Luiz de Mattos, mais do que tudo, um espiritualista

Espiritualista de primeira grandeza, humanista singular, grande amigo da humanidade: Luiz de Mattos, cujo natalício comemoramos no dia 3 de janeiro, consistiu em um raríssimo exemplo de idealista. Resistindo e superando o materialismo de seu tempo e vencendo as hostilidades e preconceitos que marcaram a transição do século XIX para o século XX, fiel a sua sublime e transcendente missão, conseguiu deixar seu nome indelevelmente registrado na História da Espiritualidade.

Nascido em Portugal aos 3 de janeiro de 1860, do consórcio de José Lavrador e Casemira Júlia da Mattos Chaves, Luiz de Mattos — o criador do jornal A Razão, benemérito de inúmeras instituições humanitárias e codificador da filosofia racionalista cristã — descendia de uma linhagem aristocrática, que contrastava, em certa medida, com seu espírito humílimo, sumamente inclusivo e acolhedor.

Ensinava à multidão de almas sequiosas que lhe vinham ao encontro, atraídas por sua luz, o imenso valor do pensamento, transmitindo que todos, indistintamente, têm incontáveis talentos inatos e que, valendo-se deles com honestidade de propósitos, em particular da razão, podem distanciar-se dos vícios e superstições que oprimem o gênero humano e desfiguram a essência da vida, de modo a aproximar-se resolutamente da autêntica espiritualidade, que fortalece, liberta e emancipa.

Orador preclaro e insigne escritor, quer em suas palestras e alocuções, quer nas matérias jornalísticas e nas obras literárias que produziu, destacou-se pela presença de um autêntico e constante empenho em esclarecer a humanidade, estruturado em uma notável e inexcedível riqueza conteudística e uma admirável cultura clássica.

Adversário de todas as formas de materialismo e retrocesso, viveu sempre — e não apenas na fase mais madura de sua existência; é bom que isso fique claro — um só ideal: o de auxiliar o semelhante, despertando-lhe a compreensão acerca de seu valor e de sua inalienável dignidade.

Deu tudo de si pela estruturação de uma sociedade mais justa, com igualdade de oportunidades entre os membros de todas as camadas sociais. Dedicou boa parte de sua juventude e patrimônio à causa abolicionista. Nesse particular, um fato curioso é digno de ser memorado. Sabemos, pelos escritos de Antonio Cottas, que na ocasião da promulgação da Lei Áurea, a 13 de maio de 1888, Luiz de Mattos, acompanhado de outros notáveis abolicionistas amigos seus e companheiros de ideal, realizou, na cidade de Santos, magníficas e inesquecíveis comemorações, cuja significação, profundidade e razão de ser excediam a simples alegria do momento. Soube combater vícios e maus hábitos sem, contudo, combater pessoas. Grande amigo de seus amigos, esteve sempre disposto a dar uma segunda chance àqueles que um dia deixaram de ser dignos de sua amizade, mas que passaram a rever suas atitudes e a se mostrar dispostos a livrar-se dos infundados temores e perplexidades oriundos da própria fraqueza.

Espírito denodado, enérgico, determinado, ornado pelas mais nobres virtudes, tocado pelo vigor de uma criatividade impressionante e sempre abrasado pela vontade de guindar os seres humanos ao campo da compreensão transcendente da vida, Luiz de Mattos repelia os agradecimentos e as honrarias com a mais veemente decisão de ânimo. Nesse sentido, pedimos-lhe vênia pelas palavras ora expendidas.

Em nosso abono, dizemos: Mestre, pela nobreza de seu caráter, pela riqueza de seus ensinamentos, pela vivacidade e autoridade que seu nome evoca e que, no transcurso das décadas, nunca perdeu energia e fulgor, permita-nos manter e fomentar a tradição de homenageá-lo no início de todos os anos. A comemoração de seu aniversário e a recordação de sua vida são os mais valiosos estímulos com os quais seus seguidores e admiradores contam no limiar de mais um ciclo, na aurora de mais um ano.

Se há uma linha comum que emerge em praticamente toda a produção literária e oral de Luiz de Mattos, esta é o alerta que ele faz para o fato indubitável e insofismável de que o pensamento é uma poderosíssima vibração espiritual, a partir do qual plasmamos a realidade a nossa volta.

Nessa perspectiva, a homenagem mais válida que podemos prestar-lhe nesta ocasião festiva não será tanto a do elogio eloquente, por mais sincero que ele seja, mas a do austero empenho em compreender e assimilar seu legado e, sobretudo, em praticar cotidianamente os preceitos de sua Filosofia, com especial atenção aos pensamentos que emitimos e acalentamos. Estes, com certeza, devem ser sempre elevados, nobres e vigorosos, em consonância com o que ele nos ensinou e continua a ensinar, mormente se quisermos contar — e queremos — com sua constante irradiação espiritual.