Brincadeira de crianças era associar nome de música, filme, livro, programa de rádio (e depois de TV) a personagens da sociedade, da política ou do esporte. Se hoje, bem se poderia anunciar a próxima atração da telona: “Sérgio Moro contra Goldfinger”. Identificar o juiz como James Bond, o agente 007, é fácil, mas quem seria o bandidão? Melhor dar uma copidescada no título do clássico. Teríamos, então, Sérgio Moro contra os gold fingers, tantos são os descarados lesa-pátria que, a cada citação como beneficiários de propinas, escorregam como se estivessem ensaboados. Negam as acusações na maior cada de pau, contra toda e qualquer evidência. Se pudessem, poriam na cadeia ou fariam desaparecer os delatores. Ainda bem que não podem. Claro que a brincadeira exigiria a eliminação de alguns aspectos da produção mais que cinquentenária, por exemplo a espionagem, que nada tem a ver com o trabalho do magistrado à frente da Operação Lava Jato. Lá era ficção; aqui, a dura e vergonhosa realidade. Mesclando uma e outra, temos que na empreitada de apurar quem é quem nas fraudes em licitações de obras públicas, em sobrepreços, em cala-bocas, em caixas dois, três, quatro… estão em campo miríades de Hercole Poirot e Sherlock Holmes, com o ‘aprovo’ de Agatha Christie e Conan Doyle.
Já não somos crianças, porém, e dessa brincadeira já nem se fala, o agente secreto mudou de rosto e saiu de cena, os dois mais conhecidos detetives da literatura mundial estão encolhidos em algumas prateleiras, provavelmente entre receitas de bolo ou de crochê. E o Brasil, gentil mãe dos filhos deste solo, vive um presente que deixará terríveis lembranças, como terríveis são as lembranças de passado recente. Se hoje recordamos, indignados, autoritarismo, supressão da liberdade, corte e sepultamento das melhores cabeças pensantes desta terra, adiante recordaremos, envergonhados, havermos posto em mãos espúrias as decisões sobre o futuro do país.
Se comprovada a culpa, os acusados vão responder basicamente por crimes de corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro. Ficam de fora os crimes contra o meio ambiente e contra a saúde pública, apesar de tanta sujeira, tanta podridão moral. Excluídos os membros do Poder Judiciário, em quem confiar? Quem tem mãe viva confie nela; a quem lamentavelmente a perdeu resta esperar o resultado das investigações da Lava Jato. Esperar, “mas sem perder a ternura”, ou melhor: sem perder a esperança.