Movimentos nacionalistas não são novidade. Visivelmente à tona, em boa parte do mundo, há mais de meio século contagiam os descontentes sob o denominador comum do racismo, corrupção e outras mazelas. Estaríamos vivenciando uma onda populista consequente, e que se cuidem os partidos tradicionais, de centro-esquerda e centro-direita. Como exemplos, o cientista político William A. Galston (Brookings Institution) cita os mais flagrantes: a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos; a escalada nacionalista/populista na Europa – Turquia, Hungria, Polônia, República Tcheca; o brexit; o fortalecimento dos partidos direitistas na França e Alemanha; o recém-eleito governo italiano. A ideologia do descontentamento explica e justifica a ação política, calcada em motivos cabais. No topo atual, a globalização, avanço tecnológico e o deslocamento industrial e de empregos para países em desenvolvimento, sobretudo da Ásia. As divisões aprofundam-se: pela escolaridade, diversidade versus homogeneidade, homem da cidade versus homem do campo.
Para Galston, a ameaça mais premente, na esteira desse pensamento dos desprezados e desvalorizados, “plantando a semente de um rancor populista”, é o surto do que chama democracia iliberal, passível de conduzir a uma autocracia. “Há uma crescente impaciência no Ocidente com governos que se mostram incapazes de agir com firmeza, diante de um crescente número de problemas. O sentimento cada vez maior de insegurança gerou uma demanda por líderes fortes, e formas de autoritarismo, que muitos acreditavam terem sido deixadas para trás, há pelo menos meio quarto de século, ameaçam ressurgir”.
Estudo recente da fundação alemã Bertelsmann registra: 3,3 bilhões de almas vivem sob regimes autocráticos, contra 350 milhões, ou 4,5% da população global (dados da Economist Intelligence Unit), sob democracias. Assim, a política global se vê dominada por um punhado de homens que aspiram ao controle absoluto da política, economia, justiça e mídia. Na Rússia, Vladimir Putin, autocrata confesso, cujo logo na recente Copa do Mundo apresentou o país como forte e moderno, não perdeu a face com a derrota desclassificatória de sua seleção. Nos Estados Unidos, Donald Trump, embora ainda resguardado (até quando?) pelo Legislativo e Judiciário. Só para mencionar os dois grandes da guerra fria, ainda no jogo do estranhamento.
Em debate recente, promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, o cientista político Dominique Reynié (Sciences Po) foi claro: “Se a França tivesse caído, todo o sistema europeu teria desmoronado junto”. O êxito de Emmanuel Macron no governo poderá, acredita, reduzir a força dos populistas e consolidar o papel da França como líder da Europa. (Angela Merkel passou ao passado). Mas, alerta o historiador Marc Lazac, da mesma Sciences Po, “a árvore Macron não vai impedir que a floresta populista e nacionalista continue a crescer e a se espalhar pelo continente”. Existiria um caldo de cultura favorável a isso, aguçado pela migração incontida, cada vez mais presente nas ruas das cidades europeias.
Retrocedendo a história, temos a Irlanda do Norte e o conflito com a Grã-Bretanha. Os escoceses e galeses. Córsega e Bretanha, na França. Catalães e bascos na Espanha. Até no Canadá, com a Quebec francesa. No Leste europeu, a história mescla-se ao comunismo, cujos arcabouços políticos eram menos antigos que na Europa Ocidental e América do Norte, ou seja, da segunda guerra mundial. Apesar do controle estrito, censura rígida e doutrinação permanente, a agitação nacionalista ganhou a Ucrânia, Geórgia, Báltico e, logo, a Ásia central muçulmana. Chegou, também, à Iugoslávia, que acabou fracionada. E à África, com a descolonização, e o Oriente Médio, onde o movimento nacionalista mais decantado plantou morada.
Toda essa agitação não depende só de diferenças políticas, culturais e econômicas. Reflete e expressa a diversidade existente nos países onde se manifesta, e revelaria falhas geológicas em suas estruturas como Estado, por bom tempo esquecidas ou escondidas. A doutrina com que se tenta justificá-la evoca a crença de que a humanidade é naturalmente dividida em nações. O único governo legítimo, para os nacionalistas, seria aquele em que os nacionais exercessem autoridade, num Estado homogêneo. Muito popular na Europa do século XIX, transmitiu-se ao Império Otomano, Índia, Oriente Médio e África. Parece que os novos nacionalistas pouco ou nada inovaram, em tese.
E por falar em diversidade, a leitura de Gilberto Silva (edição julho 2018, página 2) traz reflexões e contribui para entender o tema. Reconhecer e conviver com a diversidade humana, as diferenças, talvez ajude a conter exacerbações e levar ao equilíbrio, a cada dia mais necessário e, infelizmente, mais distante