Médico do Império, senador da República, Antonio Pinheiro Guedes, com a obra Ciência Espírita (edições Racionalismo Cristão), está agora tão presente… Sua imagem do mundo em cinco tempos simultâneos – a oficina, a escola, o hospital, a penitenciária, o teatro – traz estreita sinergia com modo de viver e meio circundante. Na oficina, o aprendizado recai no trabalho e educação. O mundo descerra a matéria prima a ser manipulada durante todo o ciclo da atividade humana, em sua luta cotidiana – um verdadeiro laboratório. Se, na oficina, o espírito vai polir a matéria, na escola o ser humano aprimora a cultura intelectual (instrução) e a cultura moral (educação).
Vivenciamos um momento de desvenda do mundo-hospital. Já Pinheiro Guedes constatava que os estados mórbidos da alma têm origem na própria formação do indivíduo ou são criados pelo meio. Melhores condições de vida (Ah, o saneamento! Ah, a ganância!) encaminham o remédio, o antídoto, o bálsamo; a cura tarda, mas não falha. À penitenciária aplica-se a lei natural do ‘quem com ferro fere, com ferro será ferido’. Assim, do abuso da ignorância e mau uso do livre-arbítrio, o mundo erige-se em teatro, o cenário onde se desenrolam dramas, comédias, farsas, tragédias; ficção e verdade. Retrato em qualquer tempo. Ora, com uma “aceleração da aceleração” (Manuel Castells), graças à sociedade em rede.
“O futuro não é mais o que costumava ser”. Enfático, Paulo Vaz (Tempo dos Tempos), entre outras abordagens, destaca a medicina contemporânea, em evolução. “Nos últimos 50 anos, a medicina vem ampliando cada vez mais a distância entre o diagnóstico e a experiência subjetiva da doença”. Ou seja, o homem pode estar doente mesmo com os órgãos em silêncio. Seus hábitos de vida seriam os responsáveis por aflorar inúmeras doenças, levando em conta também o fator genético. Assim, há doenças que podem permanecer latentes, conforme a individualidade de cada um. Preceito racionalista cristão para manter-se em sintonia espiritual elevada, educar o pensamento desponta como o arrimo do cotidiano.
Globalizada já em caráter duradouro, a saúde torna-se mais cara: aumento de despesas, sobretudo de bens e serviços, e (re)emergência de doenças infecciosas e pandemias, resistentes aos tratamentos em curso. Quase duas décadas depois de publicada a Ciência Espírita, a gripe espanhola (que não teve origem na Espanha) deixou cifra imprecisa entre 50 e 100 milhões de mortos. De fácil contaminação, voltou ainda nos anos 1900, com pelo menos três outras pandemias. A peste, ou “morte negra”, data do século XIV e é recorrente até o século XVII. Chega minorada aos séculos XVIII e XIX. Nos anos 2000, além da virulenta pandemia de gripe suína no México, o mundo arqueou ao fardo da Aids, tuberculose, malária. Também são do século XX as duas guerras mundiais, com sequelas nas “três saúdes”.
Enfraquecida, portanto, a saúde do mundo – física (corpo), emocional (coração) e mental (cérebro). É fato sabido que a destruição dos habitats animais pelo homem, com a devastação ecológica, urbanização e industrialização desenfreadas, permitiram aos micróbios migrar para o corpo humano e aí adaptarem-se, tornando-se malignos. Um repisar da era neolítica, quando da expansão das terras cultivadas e domesticação de animais. E, a julgar pelos exemplos, novos vírus estão a caminho, até mesmo pela resposta da natureza, traduzida em calamidades. Para atenuar o “inimigo” temos de viver distanciados; suprimi-lo prevê confinamento total, por período indefinido. Entre os dois, meu coração certamente não balança.
Já é amanhã! Louis-Charles Viossant (Sciences Po) crê que, apesar de tanto transtorno, os avanços acelerados na Ciência e Tecnologia vão gerar o super-homem da ficção científica, até 2050. Capacidade humana acrescida, primeiro, a poder de medicamentos, visando a remodelar a aparência, alterar sentimentos e humor, aumentar a capacidade cognitiva e de resistência. Segundo, a bioeletrônica otimizando os cinco sentidos, quando não criando outros, como a interação homem-máquina. Terceiro, o uso da engenharia genética para limitar riscos, um reflorescer da árvore genealógica, assim dizendo. O custo assusta: aumento da desigualdade, antes social e financeira, agora entre super-homens e humanos. Aquele 1% privilegiado.
No emocional, afluem e refluem angústia, tensão, ansiedade, oscilações de humor, incerteza, raivas, ressentimento, violência generalizada, stress. Projetados, geram-se condições tais de saúde mental que atingem custo calculado pela OMS em US$ 6 trilhões em 2030, mais do dobro de 2010 e maior que o custo de câncer, diabetes e distúrbios respiratórios combinados. A mexida tecnológica não para, com vênias ao Estado militarista. É no “digital” que recaem os alertas mais pessimistas, por conta de suas chagas inerentes: fraturas na cadeia global de abastecimento, ataques cibernéticos para romper a internet e serviços essenciais, aumento contínuo da desigualdade, perda das identidades nacionais (migrações ou expulsões étnicas e religiosas).
O homem supera. Resiliência, a palavra do século XXI. Prudência, a do tempo sempre presente. Virtude cardeal da Antiguidade e Idade Média, o homem inclina-se a esquecê-la. “É prudente cuidar da saúde, mas quem veria nisso um mérito?” – cisma o filósofo francês André Comte-Sponville. Porque prudência imagina a incerteza, o risco, o acaso, o desconhecido – mas permite ao homem deliberar corretamente, em determinadas situações. Bom para a saúde emocional, abertura para a realização física e mental.
“Conhece-te a ti mesmo, para te tornares mais humano”. Um redespertar dos sentidos. Com direito a ar puro, apreciando paisagens belas, aspirando a terra molhada, a chuva, o mar, ouvindo os ruídos da natureza apaziguada. Um mundo real inserido no virtual. Com dever de sobriedade para aquela minoria que nem esse vocábulo conhece.