Porque tantas pessoas acabam fazendo uso inadequado do livre-arbítrio?

O tema desta nossa reflexão tem um propósito mais abrangente do que, simplesmente, o de lembrar os limites e as consequências das escolhas cotidianas. É importante ir além, identificar a motivação de cada uma delas, compreendendo o autoconhecimento como uma possibilidade de entender o porquê das reações e comportamentos, e não como o simples ato de comparar defeitos e qualidades. 

Por que tantos seres fazem mau uso de sua capacidade de escolha? Procuraremos responder a essa questão, mas, além disso, buscaremos analisar as duas origens dos erros e equívocos que ora derivam naturalmente do processo de desenvolvimento humano, ora advêm de escolhas mal feitas e desordenadas. 

A busca da felicidade é para o ser humano uma vocação e uma necessidade, fato ao qual não se pode subtrair. À medida que amadurece espiritualmente, o ser humano passa a entender que a autêntica felicidade exprime uma consciência leve, realizada e plena, proporcionada pelo cumprimento dos compromissos e deveres. Nessa trajetória, o uso que fará de seu livre-arbítrio assume excepcional importância. 

Falar sobre oportunidades de engrandecimento da vida aos homens e mulheres da sociedade atual significa convidá-los a meditar sobre as faculdades espirituais que todos possuem, das quais a mais importante é, sem dúvida, o livre-arbítrio. Ora, essas potencialidades impelem-nos a viver buscando o desenvolvimento e estão na base de todo o dinamismo existencial. Na verdade, só possuiremos uma vida harmônica na medida em que expandirmos e realizarmos em nós essa vocação espiritual de aprimoramento e religação com o Transcendente. Eis a razão pela qual é importantíssima a atitude de tirar importantes lições de erros ou quaisquer experiências passadas, das corriqueiras às extraordinárias, das felizes às menos felizes. Assim, serão ampliados de forma consistente o raciocínio, a inteligência, a sensibilidade e os demais atributos do espírito. 

Ao tratar da abordagem de que os equívocos e falhas cometidos no passado constituem um conjunto real de possibilidades de crescimento humano, poderá haver quem a critique, tachando-a de ilusória; porém, sem razão, pois entendemos o quão interligados estão os conceitos de aprimoramento individual, reavaliação de condutas e uso adequado do livre-arbítrio.  

Ao buscar superar os desafios que a todo instante a vida lhe apresenta, o ser humano está, naturalmente, suscetível a cometer erros e falhas. É preciso considerar, entretanto, que tudo isso faz parte de um processo e que melhores resultados serão alcançados sempre que houver disposição em aprender com os insucessos, sejam eles pequenos ou grandes. Dessa maneira, os erros e equívocos – que todos cometem em maior ou menor grau – revelam incontestavelmente uma oportunidade de aprimoramento e revisão de paradigmas.  

O despertar para essa realidade atesta que os erros, quando analisados em profundidade e descortinados em sua causa geradora, podem representar alavancas de progresso moral, constituindo a expressão de maior relevo no que diz respeito à reflexão de todo ser humano a respeito da finalidade da vida. 

O ser humano que, com sinceridade de propósitos e sem preconceitos tolos, procura compreender a vida em seu aspecto mais amplo, buscando conhecer a fundamental realidade que se oculta para além das aparências, dos condicionalismos e das trivialidades, tem apreço pelo conhecimento e pela sabedoria, não apenas o conhecimento sensorial, mas também – e sobretudo – o conhecimento da espiritualidade, daquilo que há de comum em todos os seres, e é precisamente este conhecimento que permitirá tirar consequências positivas de seus erros. 

Pesquisando agora a outra dimensão do erro, chegamos a sua faceta mais comum: o erro enquanto resultado de más escolhas e de maus atos, isto é, de deixar-se levar por um impulso desordenado e inconveniente, por uma intuição malfazeja, por um desejo circunscrito às emoções grosseiras, mesquinhas e materializadas.  

Neste momento, já estamos em condições de responder sinteticamente à questão suscitada no início: por que tantas pessoas fazem mau uso de sua capacidade de escolha? Ora, porque não submetem seus impulsos e desejos, temores e angústias ao império da razão. Esta é a causa! A exaltação, amigos, controla e domina o ser humano em todas as suas más ações, de modo que estas se tornam más precisamente por isto. 

A liberdade de ação e de movimento consiste no exercício livre da vontade. No entanto, a autêntica liberdade, espiritualmente considerada, só aflora nos espíritos prudentes, e mesmo nestes ela só é possível se há disciplina dos pensamentos e ordenação das ideias, as quais evitam o arroubo das emoções inadequadas e conduzem a virtude da moderação, alicerce das boas escolhas.  

