Preconceitos políticos e sociais
Viktor Emil Frankl (1905-1997), psicólogo judeu, sobrevivente dos campos de concentração nazistas, dizia que os soldados nazistas poderiam tirar tudo dele: a comida, a roupa, a saúde, o abrigo, mas não poderiam tirar dele a maneira com que ele decidiria lidar com aquela situação. Eis a última das liberdade que ninguém pode tirar de nós, dizia ele.
Frankl se referia ao “locus de controle interno”, quando o foco da superação de uma determinada situação é trazida para o campo individual, de esforço pessoal, competência etc; em oposição ao “locus de controle externo”, quando o foco da transformação é levado ao campo coletivo, que depende de outras pessoas, instituições etc.
Nesse contexto, como aprendemos no Racionalismo Cristão, o locus de controle interno é onde residem os atributos espirituais: inteligência, raciocínio, equilíbrio etc. Por outro lado, a tolerância, a compreensão, o amor ao próximo são sentimentos (entre outros) que nos conectam ao coletivo. O locus de controle externo é a percepção focada na busca de compreensão e tolerância de outros, do coletivo. Esse conjunto de elementos e sua evolução é que constituem a vida humana.
De forma básica, a maneira como cada um dá enfoque ao seu locus de controle é o que divide a sociedade entre vertentes políticas que batizamos genericamente de “esquerda” e “direita”. Todos nós carregamos as duas vertentes, mas em alguns aspectos ou situações uma delas se destaca mais que outra. Socialmente, a direita é a vertente que valoriza mais o locus interno, enquanto a esquerda valoriza mais o locus externo. Nada disso depende da evolução espiritual, são traços de personalidade devido a experiências desta e de outras vidas.
Existe outro aspecto que divide as pessoas entre esquerda e direita: a valorização maior de iniciativas coletivas, representadas ou não pelo Estado (esquerda) ou iniciativas de corporações privadas (direita), mas não daremos muita atenção a esse aspecto neste momento.
É possível notar que os dois enfoques, a direita e a esquerda, são complementares: ao mesmo tempo em que só o esforço pessoal pode levar-nos a uma situação mais confortável individualmente, eliminar condições externas adversas é também questão fundamental. Afinal, Frankl pode desenvolver seu locus de controle interno para lidar bem com a vida num campo de concentração nazista, mas a extinção de campos de concentração nazistas é resultado de um esforço coletivo. A mesma discussão vale para o combate à desigualdade social e o incentivo à meritocracia, questões que se complementam de formas e métodos diferentes.
Uma leitura equilibrada da realidade não dispensa qualquer dessas vertentes políticas. No entanto, a polarização política, o fanatismo e a incompreensão têm levado grandes países, entre eles o Brasil, a rumos perigosos. Alguns setores da esquerda acusam a direita de “fascismo”, enquanto a direita acusa a esquerda de “defender bandido” ou de ser “a favor da corrupção e da imoralidade”. Absoluta incompreensão de ambos os lados. Cada um cria a imagem de um espantalho do outro e briga com esse espantalho como se representasse o oponente real. A origem desses conflitos é apenas o medo. E, mais uma vez, o autoconhecimento é fundamental aqui: pessoas muito bem-intencionadas podem ser conduzidas, através desse medo, ao ódio, de maneira quase imperceptível.
O medo é um sentimento legítimo pois leva à auto-proteção e à precaução. Sem equilíbrio, no entanto, é o lado oculto da incompreensão e do preconceito, que raras pessoas admitem possuir. Além disso, são sentimentos facilmente alimentados por teorias conspiratórias disseminadas nas redes sociais da internet, hoje em dia. E quando uma teoria conspiratória remete aos nossos preconceitos mais íntimos, dificilmente identificamos os falsos argumentos. Muitas vezes com as melhores das intenções, as mentiras acabam por ser amplamente compartilhadas reforçando os preconceitos sociais.
A oposição e a suposta ameaça à esquerda ou à direita no espectro político tem sido um dos preconceitos mais intensamente explorados hoje em dia. Cuidemos para não cairmos em soluções aparentemente fáceis para problemas complexos. Não existem salvadores da pátria. Enquanto o Bem e o Mal são forças claramente opostas do ponto de vista espiritual, é muito delicado transportar essa oposição às relações sociais sem cair em comportamentos de grupo, facilmente manipuláveis por um líder, esteja este líder à esquerda ou à direita do espectro político, seja ele militar, sindicalista ou empresário. Por isso, o discurso de “combate ao mal” não é suficiente para revelar um comportamento justo e imparcial, quando os preconceitos estão presentes.
Eliminar os problemas sociais é uma missão que a humanidade se auto-impôs pelo menos desde o nascimento do iluminismo e sempre será um enorme desafio! Mas procurar os preconceitos sociais dentro de nós mesmos, compreendê-los e eliminá-los é algo que sempre estará plenamente ao nosso alcance.
Thiago Monfredini
Militante da Filial Campinas (SP)