Prepare a fantasia, o bloco vem aí com cantorias e tambores

Chegou o mês mais alegre, o mês do carnaval. A festa se espraia por todo o país, de Porto Alegre a Manaus, claro, com algumas paradas em estações mais tradicionais. O tum tum da marcação e o perequeté dos tamborins reforçam o entusiasmo de cariocas, baianos, pernambucanos, paulistas e por aí afora. Ainda que os espontâneos blocos de sujo dos subúrbios tenham perdido a força de outros tempos e quase tenham desaparecido os coretos, temáticos ou não, por motivos alheios à vontade dos verdadeiros foliões, cresceram os trios elétricos patrocinados e os blocos organizados com aval das prefeituras. Também contribuiu para o enfraquecimento dos blocos de sujo a crescente paixão pelos desfiles das escolas de samba, principalmente depois que a televisão intensificou a exibição da exuberância de cores, mulheres bonitas e, pra quem gosta, garotos sarados.

No Rio, e depois em São Paulo, cresceram as escolas de samba; na Bahia, um som peculiar: os tambores do olodum; no Nordeste, o frenético frevo das sombrinhas e passos livres, com aparência, apenas aparência, de desorganização dos blocos que seguem o Galo da Madrugada.

Queiram ou não os bairristas a capital do carnaval é a cidade do Rio de Janeiro. Tradicional solenidade é a entrega das chaves da cidade ao Rei Momo, que tem origem na mitologia grega e era na verdade uma deusa, personificação do sarcasmo e delírio, patrona dos poetas e escritores. Por seu jeito irônico, acabou sendo expulsa do Olimpo. Os gregos incorporaram a figura de Momo a algumas de suas comemorações, principalmente às festas de Dionísio, deus do vinho e da farra. Momo era gordo para simbolizar fartura e abundância. Em tempos idos, somente um prefeito bobalhão e mesquinho se negou a cumprir o ritual de entregar a chave do Rio de Janeiro ao Rei Momo. De nada adiantou a atitude grosseira e antipática que ofendeu a tradição, a cidade e seus habitantes, porque a figura mítica de Momo foi restaurada e reina na cidade durante os carnavais.

O carnaval acontece também em muitos países que têm influência católica, como Espanha, Portugal e França. Segundo a Enciclopédia Britannica, a origem da festa está nos costumes católicos do antigo Império Romano. De acordo com a Britannica, o carnaval vem das festividades finais realizadas pelos romanos católicos nos dias que antecediam a Quaresma, período imediatamente anterior à Páscoa cristã e em que os devotos se abstinham de comer carne, entre outras práticas religiosas. A enciclopédia inglesa indica que a própria palavra “carnaval” vem do latim carnelevarium, que significa tirar ou remover a carne. Curioso: nos nossos dias se diz que se trata da festa da carne. Por que será?

O carnaval pode ter origem ainda mais antiga. Uma delas é um festival feito em homenagem ao início da primavera, do ano novo e ao renascimento da natureza – ainda conforme a Britannica.

Na Itália, a origem das celebrações pode estar ligada aos festivais pagãos Saturnália e Lupercália. O primeiro era realizado em honra ao deus Saturno e ocorria no solstício de inverno. O segundo acontecia em fevereiro, no mês das divindades infernais e das purificações para os romanos. Ambas as festas duravam dias e eram abastecidas com muita comida, bebida e danças.

A estátua do alto do Corcovado abre os braços aos visitantes que, no período carnavalesco, enchem as burras da Prefeitura e dos hoteleiros, e dá as costas ao que ficou conhecido como sambódromo – 560 metros de asfalto que levam à Praça da Apoteose e que são pisados, sapateados, sambados por mais de 70 mil passistas, ritmistas, cantores, diretores, empurradores de alegorias, jornalistas (do mundo todo) e penetras… em seis noites, incluindo o desfile das campeãs. Suas arquibancadas têm capacidade para 72,5 mil pessoas.

Por partes: desfile; campeãs. Não é demais lembrar que desfile é a apresentação das agremiações, chamadas todas de Grêmio Recreativo Escola de Samba tal e qual. Seus integrantes, embalados pelo samba-enredo e ao ritmo da bateria, contam uma história. Tanto melhor será o desfile e consequentemente a apresentação quanto mais facilmente o público puder entender o tema que as diferentes alas e alegorias vão contando, e a qualidade dos quesitos de julgamento é medida por notas que especialistas aplicam – Samba-enredo, Bateria e Alegorias e adereços, Evolução, Harmonia, Enredo, Fantasias, Comissão de Frente e Mestre-sala e porta-bandeira. Tais notas apontam as melhores entre todas. São campeãs, e retornam à passarela as seis que alcançarem maior pontuação. Daí desfile das campeãs.

O carnaval foi trazido ao Brasil pelos portugueses durante o período colonial, mas a festa como a conhecemos apareceu no final do século XIX. Já na década de 1920 surgiram as escolas de samba, agremiações que incorporaram elementos de outras práticas do carnaval comemorado no Rio de Janeiro. A Deixa Falar foi a primeira, em 1928. O primeiro desfile aconteceu em 1932. A bateria de uma escola de samba, por exemplo, surgiu da influência da cultura africana e tem como um dos pontos de partida os “Zé Pereira”, homens que saíam durante essa festividade tocando instrumentos de percussão. As escolas de samba são divididas em várias categorias, as mais importantes, pela suntuosidade, são as do Grupo Principal e da Série Ouro. A entrada delas em seu local de desfile provoca vivas: todas são aplaudidas, ninguém vaia.

Argentinos, alemães norte-americanos e turistas de outras nacionalidades não vêm ao Brasil, ao Rio de janeiro especificamente, apenas para gastar dinheiro, pagar R$ 30 por um coco da Bahia ou R$ 15 por uma latinha de refrigerante na praia; eles vêm para misturar-se aos foliões, absorver a alegria que deles exala, vêm assistir aos desfiles das escolas de samba e até participar de alguns deles, tendo adquirido as fantasias pela internet. Também pela internet outros reservam abadás para integrar-se aos trios elétricos de Salvador.

Com certeza, o povo do Rio de Janeiro terá um mês tranquilo e feliz. Para o alcance desse sentimento de felicidade e prazer só se espera a colaboração dos agentes de segurança. Será preciso uma trégua em suas atuações de violência mal dirigidas, será preciso que suspendam o fogo contra trabalhadores e crianças e que eventualmente atirem apenas em bandidos, embora melhor seria que os prendessem, como em qualquer lugar civilizado do mundo. (JBA)