Petróleo e poder político
Petróleo, calcanhar de Aquiles da Venezuela. Hugo Chávez, o ‘Dragão nos Trópicos’ – como o intitularam os autores Javier Corrales e Michael Penfold –, com ele financiou programas sociais, promoveu as relações no Sul do continente, tentou a integração regional sob a égide de sua “revolução bolivariana”. E com ele criou corruptores e corruptos, dividiu o povo e governantes. Terão esquecido todos que o petróleo, no âmbito global, pertence às multinacionais, bem como às empresas nas cadeias de produção e distribuição – o poder econômico.
Hoje, Nicolás Maduro experimenta a mesma corda bamba. Apesar do país endividado, há capital para cortejar governos em vias de (re)eleição e/ou partidos estrangeiros. Assim foi com Cristina Kirchner (Argentina), ‘Podemos’ (esquerda radical espanhola), Donald Trump (Estados Unidos). Há capital, também, para comprar armas e gêneros alimentícios e manter os militares contemporizados com o governo. E, ainda, promover funcionários públicos na lista negra americana de punições.
Em análise recente (março passado) sobre as opções políticas da Casa Branca vis-à-vis Caracas, o autor David Smilde, com um lastro de 14 anos de pesquisa in loco na Venezuela, resume: “Falar da espiral descendente da Venezuela é desnecessário. Resta dizer que, face ao declínio nos preços do petróleo e governo desastroso, a economia do país implode. Em 2016, as importações caíram mais de 60%, desde os níveis de 2012, levando a uma dramática contração econômica, inflação de três dígitos (720%, registramos nós) e escassez generalizada de alimentos e remédios”.
Maduro aguenta-se, tal e qual Chávez. Vitória apertada (margem de apenas 1,7%) em abril 2013, Judiciário controlado pelo Executivo para submeter o Legislativo, de maioria oposicionista e já estripado de suas funções. Escorada em manifestações barulhentas de massa contra massa, a oposição desunida falha até em reconvocar o propalado referendo de resultado incerto, para expurgar Maduro. Lembra Smilde que, na progressiva concentração de poder político pessoal de Chávez e, por extensão, agora Maduro, nenhum pôde sanar, e mal mitigar, as desigualdades sociais, econômicas e culturais. Tudo começa e termina só na política, palco da enraizada cultura – e da geografia – latino-americana, que restringem as possibilidades de mudança. Que modelo de desenvolvimento conciliar?
Volta, assim, em 2017, a pergunta que já incomodava Chávez, em fevereiro 1999, quando assumiu o governo, prometendo deslanchar o “processo” (palavra por que se conhece, até hoje, sua revolução): Como explicar que, com tanta riqueza, o resultado seja negativo? Duas décadas depois, Maduro responde: “Por causa da guerra que nos declaram a oposição e seus aliados”. O analista Renaud Lambert (Diplo, dezembro 2016) conclui que, na corda bamba, o edifício sucumbiu a Chávez e à renda petrolífera: “Com a morte do primeiro, dá-se a morte clínica da segunda”. E Maduro, ele também deficitário, sem carisma nem meios para defender a herança ideológica do chavismo, perde o leme, enquanto a oposição, desunida, carece de alternativas.
Por trás de toda retórica, contudo, mantêm-se os negócios no mercado petrolífero. Os Estados Unidos ainda recebem a maior parcela das exportações da Venezuela, seu terceiro maior fornecedor, embora os níveis venham caindo. Talvez por isso, negócios, também, com a estatal russa Rosneff, que emprestou (segundo El Pais) US$ 5 bilhões à estatal Petroleos de Venezuela, PDVSA, que colocou 49,9% de suas ações na Citgo, como garantia, em caso de calote. Significa que a Rosneff pode comprar os títulos da Citgo, empresa da PDVSA que distribui o petróleo nos Estados Unidos. Também negócios com a China, em franca ampliação de seus interesses na América Latina. Pingos nos is, a economia petrolífera dança a música da isenção de impostos e reforma nas leis trabalhistas. Sinônimo de mercado paralelo, que gera inflação e escassez.
Corrales e Penfold consideram Nicolás Maduro “nova e ampliada versão do Dragão nos Trópicos”. A realidade venezuelana mostraria características autocráticas inerentes a um já consolidado regime híbrido, em que a luta é pelo poder pessoal e riqueza do petróleo, que financia a luta pelo poder político. O círculo viciado do “processo”. No populismo clássico, impunham-se inflação, aumento das desigualdades, discurso antiamericano. Pelo visto, as mesmas consequências, no populismo venezuelano de esquerda populista, ortodoxo, nacionalista, com a mesma origem. Insinua outro rumo a esquerda democrata moderna, progressista, mas amarga um continente distante do limiar da integração.
Já em seu direito de expressar-se livremente, mesmo sem saber como dizer o que quer, manipulado até pela mídia, o cidadão venezuelano cria, ele também, o seu próprio “processo”. Ele e o cidadão mundo afora.
Clecy Ribeiro
Jornalista, professora das Faculdades Integradas Hélio Alonso, RJ