O ser humano que valoriza a atividade racional, à luz da inteligência, da sensibilidade da alma, do aprofundamento do conhecimento, despreza o entusiasmo ligeiro e apaixonado de quem apenas compreende a superficialidade e artificialidade de determinados fenômenos. Toda atividade do racionalista cristão, daquele que compreende a vida de uma perspectiva transcendente, é iluminada de princípios que largamente ultrapassam o campo dos interesses mesquinhos, de onde normalmente brotam as escolhas equivocadas. 

A chave para a avaliação do valor contido nos gestos comuns e correntes tendo por foco o desenvolvimento da própria personalidade não é um enigma a ser descoberto, nem um conhecimento que possa ser adquirido exclusivamente por meio do estudo teórico. Ela está, antes, na disposição prática e concreta em reconhecer a importância dos detalhes, dos sinais, em agir abnegadamente, em apreciar com sinceridade os atos praticados. 

Importa aceitar e acolher as eventuais ingratidões, as circunstâncias desagradáveis, as contrariedades e obstáculos, absorvendo sempre as lições ali contidas com a vontade férrea de tornar-se uma pessoa melhor, mais humana, mais altruísta, mais preocupada com o bem-estar de seus semelhantes e, sobretudo, com o bom uso que faz de seu livre-arbítrio. 

Ora, amigos, os erros cometidos pelos seres humanos – por mais contraditória que esta análise possa parecer – provém da mais nobre de suas faculdades: a liberdade, a virtude de ser livre. A liberdade de que somos dotados e que nos distingue dos demais seres permite-nos exercer nossa capacidade de escolha, e esta é inseparável da possibilidade de errar. Dessa forma, a pessoa pode escolher bem ou mal; caso uma das possibilidades deixe de existir, cessa igualmente a liberdade. Quando o ser humano aprende com o erro, tende a acertar cada vez mais e, à medida que acerta, sente-se cada vez mais livre e feliz. 

Referimo-nos convictos que uma das maneiras mais eficazes de desenvolver nossas potencialidades é eliminar do campo de nossas ideias qualquer impulso à transferência de responsabilidade. Quando vivenciamos situações menos felizes, devemos buscar entender qual foi nossa participação nesse contexto, e nunca atribuir os insucessos a outra pessoa ou a um determinado grupo de pessoas. 

A angústia, a dificuldade de pôr em prática os propósitos acalentados e a aridez emocional que muitas pessoas infelizmente vivenciam têm por fundamento o orgulho, a autocondescendência e a incapacidade de perceber nos gestos mais simples oportunidades autênticas de aprimoramento da personalidade. Da análise unilateral ou preconceituosa dos atos habituais e comuns da rotina diária, bem como das falhas irrefletidamente empreendidas no passado, pode resultar um entendimento reducionista do sentido da vida. 

O entendimento acerca da necessidade de empregar bem o livre-arbítrio é condição fundamental para a edificação de uma vida produtiva e feliz. Convém também ressaltar que o olhar interrogativo e a apreciação criteriosa dos problemas e das situações diárias diante da tomada de decisões permitirão o esclarecer de inúmeros desacertos e enganos, bem como o esvanecer de diversas ilusões e fantasias. 

Eis uma escolha que praticamente toda pessoa, em algum momento da vida, terá de fazer: de um lado, a decisão de colocar-se receptiva ao aprendizado, ao aperfeiçoamento, ao soerguimento, à transformação positiva; de outro, a de sentir-se eternamente vítima das circunstâncias, corroída pela inquietação, alimentando constantes, profundas e dolorosas divisões e incidindo em uma desvalorização progressiva da própria vida. Poderão, porventura, as duas opções equivaler-se e oferecer ao ser humano oportunidades de crescimento emocional e qualidade de vida? Poderão proporcionar iguais possibilidades de realização e paz interior? Evidentemente não.  

A partir de um sério empenho de reflexão e ação, tendo por base os conteúdos aqui abordados, todos estarão em condições de olhar para os desacertos cometidos com os óculos da espiritualidade, que ensejam uma visão ampliada, sincera e consistente a ser traduzida em ação concreta e efetiva, através de escolhas bem feitas e acertadas. Logo, aquele que se abre para a espiritualidade divulgada e defendida pelo Racionalismo Cristão ilumina sua razão e entendimento, percebendo, por via de consequência, a importância simultânea da especificidade e globalidade de todos os atos humanos.  

Sabemos que uma vida saudável e produtiva é a que decorre da liberdade consciente, capaz de compreender que o livre-arbítrio não é, por si só, nem bom nem mau, mas uma faculdade do espírito. Suas consequências repercutirão sempre a qualidade dos pensamentos e sentimentos que animaram seu uso. Assim, buscando conhecer-se cada vez mais, opondo-se a tudo que impede o crescimento moral e concentrando sua ação na prática do bem, todos estarão fazendo o melhor uso de suas capacidades de escolha. 

Muito Obrigado!