Tornam-se imperiosos alguns esclarecimentos preliminares. Sabemos que há numerosas abordagens e pesquisas a respeito da depressão, já considerada pela Organização Mundial da Saúde como o mal do século XXI, embora não haja entre os especialistas certeza quanto a sua origem ou consenso quanto a sua conceituação. Entretanto, analisada a questão pelo prisma da espiritualidade proposta pelo Racionalismo Cristão, não é difícil formular-lhe um conceito nem indicar um possível caminho para sua identificação e superação.
O recurso à etimologia pode auxiliar. A palavra depressão vem do latim de + premere, encerrando uma ideia de compressão, esmagamento, cerceamento da liberdade de ação. Realmente, a pessoa depressiva tende a quedar-se inerte frente à angústia avassaladora que vivencia. Sinteticamente, vislumbramos a depressão, do ponto de vista espiritualista, como um fator de submissão do ser humano a uma força que lhe parece ser insuportável e intransponível.
Entendemos que o esclarecimento espiritual representa a força propulsora fundamental para o verdadeiro entendimento de inúmeros fenômenos que cercam o ser humano. Por essa razão, estamos convictos de que a espiritualidade, desvinculada de qualquer interesse, proposta com clareza e simplicidade, fornece os subsídios concretos e eficazes para que as pessoas possam, em um primeiro momento, identificar a depressão ou eventuais distúrbios psíquicos que estejam vivenciando. Isso lhes permitirá reconhecer seus efeitos prejudiciais tanto em âmbito pessoal como no meio em que vivem, de modo que, uma vez fortalecidas, terão condições de superar tais desafios.
A busca por soluções prontas é uma tendência da atualidade. Em toda parte, verificam-se manifestações acomodatícias, em que os seres preferem explicações superficiais ao aprofundamento na essência das questões. No que concerne à depressão, embora reconheçamos a pluralidade de explicações científicas quanto a sua causa, ela é, em última análise, um problema espiritual e, como tal, merece uma análise mais criteriosa. Não sugerimos, com isso, que o tratamento clínico deva ser suprimido, mas muito pelo contrário: afirmamos que quando a terapia médica se deixa penetrar pelos valores da prática espiritualista, isto é, disciplina, pensamento positivo, boa vontade, atitude proativa, interiorização, reflexão, entre outros, seus efeitos potencializam-se enormemente, de modo que o paciente é sempre favorecido.
Dessa forma, a verdadeira busca por soluções requer um olhar amplo sobre a realidade dos fatos, que se detenha menos nos limitados conceitos materialistas, para poder assim penetrar na essência das coisas, que indubitavelmente está no campo da espiritualidade.
Para que as pessoas sejam capazes de perceber se a depressão ou outros distúrbios psíquicos estão afetando suas vidas e as vidas daqueles com que convivem, devem, em primeiro lugar, reconhecer em si a incidência constante de momentos de desorientação espiritual, observando se ficam amiúde tristes, desinteressados, com baixa autoestima e sem esperança.
Sabemos que, muitas vezes, no fragor de seus sofrimentos e no tumulto de suas ideias, o ser humano se vê impedido de analisar os fatos com a devida lucidez. Todavia, ele é possuidor de atributos e faculdades que lhe permitirão, caso melhore o teor de seus pensamentos e ative sua força de vontade, iluminar sua consciência recebendo e acolhendo tudo o que de nobre, belo e autêntico uma vida digna e produtiva lhe pode proporcionar; abandonando preconceitos descabidos, influências equivocadas, ambientes deletérios e concepções degradantes; adotando as regras da verdade, da honestidade e do amor ao próximo e ao trabalho; exercendo, enfim, o protagonismo de sua própria vida com o espírito constantemente enlevado nesse ideal.
Quando nos deparamos com alguém próximo de nós que esteja manifestando emoções e comportamentos depressivos como os elencados anteriormente, devemos perguntar-lhe o porquê de tais atitudes, o que está se passando e como podemos auxiliá-lo. Decerto devemos dosar nossos questionamentos e o tom de nossa abordagem, sendo serenos e discretos, utilizando-nos do magnífico atributo que é tanto na vida pessoal como na coletiva nosso melhor guia: o bom senso. É necessário também, diga-se já, respeitar sua decisão caso queira guardar silêncio. Ora, mesmo em silêncio podemos auxiliar, evitando discursos desgastantes e opiniões pessoais e parciais, elevando nossos pensamentos e criando condições psíquicas facilitadoras para a reversão daquele quadro. Referimo-nos a um silêncio exterior, mas ao mesmo tempo ativo, próximo e afetuoso. Quando as palavras dizem pouco, o comportamento e a expressão do corpo dizem muito, por si só, aos que têm desenvolvida a sensibilidade espiritual.
