Homenagem póstuma a um incansável divulgador do RC

A Filial Avenida de Holanda do Racionalismo Cristão, Ilha de São Vicente, Cabo Verde, prestou especial homenagem a seu fundador e primeiro dirigente-geral, João Baptista Ferreira Lima, que nasceu 14 de novembro de 1926 e, em 18 de maio de 2017, com a idade de 90 anos, libertou-se do cativeiro da matéria para ingressar na plêiade do Astral Superior.

Ainda muito jovem, o homenageado começou a trabalhar na Secretaria das Obras Públicas do Concelho do Paul. Tornou-se funcionário da Câmara Municipal, onde trabalhou durante 20 anos de forma exemplar. Da Câmara Municipal transitou para os serviços das Alfândegas, inicialmente no posto fiscal do Paul, como fiscal de aguardente, e daí foi transferido para Ponta do Sol para chefiar o Posto de despacho. Muito afeiçoado à mãe, com ela aprendeu a ler e a cultivar os valores morais que norteiam um caráter reto e valoroso. Finda a instrução primária, para continuar os estudos oficiais, teria que sair de casa dos pais e ficar hospedado na Ilha de São Vicente.

Ainda que dedicado a suas atividades profissionais, encontrou tempo para construir em Cabo Verde uma Casa para as reuniões do Racionalismo Cristão, filosofia espiritualista que conheceu aos 15 anos.

Na reunião festiva, o dirigente-geral da Filial, Antonio Simas de Oliveira Vera-Cruz, apresentou um resumo da biografia de João Baptista Ferreira Lima, e o dirigente-geral da Filial Ilha de São Vicente e representante regional da sede mundial do Racionalismo Cristão, Antero Filipe dos Santos, pronunciou discurso enaltecendo a pessoa e a dedicação do homenageado em favor do RC.

Antero Filipe dos Santos agradeceu a oportunidade de, “em preito de homenagem, tomar parte neste grande evento, de mais uma homenagem póstuma alusiva ao quinto aniversário da ascensão ao Astral Superior do emérito João Baptista Ferreira Lima, primeiro presidente desta magnífica sede, que reúne neste mesmo espaço militantes vindos de várias localidades desta Ilha do Monte Cara, para comemorarmos juntos esta grandiosa data memorável, conjuntamente com assistentes, amigos e simpatizantes desta filosofia de vida.”

Felicitou a Filial “pela forma abnegada e responsável como os princípios e a disciplina racionalistas cristãos vêm sendo nela aplicados e disseminados, atestando toda a confiança que a sede mundial do Racionalismo Cristão depositou na pessoa do Sr. Vera-Cruz, que substituiu o nosso saudoso e querido amigo, abnegado e zeloso João Baptista Ferreira Lima, e na sua militância.”

“Neste momento virtuoso e de muita leveza espiritual”, acrescentou, “é de fazer justiça a todos aqueles que em vida física deram tudo de si e continuam a dar dos seus campos espirituais, para que o Racionalismo Cristão pudesse vingar nesta maravilhosa Ilha de São Vicente. Agradecemos mais uma vez a honra de poder estar aqui com os senhores nesta noite maravilhosa e de muita grandeza espiritual.”

Notas biográficas. Permitam-me recordar algumas das notas biográficas de João Lima, disse o dirigente-geral Vera-Cruz, que começou referindo-se a sua infância no meio rural e agrícola do Vale do Paul. Filho de Lino Guimarães Lima e Maria Rosa Pires Ferreira Lima, pequenos empresários agrícolas, João Lima e seus irmãos cresceram na fartura. As chuvas eram frequentes e abundantes, a água para a rega das culturas nunca faltava e a terra respondia com boa produtividade ao trato que recebia.

Cedo ensinaram João Lima trabalhar, porque nos meios rurais e nas explorações agrícolas a mão de obra familiar é sempre escassa para o muito que há para fazer, e as crianças dão uma contribuição valiosa.  Esse ensino é também indispensável à formação do caráter dos filhos. Com um pai rigoroso e disciplinador, aprendeu o valor da disciplina e do trabalho.

Embora as terras fossem produtivas, a produção agrícola era de escasso valor e dificilmente vendáveis. Certo dia, isolado no meio da plantação a pensar no que seria a sua vida, caiu em profunda meditação e teve um desdobramento em que se viu a falar para um público. Foi uma premonição do seu trabalho futuro como exímio orientador.

