O tema desta reflexão reúne dois conceitos de grande importância: a disciplina e a ordem. Afirmamo-lo com total convicção, pois são eles que permitem ao ser humano relacionar harmoniosamente o dinamismo do mundo atual, a correria cotidiana, com os valores morais e espirituais que fazem uma pessoa ser verdadeiramente plena e feliz.
A disciplina é a força propulsora para o desenvolvimento de cada pessoa e da sociedade como um todo. É necessária para o enfrentamento dos desafios cotidianos, uma vez que possibilita a organização do tempo e das ideias, tornando-se via segura para a edificação de uma existência equilibrada e produtiva. Assim sendo, ao compromisso com a vida disciplinada não deve corresponder a pessoa de modo parcial ou abstrato, mas integralmente, para que não haja incoerência entre o discurso e a prática.
A ordem, por seu turno, é uma das características marcantes da realidade espiritual e deve ser conservada e reproduzida por todos, pois permite às pessoas comprometerem-se, com altruísmo e generosidade, no campo de suas relações interpessoais. Por isso, ao nos utilizarmos do vocábulo “ordem”, apoiamo-nos sobre seu sentido mais amplo, ou seja, destacamos-lhe um valor transcendente, e não o conceito reduzido que se limita à observância, muitas vezes artificial, das normas e preceitos quer jurídicos, quer sociais.
A relação entre a ordem e a disciplina é de indiscutível reciprocidade, na medida em que ambas fortalecem o ser humano no sentido de que este possa dominar suas más inclinações, seus impulsos inadequados e adquirir, paulatinamente, o hábito de pensar, expressando apreço e consideração aos aspectos da moral e colhendo os saldos de uma vivência equilibrada. Dominar os impulsos obtém-se com disciplina. Já o advérbio “paulatinamente”, aqui utilizado, indica a ideia de continuada disciplina, constância e estabilidade – coisas que só se alcançam com a ordem.
O valor da disciplina no cotidiano constitui o ponto de partida de nossa reflexão, à luz dos ensinamentos racionalistas cristãos. Sabemos, por nossos estudos em conjunto, que cada pessoa se realiza na vida, encontrando paz interior, ao cumprir seus compromissos com integridade e honestidade, ao concretizar com esmero e capricho seus projetos e atividades. Dessa forma, a plena realização desse ideal depende fundamentalmente da disciplina. É aderindo a ela que o ser humano se torna livre e apto para assumir responsabilidades cada vez maiores e, por conseguinte, receber cada vez mais intensamente o influxo da felicidade advinda da consciência do dever cumprido.
Exemplifiquemos: ao estabelecer horários regulares para suas atividades cotidianas, a pessoa passa a assumir o controle de sua vida no aspecto temporal, deixa de estar internamente dividida e desarmoniosa, começa a entender suas limitações e esforça-se conscientemente para superá-las com maior liberdade e responsabilidade.
Seria, no entanto, um equívoco limitar o conceito de disciplina à organização cronológica de atividades, a um modo de vida imposto por um grupo, a um treinamento sistemático e preparatório para um fim específico, a uma matéria acadêmica ou a um objeto utilizado com propósitos repressivos. A similaridade dos significados que giram em torno o vocábulo “disciplina” permite-nos compreender quão estrita é a visão consagrada pelo senso comum. Ademais, não podemos nos esquecer de que atravessamos uma época em que a procura do prazer e da satisfação imediata é apresentada como ideal de felicidade. Neste contexto, o conceito de disciplina tende a ser confundido também com o de repressão.
Vale salientar que a disciplina é, antes de tudo, um mecanismo substancial para a efetiva prática do bem e, por conseguinte, um instrumento de evolução. Na visão racionalista cristã, o conceito de disciplina não está restrito às dimensões puramente corporativas, hierárquicas, econômicas e técnicas, mas implica a valorização dos recursos disponíveis no planeta e o respeito próprio e coletivo.
Os acentuados desafios por que passa a humanidade nos tempos atuais exigem uma efetiva mudança de paradigma, que leve ao estabelecimento de novos estilos de vida, pautados na ética e no benquerer. Tais estilos de vida devem ser inspirados na sobriedade, na prudência e, sobretudo, na autodisciplina.
A disciplina concorre para eliminar diversas causas de desequilíbrios e acidentes que, infelizmente, são tão comuns nas vidas das pessoas. Por outro lado, é certo que a ordem, isto é, o hábito disciplinar, garante uma pronta capacidade de resposta quando tais eventos nos surpreendem.
A questão da disciplina não deve ser abordada somente pelas funestas consequências implicadas por sua negligência, mas deve ser entendida, antes de tudo, como uma forte motivação para a prática do bem. Entendem agora os amigos por que dizemos ser a disciplina um instrumento de crescimento moral?
Todos possuem criatividade. Trata-se de um elemento essencial da ação humana, posto que, em todas as fases da vida, o ser humano manifesta aptidão para criar e inovar. Qualquer que seja o projeto, é preciso organização, ordenação, esforço produtivo e planejamento a fim de que se alcance o pretendido. Surge, então, cada vez mais determinante o papel do trabalho humano disciplinado e inventivo. Sem disciplina, espírito de iniciativa e empreendimento, há grande risco de frustração.
A tendência à indisciplina é uma realidade para o ser humano. Influenciado pela materialidade própria do mundo físico, a pessoa sente-se impelida, muitas vezes, a agir desordenadamente. A futilidade que o aflige e muitas vezes o imobiliza requer uma reação enérgica, e esta, por seu turno, principia pelo reconhecimento sincero dos dramas que vivencia. Assim sendo, não há nada pior, em relação à indisciplina, que tentar escondê-la fingindo que ela não existe. O impulso à desordem deve ser confrontado escrupulosamente, e não negado, visto que, quando reconhecido, as chances de superação aumentam exponencialmente.
Quando a desorganização não é vencida, a negatividade de sua expressão enganosa aumenta, e o ser humano, displicente e indisciplinado, tende a projetar nos outros o caos que vivencia. Estamos diante de uma das consequências do flagelo da indisciplina: a projeção ou transferência de responsabilidades.
Todos podem tornar-se disciplinados e fortes espiritualmente, desde que ponham em ação sua força de vontade no sentido de valorizar-se e, acima de tudo, prestigiar a vida, que representa uma magnífica oportunidade de crescimento moral.
Desejamos terminar com a seguinte reflexão: iniciar uma tarefa, no mais das vezes, é fácil; completá-la com apuro e correção, no entanto, é possível somente quando agimos com ordem e disciplina. Não duvidemos: sem a conjunção desses dois fatores, todas as iniciativas ficam desprovidas de sentido, constituindo mal uso das energias vitais.
A disciplina, amigos, é uma esplêndida realidade que se nos impõe obrigatoriamente, posto que, sem ela, não avançamos em nossa caminhada de aperfeiçoamento, não nos realizamos nem amadurecemos moralmente. Não seria exagero considerá-la o eixo da autêntica espiritualidade divulgada, defendida e praticada no Racionalismo Cristão.
Muito Obrigado!