O valor da justiça

Não é nosso objetivo realizar uma análise pormenorizada do conceito de justiça, muito menos penetrar em suas raízes históricas e em seus desdobramentos jurídicos. Para o fim a que nos propomos nesta reflexão, tamanho esforço intelectual e investigativo não se faz necessário. É suficiente, pois, uma firme disposição para enxergar esse conteúdo pelo prisma ampliador da espiritualidade divulgada pelo Racionalismo Cristão, para que o possamos compreender a partir de sua essência e de seu valor.  

Nossa tarefa será demonstrar que, não obstante a inegabilidade dos aspectos materiais associados à justiça, ela existe efetivamente como um instrumento de equilíbrio que parte da realidade transcendente para estabelecer no campo de nossas relações oportunidades iguais de desenvolvimento ético e moral. 

Mesmo em meios rústicos e hostis, precários e desguarnecidos do ponto de vista material, são incontáveis os caminhos de crescimento espiritual que a vida oferece a todo instante: oportunidades tão fecundas e reais, tão próximas e possíveis, que quem não as reconhece e valoriza incide em um ato de injustiça.  

A pluralidade de elementos naturais mutuamente harmonizados à disposição do gênero humano para seu desenvolvimento e manutenção, a diversidade de cenários e possibilidades existentes neste planeta – que permitem a realização das pessoas e a renovação de seus ideais e perspectivas – demonstram que a justiça é, antes de tudo, um princípio universal, e tudo quanto existe dá o mais claro testemunho de sua força singular e indiscutível superioridade.  

Na perspectiva da espiritualidade proposta pelo Racionalismo Cristão, justiça e equilíbrio são duas realidades de tal forma interpenetradas e conexas, que formam, sem dúvida, uma unidade indissociável. Tamanha é a relevância desse conjunto harmonioso – formado pela justiça e pelo equilíbrio – que não há exagero em afirmar que ele constitui a sede das demais virtudes. Vejamos: em que se fundamentam a temperança de ânimo, a fortaleza de espírito e a tão almejada felicidade, senão no equilibrado senso de justiça que impõe ética nas relações e enseja o autocontrole e a reflexão, estimulando, por conseguinte, o cumprimento dos deveres?  

A justiça assim considerada exige, por consequência lógica, sua aplicação integral em todos os setores da vida: nas ordens econômica e cultural, na vida social etc., a fim de que o ser humano possa conviver e desenvolver-se segundo a dignidade que lhe é intrínseca.  

Uma vez desprezado o valor da justiça, a austeridade converte-se em astúcia; o amor, em sentimento de posse; o trabalho, em exploração; a sinceridade, em vileza; a verdade, em mentira; enfim, há total subversão das virtudes.  

A justiça, como já o dissemos, é um princípio intangível e perene. Intangível, pois tem como fundamento a própria Inteligência Universal, e assim sendo nenhum fator externo a alcança. Perene, porque não está sujeito à corrosão dos preconceitos ou à pusilanimidade de opiniões humanas. Possui em si a substância e a força da imutabilidade e da universalidade, o que determina sua primazia diante das concepções materialistas e compartimentadas.  

Logo, a percepção da importância de buscar soluções justas para os conflitos e desafios que surgem na vida, o empenho em valorizar as decisões equilibradas e equânimes refletem, em certa medida, o abandono das visões acentuadamente unilaterais e, por extensão, a abertura do ser humano para a espiritualidade e para a justiça.  

Seria por demais insensato admitir que alguém que despreza a consciência e a razão natural possa agir com justiça. As atitudes justas refletem o bom uso do raciocínio e da inteligência, o cumprimento das normas de moralidade, decoro e educação para com o próximo e para com a sociedade, bem como a disposição em agir com correção. Todavia, tais atitudes não se devem restringir a observâncias exteriores.  

Em face dos incontáveis deveres e obrigações, prescrições e imposições sociais que fazem parte da realidade dos seres humanos, a atitude do racionalista cristão deve consistir em distinguir e reconhecer em todas essas situações uma dimensão superior, uma finalidade evolutiva, um propósito elevado. Para tanto, não se deve deter na obrigação em si, muito menos na opinião alheia. 

Para assim agir, deverá articular positivamente seus atributos espirituais de tal forma a conseguir desenvolver uma convicção viva, autêntica, profunda e robusta que, para além dos condicionalismos socioculturais e dos fatores psicológicos, lhe permita discernir com clareza o que é fundamental do que é ilusório, logrando que sua aspiração por justiça se exprima com o vigor necessário para que se efetive sua autorrealização espiritual e material. 

O olhar ampliado pela espiritualidade nos permite compreender que as ações humanas, especialmente seus efeitos, devem transcender os imperativos legais, os rigorismos formais e o positivismo legalista do dura lex sed lex, buscando sempre estabelecer o equilíbrio e a estabilidade sustentável das relações. Com certeza, as atividades da pessoa espiritualizada estão impregnadas de benquerer e amor ao próximo; suas obras são marcadas por essa notável dignidade, por esse acento de fecunda sensibilidade, que constitui, em última análise, a essência e o valor da justiça.  

Quanto mais profundamente compreendermos o sentido, a força e a magnitude da justiça, bem como o brilho de seu cultivo, mais preparados estaremos para o convívio respeitoso e harmônico com nossos semelhantes, livres de enganos e contradições dissolventes que, historicamente, têm angustiado e enfraquecido tantos espíritos. 

Muito Obrigado!