Ufa! Já passou. Salvo uma ou outra exceção, quanta mentira tivemos que ouvir! quanta fantasia! quanto deboche! Tudo acompanhado dos irritantes sorrisos congelados. Que assuma a carapuça o que se sentir apontado! Povo feliz aquele que apareceu na telinha, fora do padrão do brasileiro comum, mais precisamente daquele que levanta da cama pela madrugada e sai, sem tomar café e sem esquecer marmita preparada na véspera com feijão, arroz e ovo frito, e corre para embarcar num trem superlotado e mal cuidado, ou ainda aquele que mal dorme, não tem café para tomar nem marmita, nem procura transporte porque não tem também para onde ir, não tem emprego.
Era a esses brasileiros que os ambiciosos playboys e patricinhas se dirigiam prometendo dias melhores que, sabem, não vão proporcionar, quer por não disporem de meios, quer por total desinteresse. E esse patriota sofredor esteve atento às mensagens, apresentadas em até três ou quatro segundos, fazendo suas opções, anotando números para levar à urna eletrônica. A maioria daqueles mentirosos só estava interessada nos altos salários, verbas de gabinete, automóvel e combustível pagos justamente pelo brasileiro que enganava. Melhor seria que seus números fossem levados à urna mortuária para que não reaparecessem e seus titulares ficassem impedidos de participar em futuras competições a cargos eletivos para representar o povo.
Pessimismo? Não! É referência ao “já vi esse filme”. Tem sido assim a cada pleito. Mudaram os tempos, mas os truques são os mesmos. Se há décadas candidatos prometiam mandar instalar uma bica d‘água na subida do morro e anos depois falavam em calçamento de ruas, a modernidade nos trouxe a oferta de dinheiro vivo em seguida às bolsas de mantimentos. Isto se dá sob a argumentação do desemprego. Ora, se o problema é o desemprego, é necessário substituí-lo por postos de trabalho com salários que permitam ao trabalhador manter-se e prover o sustento de sua família sem a necessidade de esmolar nas filas das repartições governamentais, preenchendo fichas de cadastro que adiante servirão a espertalhões para pedir votos.
Alguns postulantes de hoje falam em criar empregos, mas não detalham os planos e programas para chegarem a isso. Mais triste e doloroso é ouvir e ver candidatos a reeleição a cargos majoritários prometendo tomar providências que não tomaram na atual gestão ou em mandatos anteriores. É tudo palavrório, conversa fiada. Importante é acomodar cabos eleitorais, parentes em nomeações cruzadas e deixar a vida seguir seu rumo sem incômodos.
E lá vão apelos. O mote é a fome, o público preferido, a camada mais humilde da população. Por que? Como proclamam os sábios, nada acontece por acaso, e nesse caso deve-se levar em conta que os estratos mais baixos de nossa população – os iletrados, os sem-terra, os sem-teto, e até os sem- bicicleta para dispensar o transporte público, consequentemente os mais carentes – são os que mais facilmente podem acreditar nas mirabolantes promessas de melhoria de vida. Outro motivo para que os mais pobres sejam mais massacrados pelo horário político no rádio e na TV e nas redes sociais é que o número de eleitores nessa faixa é infinitamente maior do que na classe média. E candidato não é bobo, avança sobre o nicho que pode oferecer maior rendimento para suas pretensões.
Não é possível negar, porque não dá para camuflar: cada voto tem um preço. Não se trata da compra direta em negociação entre o candidato e o eleitor, embora isso ainda seja possível e se mantenha em segredo. Neste país do vale-tudo, conforme publicação de jornais insuspeitos, já se trocou voto até por pererecas, nome que a plebe dá a próteses dentárias móveis. Também por favores menos grotescos, como promessa de emprego, de vaga em escola ou internação em hospital. Independentemente de situações desse tipo há o preço facilmente calculável no dia da proclamação dos resultados, bastando dividir a soma do dinheiro aplicado em santinhos, adesivos, bandeiras, remuneração dos contratados para diversos serviços, transporte, aluguel de veículos e compra de combustível pelo número de votos alcançados. É certo que quanto maior houver sido o investimento, mais seguro estará o candidato de ser eleito. Isto significa que os eleitos terão pago por cada voto mais caro do que pagaram os derrotados. Geralmente quem pagou mais terá estourado a verba que lhe coube no rateio do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e coberto a diferença com os próprios recursos financeiros e vai fraudar a prestação de contas. Numa forma resumida se tem que, enquanto o eleitor está, além de obrigado a votar, convencido de que sua ação será benéfica a seus conterrâneos e ao país, os candidatos pagam para ser eleitos, uns mais do que outros. Uma relação desigual, que, desconfiemos, esconde escusos propósitos!
Falamos de gastos dos candidatos que, somados ao dos partidos, atingem cifras fabulosas. Daí vem a pergunta: por que tantas despesas, tanto desperdício, tanto blablablá? Será mesmo pela desinteressada intenção de servir ao povo e ao país? Olho vivo, gente brasileira. Organizemo-nos para, sem tumulto, encaminharmos a cobrança das promessas, não das pessoais, mas dos compromissos assumidos com o povo. Já nos primeiros dias do ano será possível sacar qual o comportamento dos empossados. E já neste mês poderemos ter a confirmação das pesquisas eleitorais indicando que estamos sob ameaça de mais do mesmo com a falsa garantia de fazer nos próximos quatro anos o que o partido não fez em 12. Sorria, eleitor, na hora de votar; você pode estar sendo filmado.