O irreverente Voltaire

Defensor das liberdades individuais e da tolerância, bem como uma das principais inspirações da Revolução Francesa, François Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire, foi um dos mais importantes filósofos do Iluminismo francês. Segundo ele, deve ser garantido a todos o direito à liberdade religiosa, à liberdade política e à de expressão. Sua filosofia passou, então, a ser considerada uma provocante irreverência à Igreja Católica e ao regime monárquico absolutista da França, que se sentiram no dever de caçar e perseguir o irreverente escritor e filósofo.   

Esse pensador, descendente de nobres, por parte da mãe, e de burgueses, por parte do pai, era o caçula de Marie Marguerite Daumard, que morreu quando o filho tinha apenas 6 anos, e de François Arouet. Nasceu em 21 de novembro de 1694, em Paris, e morreria, também na capital francesa, em 30 de maio de 1778, aos 83 anos.

Seu pai matriculou seu caçula no Liceu Louis-le-Grand (Luís, o Grande), tradicional instituição parisiense de ensino, fundada pelos jesuítas, como se chamam os padres da Companhia de Jesus, uma das ordens religiosas da Igreja Católica.      

Após Voltaire concluir os estudos básicos nesse colégio jesuíta, o pai, por não aprovar o ambiente que o filho passou a frequentar, arranjou um trabalho para ele. Mas Voltaire logo perderia o emprego, por causa de um confuso e conturbado envolvimento amoroso dele com uma jovem protestante pela qual havia se apaixonado.

Para esquecer sua paixão, Voltaire passou, então, a escrever poesias e contos, e teria sido com uma Ode ao rei francês Luís XIII que ele concorreu a um concurso na Academia Francesa. Mas o vencedor foi outro concorrente, que, no entanto, seria vítima de uma caluniosa sátira da autoria de Voltaire. O que resultou em brigas entre ambos e forçou Voltaire a sumir de Paris. “Foi, aliás”, diz um estudioso, “a primeira das várias vezes que o escritor e filósofo precisou fugir de sua cidade”.

Por ter começado a escrever muito cedo, observa o estudioso já citado, muito cedo também teve Voltaire problemas com as autoridades.

Ademais, foi a essa altura de sua vida que ele iniciou o curso de Direito, que, porém, não concluiu, a contragosto do pai, pois este queria que o filho se tornasse advogado e trabalhasse para o rei, em detrimento do real e decidido pendor do rapaz para a literatura e a filosofia. No entanto, a despeito do próprio pai, Voltaire viria a se tornar uma das principais e históricas figuras do Iluminismo francês, destacando-se, na verdade, não só como filósofo, mas também como teórico político, ensaísta, historiador, dramaturgo, romancista, poeta e contista. 

Para os críticos de Voltaire, tudo que ele escrevia era de natureza polêmica ou proibida. E isso lhe rendeu fama de polemista e lhe causou sérios problemas com as autoridades.

Em 1715, aos 21 anos, diz outro estudioso, Voltaire escreveu sua peça Édipo e em 1717 as sátiras sobre o regente parisiense, o Duque de Orleans. “Por conta disso, o rapaz foi aprisionado na Bastilha pela primeira vez.” Um ano depois, em 1718, já liberto da Bastilha, passaria a publicar suas obras, com o pseudônimo Voltaire, faria sucesso com a dita peça e se tornaria burguês, sem se afastar, porém, da nobreza, provocando com isso uma briga com outro nobre, o Duque de Sully.

O “poeta burguês libertino”, como o duque chamava Voltaire, diz ainda o mesmo estudioso, levou uma surra, encomendada pelo próprio duque.  Voltaire não deixou barato e o desafiou para um duelo, que foi recusado, pois “alguém numa excelente posição na aristocracia”, afirmou o duque, “não duelaria com qualquer um”. O duque deu duas opções a Voltaire: a prisão na Bastilha ou o exílio. O filósofo optou pelo exílio.

Seria na Inglaterra, observa um historiador do pensamento europeu ocidental, que haveria de ocorrer o grande amadurecimento intelectual de Voltaire, pois, de fato, seria nesse país que ele “passaria a tecer suas críticas políticas e desenvolver seus escritos filosóficos”. Haveria de ser também lá que teria contato com um modelo político muito mais liberal do que o do regime absolutista francês. A pouca diferença política entre nobres e burgueses na Inglaterra “deixou Voltaire extasiado”. Entrou também em contato com importantes filósofos e poetas ingleses e estudou as teorias políticas liberais do físico e filósofo John Locke, bem como as pesquisas e descobertas científicas de Isaac Newton.

O retorno de Voltaire à França deu-se em 1729. Posteriormente, suas correspondências trocadas com amigos, escritores, filósofos e cientistas durante sua estada na Inglaterra, defendendo e difundindo os ideais de liberdade, foram posteriormente publicadas sob o título de Cartas Inglesas ou Cartas Filosóficas. Esses escritos, considerados polêmicos pela Igreja e o Estado, foram queimados em praça pública. E Voltaire, novamente caçado pelo governo e pela Igreja, teve sua prisão decretada, mas fugiu novamente e, em 1735, pôde retornar a Paris. 

Assim, a partir de então o viver de Voltaire deixaria de ser tão atribulado. Ele continuaria a defender suas ideias polêmicas, mas sem prisões. Posteriormente, em 1745, ele se tornaria historiógrafo real e no ano seguinte seria, em razão de sua obra, eleito membro da Academia Francesa. Em 1752 iniciaria a redigir o Dicionário Filosófico e, em 1758, seu romance mais difundido: Cândido ou o Otimismo. Em 1760, romperia sua amizade com Jean-Jacques Rousseau. Da meia-idade para a velhice, Voltaire viveu em Ferney (hoje chamada Ferney-Voltaire em homenagem ao filósofo), administrando terras e sempre escrevendo textos polêmicos contra o fanatismo religioso, a favor da liberdade religiosa e da liberdade de expressão.