perante a história, de sua gratidão para com seus ascendentes e todos que na vida o antecederam. Depreende-se daí a razão pela qual os mais atualizados estudos antropológicos se centram menos na ideia de natureza e mais no conceito de cultura, sem se apartar, contudo, da história.

Na verdade, o sentimento de gratidão que brota espontâneo da observação humilde dos esforços de homens e mulheres, sejam nossos pais ou não, que trabalharam e se esforçaram para que hoje gozemos de melhores condições de vida faz com que as relações que estabelecemos com o próximo sejam menos inflexíveis, soberbas, impacientes e exageradas na afirmação do próprio eu.

O ser humano que pretenda aprofundar-se na compreensão de si mesmo e no conhecimento filosófico-espiritualista proposto pelo Racionalismo Cristão, que o torna mais equilibrado e tranquilo, encontrará sua tarefa eriçada de dificuldades, que se tornarão intransponíveis caso ele não reconheça o valor contido na experiência acumulada ao longo das gerações, ou seja, caso ele não lhe seja grato.

Muito Obrigado!