O irreverente Voltaire – II

De antemão, considero importante destacar algo que já disse sobre Voltaire no artigo anterior desta história do racionalismo. Segundo ele, “deve ser garantido a todos o direito à liberdade religiosa, à liberdade política e à liberdade de expressão. Sua filosofia passou, então, a ser considerada uma provocante irreverência à Igreja Católica e ao regime monárquico e absolutista da França, que se sentiram no dever de caçar e perseguir o irreverente escritor e filósofo”.

Ideias polêmicas. Não havia dia no qual ele deixasse de assumir suas ideias de caráter polêmico. Dentre tais ideias ou posições desse perseguido filósofo, citem-se, por exemplo, as seguintes:

Consta que era a favor da separação entre Igreja e Estado, ou seja, foi, portanto, um dos primeiros defensores da ideia de Estado laico; condenava e combatia a superstição e o fanatismo religioso “ou de qualquer naipe”, que levam à ruína o direito do ser humano à liberdade; e dizia-se totalmente a favor das liberdades individuais e da tolerância (a tolerância, aliás, tornou-se um assunto essencial para Voltaire).

Para ele, um maior e mais vigoroso impulso do progresso da sociedade não seria possível senão quando os seres humanos fizessem da tolerância um hábito na vida de cada um deles e reconhecessem o direito de seus semelhantes à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e à liberdade de seguir esta ou aquela religião, ou não seguir nenhuma.

Mais enfático. Voltaire afirmava que a pessoa deve ser livre para expressar, sem interferências de cunho religioso, suas ideias; é inegável ter havido um consensual alinhamento de ideais entre os iluministas franceses. Era, porém, notório que Voltaire chegava a se manifestar com mais ênfase, em relação aos demais companheiros do Iluminismo, quando se tratava de defender a questão da liberdade.

20 mil cartas e 53 obras. Sem contar sua imensa e rica correspondência, que chega a 20 mil cartas, Voltaire escreveu 53 obras, total esse composto de tratados filosóficos, ensaios,  romances, contos, poemas e peças teatrais.

Além de autor dessa volumosa quantidade de  livros, ele foi um dos importantes intelectuais que ajudaram a escrever os verbetes da Enciclopédia de dois colegas do Iluminismo – Diderot e D’Allambert.

Veja-se, a seguir, a relação das principais obras filosóficas de Voltaire:

Cartas inglesas. Numerosas e polêmicas cartas em que ele defende a liberdade religiosa, a diminuição do poder da Igreja Católica e do Estado e faz comentários positivos sobre o governo da Inglaterra e negativos a respeito do governo da França.

Ensaio sobre a tolerância. Voltaire defende nesse livro o respeito à divergência de pensamento, ou tolerância, que, opina ele, contribui para a formação de uma sociedade mais justa e apta a propiciar maior e mais vigoroso impulso do progresso.

Tratado de Metafísica. Voltaire não era um ateísta, mas recusava a metafísica tradicional dos antigos, criticava ideias da metafísica cristã e defendia, com sua visão de cético, seus pontos de vista acerca do conhecimento e da existência de Deus.

O filósofo Ignorante. É, de forma resumida, uma exposição de toda a filosofia de Voltaire e um ataque a filósofos que ele considerava ignorantes – René Descartes, Baruch Spinoza e Gottfried Wilhelm Leibniz, por exemplo. Nesse livro, diz um estudioso, Voltaire listou 56 questões, que chamou de ignorâncias, e, a seu modo, as respondeu.

Cândido, ou o Otimismo. Trata-se de um romance satírico contra Gottfried Wilhelm Leibniz, filósofo alemão, segundo o qual “estamos no melhor dos mundos possíveis”. Em outras palavras, o romance de Voltaire é um tratado trágico-zombeteiro, utilizado por Voltaire para rebater ou contestar a otimista afirmação de Leibniz a respeito deste mundo em que vivemos.

Cândido, personagem principal do romance, recebia os conselhos de seu preceptor, o Professor Pangloss, fervoroso discípulo de Leibniz. No entanto, a partir do dia em que deu adeus ao Professor Pangloss para enfrentar o mundo e viver suas aventuras, Cândido percebeu quão cruel é o mundo e foi perdendo, ao longo da vida, o exagerado otimismo herdado de Pangloss, que, por seu turno, o herdara do pensador alemão.