Todo ser humano sente um impulso interior de amar. Essa propensão natural faz parte de sua essência; é indelével e irrenunciável. Quando a pessoa nega sua afetividade, ou quando esta lhe é negada pelo grupo a que pertence, estabelece-se um quadro propício para a irrupção de vários distúrbios psíquicos, inclusive a depressão. A frustração afetiva é um flagelo capaz de destruir vidas, anular a criatividade e cercear a espontaneidade. Para além dos fatores bioquímicos, a depressão pode estabelecer-se por autodeterminação, quando é a própria pessoa que escolhe uma conduta inadequada, desprezando as disciplinas construtivas da vida, mergulhando no pântano dos vícios cujo resultado só pode perturbar e alienar. Isso pode provir de um trauma alheio a sua vontade, mas que o afeta de forma direta. Num ou noutro caso, o ser humano possui em seu íntimo os recursos para a sua reestruturação.
É certo que, muitas vezes, dá-se maior realce às exteriorizações do que ao impulso interno de amor e solidariedade. Trata-se de outro equívoco. Ao perceber que é amada por seus amigos e familiares, a pessoa deprimida passa a compreender a própria dignidade, sente-se valorizada e reconhece a necessidade humana de buscar apoio no próximo, em uma rede de relações cada vez mais autenticamente fraterna, alicerçada em valores transcendentes.
Estruturadas na amizade sincera e leal, as pessoas estão capacitadas a transformar suas vidas, dando qualidade a seus pensamentos e relações, sejam elas subjetivas ou intersubjetivas. Além disso, tornam-se capazes de levar a serenidade onde há conflito, de construir e cultivar relações duradoras, de buscar a harmonia onde prevalece a discordância. Somente o amor é capaz de transformar de modo profundo as interações humanas. Enxergando por essa perspectiva, todos podem distinguir as amplas possibilidades de uma vida plena e saudável, onde o progresso pessoal e o aperfeiçoamento moral se fundamentam na verdade e na justiça. Estejamos certos de que a perspectiva espiritualista projeta uma nova luz à questão da depressão, promovendo a identificação das tendências autodestrutivas e suas consequências, atuando em sua solução.
Antes de propor algumas atitudes fundamentais relativas à ação normalizadora, convém analisar o ambiente em que temos de agir. É comum que junto da pessoa em depressão existam outras que também estejam sofrendo, fazendo que recorram desesperadamente às mais diversas formas de auxílio. De fato, tem-se acesso a um número excessivo de propostas, embora nem sempre viáveis e aplicáveis; porém, tampouco convém um olhar estritamente científico, pois a ciência, limitada, não abarca toda a realidade em matéria de transtornos psíquicos. O que queremos oferecer situa-se no campo do discernimento, do equilíbrio, da razão e sobretudo do benquerer. Tais orientações incluem convidar a pessoa para a prática de atividades físicas e intelectuais, manter contato com ela, demonstrar interesse por suas ações e, não menos importante, indicar-lhe boas leituras, incentivando sempre a busca pelo autoconhecimento e a prática reflexiva e àqueles que tiverem oportunidade de frequentar uma casa racionalista cristão, temos certeza de que auferirão resultados positivos com mais celeridade no processo de recuperação.
Devemos ajudar a quem sofre, sempre orientados pelos valores e princípios que nos sustentam. Como estudiosos da espiritualidade, não podemos renunciar à proposição da necessidade de disciplina, de atividade física e mental, de elevação do pensamento, de critério na escolha dos ambientes e das companhias, de atitudes honradas e dignas. Estaríamos privando as pessoas que estão em depressão e também seus familiares dos valores que podemos e devemos oferecer. Ao propor essas diretrizes, estamos não somente estabelecendo uma rota segura para a vitória sobre a depressão, como também propondo atitudes que impedem, na maioria das vezes, o próprio estabelecimento do quadro depressivo.
Os ensinamentos fornecidos pelo Racionalismo Cristão nos permitem analisar o problema da depressão e dos distúrbios psíquicos tão intensamente presentes no mundo atual, dilatar nossa perspectiva e estimular nossa consciência a respeito da importância da espiritualidade no combate aos males que afetam a humanidade.
No horizonte do esclarecimento espiritual, essencial para uma experiência humana enriquecedora, emerge ainda uma importantíssima virtude, relativamente desprezada em tempos de relacionamentos agitados e superficiais: a paciência. Ao nos determos sobre seu significado, compreenderemos o quanto ela é necessária para lidarmos com a depressão. Percebemos, por nossa experiência, que muitas pessoas exigem uma pronta resposta ao iniciar um tratamento contra a depressão e as demais formas de desequilíbrio psíquico. Daí insistirmos na necessidade de paciência. A superação do problema circunscreve-se a um processo, que varia de pessoa para pessoa e sobre o qual incide uma gama variada de fatores que foge à previsão e ao controle do próprio ser humano.
Considerar a saúde psíquica do ser humano como fundamento de sua dignidade significa esforçar-se, antes de mais nada, pelo reconhecimento e respeito de sua essência espiritual mediante uma ação concreta, serena e compromissada com o autodesenvolvimento e com o desenvolvimento do próximo. A visão espiritualista sobre os mecanismos a serem adotados diante da depressão e também de como perceber sua dinâmica no meio social foi explanada de maneira sintética no presente artigo; todavia, cabe ressaltar que, se por um lado não é producente reduzir levianamente a depressão a um mero problema existencial ou a uma doença elitista, por outro lado não concordamos em absolutizar a depressão adjetivando-a como o mal do século e sobrepondo-a em importância ao próprio ser humano.
Muito Obrigado!