Após cirurgia no hospital da Ilha de São Vicente, teve complicações pós operatórias que motivaram a sua ida para tratamento em Lisboa. Quando finalmente foi operado e o estado sanitário apreciado pela Junta de Saúde do Ultramar, foi aposentado e foi-lhe atribuído uma pensão modesta correspondente à categoria e ao tempo de serviço.

No início, a limpeza psíquica em casa com parentes e amigos

A pensão, complementada com os rendimentos das propriedades agrícolas do Paul, proporcionavam a João uma vida desafogada, relatam os dados levantados por Antonio Simas de Oliveira Vera-Cruz e apresentados na reunião em homenagem a João.

Em 1954, ainda residente no Paul, João casou com uma sua prima, Alzira, e, para que os filhos pudessem continuar os estudos, em 1971 o casal mudou-se para São Vicente.

O contato com o Racionalismo Cristão se deu através de um dos livros essenciais da Filosofia emprestado por um amigo. Era o que seu espírito procurava, e passou a fazer limpeza psíquica em casa, com participação de parentes e amigos e nessas reuniões uma criança com problemas psíquicos.

Aos vinte e cinco anos fazia parte da corrente enviada pela sede mundial do Racionalismo Cristão para o Correspondente do Paul, que era presidida por Manuel Martins, seu companheiro de trabalho na Câmara Municipal do Paul.

Fixada a residência em São Vicente, frequentou reuniões de limpeza psíquica presididas por Mateus Santos, Antonio Gregória e Manuel Gomes. Passada a época das perseguições movidas ao Racionalismo Cristão pelo governo colonial de Portugal, Manuel Gomes escreveu para a Sede Mundial pedindo corrente para formação de um Correspondente. A proposta foi recusada pelo fato de Manuel Gomes não poder presidir limpezas psíquicas por não ser casado. Em face disso, Manuel Gomes propôs o companheiro João para presidente da Correspondente e a proposta foi aceita.

Em 27 de maio de 1974 João recebeu a responsabilidade física da corrente, no sítio da Bela Vista, em São Vicente.

Em 15 de agosto daquele ano a sede da Correspondente foi transferida de Bela Vista para Ribeira Bote, porque a Casa da Bela Vista era muito pequena para a assistência. Foi na Ribeira Bote que recebeu a primeira corrente enviada pela então Casa-Chefe em que João figurava como presidente e Manuel Gomes como fecho. Poucos meses depois, começou a haver a manifestação de espíritos do astral inferior nessa Casa e, pouco depois, ocorreu o primeiro desdobramento mediúnico numa casa racionalista Cristã em Cabo Verde.

Foi também ali que o Astral Superior, através de Amílcar Lopes Cabral, deixou a primeira orientação em solo cabo-verdiano. Ambos os fatos ocorreram em 1975, ano em que Cabo Verde se tornou país independente.

Coube a João ficar nos anais da história do Racionalismo Cristão em Cabo Verde como o primeiro dirigente-geral a construir de raiz a sede para uma casa racionalista cristã em Cabo Verde. A construção foi num terreno que aforou na Avenida de Holanda. Em 1º de junho de 1976 recebeu procuração do presidente do Racionalismo Cristão, Antonio Cottas, para construir nesse terreno o Centro Redentor de Cabo Verde. A obtenção da licença para iniciar a obra demorou quatro anos e necessitou do despacho do primeiro-ministro da República, comandante Pedro Pires. Foram inúmeros os problemas a ultrapassar, mas nada poderia travar a vontade forte, a tenacidade, o valor e a perseverança de João. A obra começou em 1º de junho de 1980 e foi inaugurada em 20 de janeiro de 1985.

Homem simples, humilde e estudioso preparou-se para receber intuições do Astral Superior sobre a condução dos trabalhos espirituais.

Em 2005 publicou o seu primeiro livro, com o título Dedicação. Contém poemas e textos em prosa, todos com mensagens espirituais muito profundas. Inclui também um pequeno histórico sobre a criação da Filial Avenida de Holanda e discursos proferidos desde a inauguração até ao 20º aniversário da construção.

Em 2006 publicou seu segundo livro, Respostas esclarecedoras. Contém uma seleção de missivas com conselhos doutrinários que deu nas centenas de cartas recebidas durante a presidência. Em 2009 lançou o seu último livro Recordação, com textos sobre sua vida.

Pelos trabalhos prestados como funcionário na Câmara Municipal do Paul, onde trabalhou durante 20 anos recebeu dela uma “insígnia honorífica de valor pela prestação de relevante serviços, pela sua dedicação a causas nobres e excepcionais qualidades e espírito de respeito”. João foi galardoado com o Diploma de Membro Honorário do Racionalismo Cristão.