O Estagirita

Concluído, em edição anterior deste jornal, o capítulo referente a Platão, vamos dar sequência a esta história do racionalismo focalizando, a partir deste artigo, a figura de Aristóteles, considerado por estudiosos da filosofia “um dos três ou quatro gigantes dessa disciplina”. Sua “Ética” e sua “Metafísica” são, ainda hoje, segundo um desses especialistas, estudadas em universidades de todo o mundo.

Sócrates foi mestre de Platão, que foi mestre de Aristóteles; este, por sua vez, foi o preceptor de um adolescente de grande potencial intelectual, chamado Alexandre, nome ao qual a História acrescentaria o qualificativo “Magno”; Alexandre, por seu turno, levou a cultura grega às nações que conquistou – uma vastidão territorial que, quando ele morreu, aos 33 anos, vítima de malária, se estendia do Mediterrâneo oriental à Ásia Central. Dali em diante, se disseminariam por quase todo o mundo então conhecido “os sopros inspiradores da civilização helênica”.

Que eloquente e significativa prova de que realmente nada acontece por acaso nos oferece a História nessa importante e sugestiva linha direta de sucessão cultural, ao longo de quatro gerações, de tão importantes personagens históricos!


Aristóteles (384-322 a.C), chamado também, por antonomásia, o   Estagirita – apelido que a História consagrou –, era natural, como diz o apelido, da cidade de Estagira (Macedônia antiga). Nicômaco, seu pai, era o médico da corte do rei macedônio Amintas III, pai de Filipe II e avô de Alexandre Magno.

Órfão de pai ainda criança, Aristóteles foi criado por um tutor. Aos 17 anos, estava em Atenas, para onde fora encaminhado por seu protetor, a fim de ser educado na Academia de Platão. O forte pendor evidenciado pelo jovem discípulo para a racionalidade filosófica e científica já prenunciava o futuro grande filósofo, criador da Lógica, e o cientista que mapearia as ciências da época e contribuiria para o desenvolvimento de muitas delas.

De fato, o novato e aplicado aluno da escola de Platão logo sobressairia entre os demais alunos por sua impressionante diversidade de interesses intelectuais. “Parecia”, comenta o biógrafo Henry Thomas, “quase impossível a um só espírito estar aberto a tantas facetas do conhecimento. Política, drama, poética, física, medicina, psicologia, história, lógica, astronomia, ética, história natural, matemática, retórica, biologia – eram estes alguns pratos apenas do variadíssimo banquete com o qual procurava o jovem estudante alimentar seu voraz apetite de saber.” “A Academia”, disse Platão, “compõe-se de duas partes: o corpo de seus estudantes e o cérebro de Aristóteles.”

Segundo o historiador Will Durant, quando dois gênios se aproximam, o choque é certo. Sobre o relacionamento entre Platão, o genial mestre, e Aristóteles, o genial discípulo, afirma Henry Thomas que não era raro, quando tratavam de questões de ordem filosófica ou científica, envolverem-se ambos em férvidas disputas, “se bem que o moço e o velho filósofo mutuamente se adorassem”. “Sou amigo de Platão, mas amigo maior da verdade”, era um dos ditos de Aristóteles.

Adeus à Academia

Ao morrer Platão, em 347 a.C., aos 80 anos, tinha o Estagirita 37, e acreditava ser o substituto natural do saudoso mestre na presidência da Academia. Teve, porém, seu nome rejeitado, por ser “estrangeiro”, sendo escolhido para a direção da instituição um ateniense, aliás sobrinho de Platão. Desgostoso, abandonou a escola, onde brilhara como maior intelecto do corpo discente e se dedicara a diuturnos estudos filosóficos e pesquisas científicas durante 20 anos.

Fundação do Liceu

De regresso a Atenas, algum tempo depois, por volta de 335 a.C., Aristóteles fundou sua própria escola, enriquecendo assim a cidade com mais um estabelecimento de ensino superior. A nascente escola, que recebeu o nome de Liceu, por se localizar nas proximidades do templo do deus Apolo Lício, seria, na verdade, mais um importante templo do racionalismo grego em Atenas, a rivalizar com o outro – a legendária Academia de Platão, seu antigo mestre.
Em 1996, surpreendeu o mundo a notícia da descoberta do sítio arqueológico do Liceu de Aristóteles, causando grande agitação na época, principalmente entre filósofos, historiadores e arqueólogos.